Flash back

Se há coisas com que nunca aprendemos há outras que nos servem de emenda. Dessas tenho duas ou três na minha vida, que das outras é continuar a bater nas paredes sem nunca perceber que lá estão. Parece que as paredes são muito atreitas a movimentos escorregadios e nunca se sabe muito bem para onde se vão mexer a seguir.
Mais, muito mais de vinte anos atrás. Dia dos meus anos. Eu em casa, dos meus pais, pois claro!, que devia ser fim de semana e também telefone só mesmo lá, e ele em Lisboa. O telefonema de parabéns chegou tarde, muito tarde, e durou um minuto, foi assim a despachar e ficou feito. Fervi na pouca água que ainda me restava e deixei as contas para serem aceertadas nas férias de Carnaval que estavam mesmo a rebentar. Era mais dia menos dia.
Foi rápido, muito rápido. Das palavras exactas não me lembro, mas não mudei assim tanto e posso imaginar. Mau feitio é mau feitio e há coisas que não se desculpam. Muito menos se perdoam. Ficou tudo resolvido em frente à casa da Lili, poucos metros depois de ter saído da minha, e foi de vez.
Também já não me lembro quantos dias depois falei com ela, mas sei o que ela me perguntou - se ele tinha conseguido dar-me os parabéns no meu dia de anos.
Ela era minha amiga e era também namorada do amigo dele e mesmo antes de eu responder explicou a pergunta. Naquele dia tinha chegado manhã cedo para os acordar, ao meu e ao dela, para irem para as aulas, e era meio do mês e era dia dos meus anos e estavam todos tesos. E ele, o que me telefonou rapidinho rapidinho, assim que acordou acendeu o cigarro do costume, olhou para os trocos na mesa de cabeceira e disse que com aquilo tinha de almoçar, comprar cigarros e telefonar à Teresa.
E sim, conseguiu inventar moedas para me telefonar. E sim também, aquele telefonema de fugida pareceu-me tudo menos um não me esqueci e queria falar contigo e, como tal, a factura foi cobrada. E passado recibo, com os selos todos e moradas de ida, sem volta, mesmo que às voltas tenha ficado eu.
E sim, outra vez sim, quando me chegou o porquê e percebi que havia outra razão para o olá já fui que se acabou o tempo e não há mais trocos para meter na ranhura que não perdoa nem faz favores, porque nalgumas coisas sou muito lenta de perceber, o meu sangue na guerla já tinha tornado a fazer asneira e não havia volta a dar, que pedir desculpa nem morta e a morada de ida estava escrita em letras bem grandes e com tinta indelével.

Nem sempre a vida nos dá a oportunidade de acertarmos contas connosco, mas hoje tive essa sorte. Também hoje fui despachada a correr com promessas vagas de um já te ligo que tardavam em ser cumpridas. E também hoje o sangue me ferveu na guelra, mas apesar de ter atingido a mesma temperatura, e tão rapidamente como, não causou estragos de maior. É que há algumas coisas de que não nos esquecemos, e eu não me esqueci de como um telefonema de um minuto pode vir de moedas que se inventam se muito se quer e não tem de ser um cumprir de calendário que se despacha num impulso.
Hoje ouvi como se carrega um telefone com uns cabos de uma máquina fotográfica e se trocam fios e se qualquer coisa, que nem ouvi porque era o que menos me interessava, para se poder mandar uma curta mensagem de já te telefono. E mesmo que o já demore uma eternidade e o sangue vá fervendo no entretanto, aquelas moedas tiradas do almoço e dos cigarros podem não ter servido de nada a um outro ele, mas foram muito úteis para mim que nunca mais me esqueci delas.
E agora já não escrevo moradas sem volta em frente à casa da Lili. Agora encanto-me com fios trocados num cabo que carregou um telefone para eu poder ter um já te ligo.

25 comentários:

O Santo disse...

tambem tenho de aprender essas tecnologias de ponta que o meu telele ja tem a bateria marada.
Isso é que devias ter logo perguntado, a tecnica.
Mas como nao me lembro de ferver em agua, ainda por cima em pouca, ao resto do post acho uma certa piada.
E que não te passe pela cabeça o uso de Antarctilyne, ok??

Teresa disse...

isso é o quê? um creme para as borbulhas?
(mas olha que ferver em água, mesmo que pouca, dá um certo colorido à vida... às vezes ficamos verdes, outras roxos e a maior parte delas vermelhos de vergonha...)

@na disse...

eu bem me parecia que vermelho não era boa cor... só nas unhas

Anônimo disse...

(Eu gostava de perceber é como é que com um feitio desses e um feitio destes nós ainda trocamos umas palavrinhas...)

Marias disse...

Olham comprasse menos cigarros...
Já podia fazer um telefonema mais dengoso e já não ía de patins...
Quem foi esse?

Teresa disse...

(porque nos derretemos um com outro... e porque sabemos que uma guerra entre nós não fazia prisioneiros por isso vale mais termos juizo...)

Há vinte e tal anos só podia ser um, mas não esperas que te vá dizer aqui quem foi...
E ele fez tudo certo, eu é que fui a cabra de serviço... (onde já terei ouvido este nome?)

O Santo disse...

creme anti rugas.
tenho de explicar tudo, até as coisas de gaija... canseira

Teresa disse...

olha se sabes essas coisas é porque precisas mais delas que eu...

gaija do norte disse...

quem? quem, seu atrevido, é que precisa de creme anti rugas?

Teresa disse...

(deixa-o... parece a raposa do Bocage...)

@na disse...

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@na disse...

mais vale a cara com rugas do que com hematomas!!!

@na disse...

mas qual feitio esqualo? Tens alguma coisa contra o meu feitio?

gaija do norte disse...

não, eu prefiro com hematomas. são mais faceis de sarar...

(mas conheço um que se não se cala com a cumbersinha vai ficar com as duas modalidades!)

@na disse...

mais fáceis de sarar e de repor também

gaija do norte disse...

mas só pensas em dar porrada?

@na disse...

eu??? coitadinha de mim, tu é que andas para aí a oferecer hematomas, eu cá por mim prefiro as rugas

gaija do norte disse...

mentirooosa, faaalsa! tu metes uma mulher na cadeia!! eu, que não parto um prato???

@na disse...

"(mas conheço um que se não se cala com a cumbersinha vai ficar com as duas modalidades!)"

- 5 comentos acima, e começa a tomar os comprimidinhos sim?

gaija do norte disse...

são gotas...

@na disse...

então toma-as, não fiques a olhar para elas

@na disse...

22

Teresa disse...

AHAHAHAHAHAHAH... e vai em maisculas que desta acordei os vizinhos lá do fundo...

e entre rugas e hematomas venha o diabo e escolha, que se umas se notam por fora os outros ficam por dentro. (olhem eu cum cumbersa séria...)

gaija do norte disse...

o problema é que eu fico a olhar para elas a questionar-me com o ar mais sério do mundo: para que é aquilo? são para mim? acho que um dia destes foram para aos olhos da gata (pensei que era soro fisiológico...). só quando ela começou a falar é que percebi para que serviam as ditas!!!

@na disse...

ahahahahahaha