Quando decidi vir viver para o Algarve, com as crianças pequenas, tinha duas grandes preocupações - a qualidade da saúde e do ensino. Vinha de Coimbra e habituada ao luxo. O Hospital Pediátrico, apesar do edifício velhinho, é um dos melhores do país e eu tinha um acesso mais que privilegiado, elas andavam num Colégio particular com excelentes instalações, ginásio, piscina aquecida, transportes, refeitório, com creche, jardim escola, primária, 2º e 3º ciclo e onde eu pagava, há seis anos atrás, pelas duas e com refeições incluidas, catorze contos por mês. Luxo, mesmo.
Por aqui nada disso me esperava. Hospitais Pediátricos nem pensar e escola era a pública, que o que eu ganhava por mês não chegava para pagar uma mensalidade, quanto mais duas.
Depois de uma apendicite aguda e várias idas às urgências com a cabrinha mais nova, que até no ar tropeça, fiquei completamente sossegada no que a hospitais dizia respeito. A escola estava sob observação, que nessas coisas os resultados não são tão rapidamente visíveis.
Este blog já tem uns dias e quem me lê está farto de saber que tenho duas filhas. A Clara e a Francisca. A Clara portadora de Síndroma Down e a outra de um feitiozinho de arrepiar cabelos. Não ia ser fácil, mas para facilitar ainda mais não vivemos propriamente numa cidade e não era possível escolher porque aqui escola só há uma.
Ontem, tal como a grande maioria de outros pais e mães, tive a reunião de início de ano escolar. Estão as duas na mesma escola, uma no 6º ano a outra no 7º. Como de costume o Carlos, o "director", recebeu-nos, e voltei a sair de lá como tenho saído todos os anos - certa de que tivemos uma enorme sorte com a escola que nos saiu na rifa.
O que é que elas têm aqui? Têm tudo o que nunca pensei vir encontrar numa escola pública do Algarve. Uma escola pequena e perdida mas que conseguiu estar entre as primeiras que a nível nacional assinaram um contrato de autonomia com o Ministério da Educação.
O ano começou ontem e não há quem não tenha professores. O Carlos continua a conhecer os alunos todos pelo nome, a saber onde vivem e quem são os pais, e não são assim tão poucos. A escola tem um excelente refeitório, as ementas estão feitas até ao final do ano por técnicos nutricionistas, o ginásio está equipado e a biblioteca a funcionar. Têm sala de convívio, salas de estudo, salas de informática, cacifos para as mochilas, horta, pomar e jardim. Têm horários completos todos os dias, de manhã e de tarde, aulas de informática desde o 5.º ano e três linguas estrangeiras. Têm inúmeras actividades extra-curriculares - clube de artes, de teatro, ténis, BTT, canoagem, natação, patinagem, jornal da escola - e têm professores que não mudam todos os anos. A Clara tem um curriculum alternativo e tem professores de ensino especial, terapeuta da fala, psicóloga, aulas de coordenação motora, uma funcionária responsável por ela e uma escola inteira a apoiá-la. A Francisca tem uma turma com 28 alunos - opção da escola, que as outras duas turmas do 6.º ano são bem mais pequenas - mas tem, também, aulas de apoio. Uma inovação, este apoio. É que a escola decidiu que nem só os alunos mais fracos precisam de apoio. Os bons alunos, e com capacidades para irem um pouco mais longe, também vão ter aulas extra para compensar o que não lhes pode ser dado na turma.
É por todas estas razões que fico chocada com a notícia da escola de Barcelos. Nivelar por baixo? Aqui não. Nesta escola três negativas é chumbo certo ou nota negativa em duas destas três disciplinas - Matemática, Português e Área de Projecto. O objectivo da escola para este ano? Aumentar em 15% o número de alunos que transita de ano sem qualquer nota negativa. O ano que passou foram 55% dos alunos da escola a conseguir fazê-lo.
É muito? Não, não é. Para além disto tudo a escola conseguiu ir buscar 15 miúdos ao mercado de trabalho, miúdos de vários concelhos e a quem a escola garante o transporte para poderem frequentar uma turma especial de 5.º ano. São miúdos de 16 e 17 anos a quem está a ser dada a possibilidade de virarem a vida.
Mais? Sim, mais tanto que mesmo pequeno faz a diferença. É que conhecem mais alguma escola que diga aos pais que, no caso de uma urgência com os filhos, para além de os informarem imediatamente lhes pagam o táxi caso não tenham transporte? Ou que tenha reuniões de turma semanais? E onde os professores sabem dos novos namoricos ou das guerras das meninas e são intermediários na maior parte dos conflitos? Que tem as portas do conselho directivo sempre abertas e os miúdos sabem que podem entrar para conversar sobre o que quer que seja? E que não podendo mandar fechar os inúmeros cafés que abriram à volta e para onde os miúdos se raspavam, resolveu fazer uma esplanada e vender no bar, a preços muito inferiores e que rebentaram com a concorrência, as coca colas e as batatas fritas que eles estavam habituados a consumir nos outros sítios onde a seguir passavam às cervejas e aos cigarros? Eu não conheço, mas a escola onde hoje de manhã deixei as minhas filhas tinha o presidente do conselho directivo ao portão a dizer bom dia aos miúdos com um sorriso enorme. E eles, todos eles, lhe dizem olá. Todos? Nem todos. A Clara vai a correr e aperta-o num abraço enorme.
Ensino público em Portugal. Mau? Eu, felizmente, não acho.
Luxo. Isso sim, um verdadeiro luxo!
Por aqui nada disso me esperava. Hospitais Pediátricos nem pensar e escola era a pública, que o que eu ganhava por mês não chegava para pagar uma mensalidade, quanto mais duas.
Depois de uma apendicite aguda e várias idas às urgências com a cabrinha mais nova, que até no ar tropeça, fiquei completamente sossegada no que a hospitais dizia respeito. A escola estava sob observação, que nessas coisas os resultados não são tão rapidamente visíveis.
Este blog já tem uns dias e quem me lê está farto de saber que tenho duas filhas. A Clara e a Francisca. A Clara portadora de Síndroma Down e a outra de um feitiozinho de arrepiar cabelos. Não ia ser fácil, mas para facilitar ainda mais não vivemos propriamente numa cidade e não era possível escolher porque aqui escola só há uma.
Ontem, tal como a grande maioria de outros pais e mães, tive a reunião de início de ano escolar. Estão as duas na mesma escola, uma no 6º ano a outra no 7º. Como de costume o Carlos, o "director", recebeu-nos, e voltei a sair de lá como tenho saído todos os anos - certa de que tivemos uma enorme sorte com a escola que nos saiu na rifa.
O que é que elas têm aqui? Têm tudo o que nunca pensei vir encontrar numa escola pública do Algarve. Uma escola pequena e perdida mas que conseguiu estar entre as primeiras que a nível nacional assinaram um contrato de autonomia com o Ministério da Educação.
O ano começou ontem e não há quem não tenha professores. O Carlos continua a conhecer os alunos todos pelo nome, a saber onde vivem e quem são os pais, e não são assim tão poucos. A escola tem um excelente refeitório, as ementas estão feitas até ao final do ano por técnicos nutricionistas, o ginásio está equipado e a biblioteca a funcionar. Têm sala de convívio, salas de estudo, salas de informática, cacifos para as mochilas, horta, pomar e jardim. Têm horários completos todos os dias, de manhã e de tarde, aulas de informática desde o 5.º ano e três linguas estrangeiras. Têm inúmeras actividades extra-curriculares - clube de artes, de teatro, ténis, BTT, canoagem, natação, patinagem, jornal da escola - e têm professores que não mudam todos os anos. A Clara tem um curriculum alternativo e tem professores de ensino especial, terapeuta da fala, psicóloga, aulas de coordenação motora, uma funcionária responsável por ela e uma escola inteira a apoiá-la. A Francisca tem uma turma com 28 alunos - opção da escola, que as outras duas turmas do 6.º ano são bem mais pequenas - mas tem, também, aulas de apoio. Uma inovação, este apoio. É que a escola decidiu que nem só os alunos mais fracos precisam de apoio. Os bons alunos, e com capacidades para irem um pouco mais longe, também vão ter aulas extra para compensar o que não lhes pode ser dado na turma.
É por todas estas razões que fico chocada com a notícia da escola de Barcelos. Nivelar por baixo? Aqui não. Nesta escola três negativas é chumbo certo ou nota negativa em duas destas três disciplinas - Matemática, Português e Área de Projecto. O objectivo da escola para este ano? Aumentar em 15% o número de alunos que transita de ano sem qualquer nota negativa. O ano que passou foram 55% dos alunos da escola a conseguir fazê-lo.
É muito? Não, não é. Para além disto tudo a escola conseguiu ir buscar 15 miúdos ao mercado de trabalho, miúdos de vários concelhos e a quem a escola garante o transporte para poderem frequentar uma turma especial de 5.º ano. São miúdos de 16 e 17 anos a quem está a ser dada a possibilidade de virarem a vida.
Mais? Sim, mais tanto que mesmo pequeno faz a diferença. É que conhecem mais alguma escola que diga aos pais que, no caso de uma urgência com os filhos, para além de os informarem imediatamente lhes pagam o táxi caso não tenham transporte? Ou que tenha reuniões de turma semanais? E onde os professores sabem dos novos namoricos ou das guerras das meninas e são intermediários na maior parte dos conflitos? Que tem as portas do conselho directivo sempre abertas e os miúdos sabem que podem entrar para conversar sobre o que quer que seja? E que não podendo mandar fechar os inúmeros cafés que abriram à volta e para onde os miúdos se raspavam, resolveu fazer uma esplanada e vender no bar, a preços muito inferiores e que rebentaram com a concorrência, as coca colas e as batatas fritas que eles estavam habituados a consumir nos outros sítios onde a seguir passavam às cervejas e aos cigarros? Eu não conheço, mas a escola onde hoje de manhã deixei as minhas filhas tinha o presidente do conselho directivo ao portão a dizer bom dia aos miúdos com um sorriso enorme. E eles, todos eles, lhe dizem olá. Todos? Nem todos. A Clara vai a correr e aperta-o num abraço enorme.
Ensino público em Portugal. Mau? Eu, felizmente, não acho.
Luxo. Isso sim, um verdadeiro luxo!
8 comentários:
bonito!!
:)))))
mais uma vez só me ocorre um comentário, custa tanto fazer bem como fazer mal, mas quem não sabe fazer...
Dps é preciso recuperar as percentagens que não deixem mal vista a Sra Ministra.
É bom de ver. A minha tem a primeira parte toda, aulas de canoagem na expo e vela, clube bichos, de bicla, xadrez, e as tais apa de mat e outras disciplinas em que eles não se safam. Os meus como se safam, alías precisavam era de aulas de avanço acelerado, ficam livres de tarde. Agora isso de os pais porem os butes na escola, está quieto.
Esperamos ao portão e só entram os meninos com o cartão electrónico.
Claro que os materiais estão a degradar-se como nas outras escolas e não são substituídos e a nós pedem papel para fotocópias, mas é na Expo, e os meninos são dali. E o David tb tem uma menina com sindrome de down na turma. Ficou retida...Era do quarto ano.
Mas são só 25.
Mas as aulas de apoio de que falei são para os que não se safam e para os que se safam tanto que a turma não acompanha... As tais aulas de avanço acelerado... isso é a tal diferença nas muitas que esta escola faz.
Boa, tomara eu que eles lá ficassem o dia inteiro. E ao princípio podíamos entrar na escola,mas começaram a desaparecer coisas, festas de anos com bolos de creme e tal, aquela malta é só políticos e advogados, tás a ver...
o meu filho andou numa institução privada (o externato despertar) dos três aos seis anos, até que o director (victor, a besta) o correu dizendo aos pais "o vosso filho não tem lugar nesta escola". foi remédio santo. passou para o ensino público onde teve o apoio necessário, pessoas que o compreenderam, foi muito acarinhado e teve uma evolução fantástica. de tal forma que, quando foi para o quinto ano, já não precisou de qualquer tipo de apoio. tem onze anos, nunca reprovou, está no sexto ano!
minha querida, na qualidade de prof que sabes que sou, deixa-me dar-te um abraço tão apertado quanto o da Clara ao meu colega Carlos (que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, só os ecos do seu trabalho. como estes teus. e que ecos! espero que conheçam o teu blog e ampliem este post e o coloquem em lugares de destaque na escola.)
Por essas e outras fico danada com quem manda postas de pescada e diz mal a torto e a direito sem saber do que fala. Somos um país teso mas temos coisas muito boas e a educação e a saúde, para o dinheiro que temos, são duas delas.
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