"As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda"
Fui ler o Projecto de Lei 206/X do Bloco de Esquerda que propôe a alteração do regime do casamento civil de forma a que possa ser alargado a pessoas do mesmo sexo e irritou-me logo esta coisas das deputadas e dos deputados e de as deputadas virem em primeiro lugar. Detesto o políticamente correcto e não percebo porque não aparece assinado pelo Grupo Parlamentar e têm de indicar os sexos dos senhores. Desculpem, das senhoras e dos senhores. Isto sim, acho discriminação.
Pronto, já protestei, agora passemos ao resto.
Casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Tenho andado para aqui às voltas com isto e não consigo perceber esta luta. Começo logo por não conseguir perceber como é que alguém se pode querer casar pelo civil. É costume? Está bem, mas isso não chega. Compreendo e aceito o casamento como Sacramento, percebo o casamento religioso, não percebo o civil. E, já agora, percebo ainda menos o dois em um, o automatismo da transcrição imediata, o facto de a Concordata obrigar a que todos os casamentos católicos sejam obrigatóriamente transcritos para o civil. E se eu quiser a benção de Deus pai e não quiser a benção do pai Estado? Sim, sei que posso casar em Espanha porque lá, sensatamente, as pessoas podem casar na igreja sem ficarem casadas no Civil, mas percebo pouco o espanhol e ainda prometia alguma coisa que não devo.
Casamento civil, o que é isso? Peguei no Código Civil e fui espreitar outra vez, que podia jã não estar lembrada. Muito bem, começa por se dizer que o casamento é um contrato e eu começo logo a ficar eriçada. Contrato? Então sigamos para as clásulas contratuais, os direitos e deveres dos conjuges que a lei estabelece. Estão por lá alguns, quatro ou cinco. Todos muito genéricos e cheios de boas vontades. Com que finalidade? Não sei, não percebo, que resultados práticos não há nenhuns. Há muito que, mesmo em caso de divóricio litigioso, o conjuge declarado único ou principal culpado na violação do contrato não podia ser punido. A culpa só era estabelecida já que tinha consequências práticas em termos de bens e de alimentos, mais nada. Agora, com a nova Lei do Divórcio, nem culpas há para distribuir, portanto passemos por cima das regras de bom comportamento que não fazem lá nada.
Filhos, vamos aos filhos. Nada, nadinha. Antigamente ainda se presumia que pai de filho de mulher casada teria de ser sempre o marido, agora nem isso. E no que toca aos direitos e deveres dos paizinhos e maezinhas e das crianças, o casamento ou a falta dele não é tida nem achada, que não mudam uma virgula. Não é por aqui que se vai lá.
O que é o casamento? Um registo publico onde se diz que se quer constituir uma família. Consequências práticas? Só ao nível dos bens, mais nada. Tenho muita pena, mas tudo se resume a isto, aos bens. À facilidade da prova, que sempre se tem um papelinho, e ao vil metal. Triste não é? Ou pelo menos burocrata e interesseiro. São estas as únicas diferenças, na prática, entre um casamento e uma união de facto apesar de a união de facto me parecer uma coisa mais séria, mais digna, que pelo menos por alí não se brinca às famílias. Quem se quiser casar, homem e mulher por enquanto, só tem de dizer que quer constituir família e está feito. Três meses depois podem chegar lá, ao sítio do costume, e dizerem agora já não queremos, e está desfeito. E nem as prendas são obrigados a devolver. Famílias IKEA.
Nisso a união de facto é muito mais responsável, conservadora até, que obriga, pelo menos, a um longo noivado. Aí dizem que são uma família? E acham que isso é assim? Venham cá daqui a dois anos e se se aguentarem juntos podemos começar a conversar.
Ainda acham que o casamento é que é assunto sério?
Mais diferenças? Algumas. O regime de bens do casamento, que nele é automática a partilha mas que até pode ser acordada de forma diferente, e as heranças. O regime de bens seria fácil de resolver, bastava mais um artiguinho na Lei das Uniões de Facto. As heranças ainda deviam ser resolvidas mais depressa, era uma alínea a menos no Código Civil. Num casamento os conjuges são sempre herdeiros legitimários um do outro. Isto quer dizer que mesmo que façam testamento não podem deserdar o outro. Concorrem, é assim que se diz, junto com os filhos, ou os pais se quem morre não tiver filhos, e podem ter direito até a uma quota maior na herança, se os filhos forem muitos, que menos que 1/4* dos bens não podem nunca receber. Justo? É por isto que se luta? Eu acho que isto é mesmo o mais injusto no casamento. Então eu, que tenho duas filhas, se me casar e morrer no dia a seguir o meu marido vai herdar tanto como elas? E eu não posso fazer o que quer que seja? Fico logo com uma vontade de me casar que nem imaginam. Alterem lá o Direito Sucessório, deixem-nos fazer testamentos à nossa vontade, resguardando os filhos, de acordo quanto a isso, e tirem o casamento da mesa.
Mudado isto só nos fica a adopção, mas aí ninguém se chega à frente. A Lei das Uniões de Facto reconhece uniões de pessoas do mesmo sexo, com direitos iguaizinhos, menos no que diz respeito à adopção. A minha opinião? Altere-se também e equiparem-se as situações. Vivemos num país onde durante anos seguidos foi possivel a uma criança ter um pai com nome e morada e uma mãe incógnita e isto, digam o que disserem, é muito mais surreal que ter dois pais ou duas mães. Não tenhamos medo das palavras e toca a tirar a cabeça da areia.
Casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo? Mas se o casamento entre duas pessoas de sexos diferentes já não é mais que uma ficção, tipo história da carochinha, onde queremos chegar com isto? Ao respeito? À não discriminação? Por aqui? Usando um dos institutos menos respeitado do nosso sistema legal?
É triste, muito triste, que seja necessário vermos uma etiqueta para podermos respeitar, ou não discriminar, ou o que seja. O respeito por todas as pessoas, a não discriminação, devia ser-nos inerente e não precisarmos que nos dissessem que é assim. Isso não é respeito, é respeitinho e pouco.
Uma coisa garanto. Se por acaso, nas voltas da vida (espero bem que não, que gosto muito de gajos...) quisesse formar uma família com outra mulher havia de me roer toda para levarem connosco da mesma maneira que com os chatos dos vizinhos casados há 40 anos, lutava por direitos iguais, mas nem que me oferecessem o casamento numa bandeja eu o aceitava. Como posso querer ser respeitada usando o que não me merece respeito nenhum?
*não é bem bem assim mas falar de legitimas e quotas disponíveis é chato e muito técnico...
Há 2 anos
8 comentários:
clap, clap, clap.... casamento??? Jamé
agora que ia pedir casamento!!
a quem a mim?? c'orror!!!!
dantes os santos acho que não podiam casar pá, e aqueles que não acreditam no amor também não deviam imaginava eu
embora cá por mim cada um é que sabe
e há a tal questão dos bens
tá bem giro o post cabrinha-mor vais direito ao fundo, e no entanto sabes que defendo o casamento homo em igualdade ao hetero, mas nunca casei e espero não casar, mas se quiser fazer essa asneira quero ter as portas abertas para qualquer dos lados
seja como fôr a minha posição é do Pitt, ou muito próxima
vê a Noruega, se não fosse tão frio e tão pouco Sol era onde eu queria experimentar viver, mas só conheço no Verão
à não discriminação precisamente, consagrada ao nível do instituto de direito que é o casamento, que à letra só significa partir para fazer casa juntos, com as inerentes protecções (e perversões) legais (e outras),
bem, bazarinho, 'té logo
Eu casei pelo civil e divorciei-me pelo civil. Para quem não é católica ou religiosa, é a única forma de expressar perante os outros que se assume aquela pessoa como a escolhida para viver e criar família e ser fiel, etc.
Não me faz comichão.
estou como tu, z, só devia casar quem acredita no amor. esse é que devia ser o único requisito.
A ti já disse que para mim esta luta só peca por ser triste. Por eu achar que reivindicar o direito a constituir família, absolutamente legítimo, reivindincando o direito ao casamento, so pode ser irónico porque hoje em dia o casamento já é tudo menos isso.
Gabs eu também não sou católica, pelo menos praticante, mas continuo a achar que o casamento religioso, contrariamente ao civil, tem dignidade. Casar com alguém tem de ser uma profissão de fé e não um mero registo publicitário. Nunca me casei e se o fizesse teria sempre de responder a mim mesma uma pergunta - quero esta pessoa até ao resto da minha vida? Só um sim sem dúvidas me faria avançar. Podia reconhecer mais tarde o engano mas nunca me casaria sem ter esta certeza absoluta dentro de mim.
Tem graça porque mesmo pessoas não religiosas, como tu, acabam por ver no casamento civil um imperativo moral - o casamento atesta do bom comportamento, da seriedade, da honradez, da fidelidade, em contraponto com os devassos que vivem em pecado. Eu não quero que um instituto civil me passe atestados de bom comportamento. E não, nunca na minha vida fui infiel. E também nunca fui casada.
Ena que tema sensível, toquei num nervo? Casar não é nada por aí além, e ser fiel é relativo. Prefiro ser leal a ser fiel.
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