Começou ali para baixo, numa caixa de comentários, a discussão sobre romantismo e realismo. Não estivemos propriamente a discutir a Questão Coimbrã, que apesar de por aqui todas as cartas serem abertas e quase todas de Bom Senso e Bom Gosto, não somos Anteros nem Castilhos.
A pergunta é outra, e mais básica, que afinal o Verão ainda não acabou - será o romance compatível com a realidade?
Eu defendi que sim, que ser romântico é uma forma de ser realista. A @na acha que não, que "assim que o realismo se apresenta não há romantismo que aguente".
Será assim? Afinal o que é isso da realidade que nos bate à porta e nos lixa o romance? Por onde é que ela andava e quem lhe disse para aparecer?
A discussão sobre o real é velha e está há muito entregue a quem tem mais unhas que eu. A tendência para dividir o mundo em dois, o real e o outro, transformou-se numa questão ética que já teve as mais variadas respostas - a realidade já foi o fogo, a água, a razão, a vontade, o dinheiro, a luta de classes ou o amor. O Amor por Deus ou o Amor pelos homens. Sou adepta deste segundo.
O romance de que aqui se fala é um estado de paixão que transforma a nossa realidade. Não a varre para baixo do tapete, não lhe pede um intervalo, nem lhe dá uns trocos para ir comprar um gelado, muda-a, só isso. Passamos a olhar a vida, as contas por pagar, o estupor da vizinha do lado e o cretino do chefe com uma perspectiva diferente - sairam do centro da nossa vida, deixaram de ser a medida da nossa realidade, para passarem a meros figurantes num mundo que se alterou.
O realismo pode pintar a realidade como ela é, mas a realidade é o que nós queremos que seja. E pode ser as sombras no fundo da caverna, o BMW com jantes especiais ou um homem que nos arrasta para o quarto, fecha as cortinas e nos faz sentir vivas, reais, como se todo o mundo, de repente, estivesse ali, entre aquelas quatro paredes, e tudo o resto, lá fora fosse "o outro mundo", o que não é real.
O amor passa assim a ser um dos ingredientes do real, o único, o que lhe dá forma.
As árvores não deixaram de ser verdes, o IVA não passou para 15%, a dívida ao banco não abateu um cêntimo, mas nós passamos a ter um outro filtro, olhamos com outros olhos, sentimos com outras forças, que o objecto do nosso desejo, o que nos faz sentir que a vida vai finalmente começar, é o nosso amante amado.
Einstein diria que tudo é relativo, mesmo a velocidade, e que só depende do observador. Eu digo que a realidade não bate a nenhuma porta, já que sempre por ali esteve, nós é que mudamos de perspectiva.
Li, há uns anos, um livro engraçado de Alain de Botton. Chama-se O Movimento Romântico ( Ed. Rocco). Agradou-me, e marquei, a parte das sopas Campbell.
"Warhol pegara numa humilde sopa enlatada e realizara uma operação milagrosa através da qual a arte não só imitava um objecto, mas também o realçava.
Houve, durante muito tempo algo de deprimente associado às sopas enlatadas Campbell, mas a depressão cessa quando se pensa no factor de as latas terem sido vistas com outros olhos, que alguém se preocupou em elevá-las à categoria de objectos de valor que foram penduradas nas paredes de museus e passaram a ostentar o estatuto de ícon."
Ver o mundo com outros olhos. Frase velhinha e simples, mas que resume quase tudo. O romance não acaba quando a realidade entra, porque ela sempre lá esteve. O romance acaba quando as forças se desequilibram, a paixão passa para o mesmo plano que a conta ordenado e o objecto do nosso amor é só mais uma sombra, igual às outras todas, no fundo da nossa caverna.
Há 2 anos
22 comentários:
Eu vinha todo lançado para debater os platonismos deste post, mas depois apercebi-me de que o post faz uma menção que me veste na perfeição (logo a seguir ao BMW) e percebi que se trata de um post muito realista e por isso já não preciso de abordar a vertente romântica (onde, aliás, me movimento com grande à-vontade e tal...).
Ora estás a ver como a realidade é aquilo que fazemos dela?
tu vendes-te é bem, até pareces peixinho de água doce com tanta candura
aí Teresa, nem mudando a perspectiva consigo concordar com o teu comento
é um tubarão vegetariano, é o que é...
Andas a picar-me, chefe?
Be carefull with what you wish for because it may come true, nunca se sabe.
E óspois é uma gaita, pá...
(Agora imagina a minha expressão à mânfio das avenidas enquanto escrevo esta cena.)
E tu, ò caloira? Se não te pões a pau também levas uma barbatanada nos gluteos que até estala.
Mau mau, maria...
(Claro que a expressão mantém-se, na onda do quantas são, quantas são.)
mudaste para a versão passivo-agressivo shark?
Pois é. Já visito a vossa casa há algum tempo. Sempre como intrusa, sem me anunciar. Nunca comentei. Mas depois de ler este post da Teresa, fiquei sem fôlego. De facto a realidade está sempre lá, inalterável, cada um de nós é que a vê através de filtros diferentes. O amor é mais um dos filtros (de entre tantas outras emoções) q nos faz ver as coisas (da realidade) com outros olhos. Parabéns pelo blog. Eu vou continuar a passar por cá, sorrateiramente.
ó meu querido,aprendi uma regra de segurança há muitos anos - não se cutuca a onça com a vara curta... e quem diz onça pode dizer tubarão...
SC, não é preciso ser à sucapa que nós gostamos de casas cheias e com barulho..
e papei o 11 sem dar por isso...
papona!!!
e sem canela...
Sou absolutamente imprevisível e igualmente apelativo nos vários estilos, não achas?
isso é para mim? é que tu sabes que contigo é tipo Jack London e o apelo é o da selva..
tá bonito, tá...
Huummm. Da selva? Olha que já não somos dois gaiatos, chefa...
:-)
tás velho??
tá bonito, tá... (vocês continuem, faz de conta que eu não estou aqui, nem nada)
Isto é só troca de galhardetes, Ana, nada que não possa contar com as tuas sempre oportunas intervenções.
Queres ver que agora precisas de quem faça a acta?
(isto só para dizer que foi o 22...)
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