Vem inteirinha para o Cabra a última crónica do Ricardo Araújo Pereira. Demasiado boa para não lhe fazer um copy/paste descarado e publicá-la aqui.
Confesso que, quando a SIC estreou o programa Momento da Verdade, temi o pior. Julguei tratar-se de mais um produto televisivo aviltante, o que me colocaria um problema difícil. Eu vejo pouca televisão, mas nunca perco um produto aviltante. A televisão tem uma capacidade de aviltar que não é ultrapassada por qualquer outro meio de comunicação e por isso constitui, para mim, a principal fonte de aviltamento. Se tomo conhecimento de que há produtos aviltantes nas grelhas, pego nas pipocas e vou para o sofá ser aviltado. Imaginem o meu alívio quando constatei que o Momento da Verdade é, afinal, serviço público, e o programa mais interessante da televisão portuguesa, quer do ponto de vista ético quer do ponto de vista filosófico. Como é óbvio, um produto com estas características não me interessa. Para isso, vou ler livros. O que o Momento da Verdade vem demonstrar, e de forma fulgurante, é que, mesmo a troco de dinheiro, dizer a verdade nunca é boa ideia. Toma lá esta, Platão. Se houvesse televisão na Grécia Antiga, um certo e determinado senhor teria uns aditamentos a fazer a certas e determinadas obras, não era? Era.
No programa da SIC, o dinheiro que os concorrentes levam para casa, ao contrário do que sucede nos outros concursos, não é, de todo, um prémio: é um suborno. O dinheiro aqui não premeia uma boa acção, um talento, ou uma capacidade; compensa uma falha.
Dizer a verdade, normalmente, é isso: uma maldade.
Vivemos em tempos difíceis, eu sei. Se não estivéssemos em plena crise acredito que ninguém estaria disposto a trair a sua consciência e tudo o que acredita ser decente e honesto, para ir à televisão fazer uma coisa condenável como dizer a verdade a troco de um punhado de euros. Mas é em tempo de crise que se aprendem as maiores lições, e esta é das mais pedagógicas. Momento da Verdade recorda-nos que a verdade é um bem precioso, demasiadamente precioso para se partilhar com toda a gente. Como tudo o que é precioso, devemos guardá-la bem, e mostrá-la ao menor número de pessoas possível.
O ideal é deixá-la escondida num sítio ao qual nem nós tenhamos acesso. O mérito de Momento da Verdade é que nos lembra tudo isto num tempo em que a verdade parece gozar ainda de um prestígio incompreensível. Todos os dias ouvimos a verdade ser gabada. Que a verdade é para ser dita. Que a verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima. Grande coisa. Sabem o que é que também anda sempre à tona? O cocó.
4 comentários:
Sim, sim.
Mas não me venhas dizer que não se nota o esforço de contenção para não hostilizar em demasia o patrão...
Sim, que o pobre do João Carreira Bom, paz à sua alma, não se conteve e foi o que se viu e a vida custa a todos...
Já não há heróis...
Digamos que os heróis agora preferem burros que os carreguem a cavalos que os derrubem
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