Em Agosto o meu tempo marcava-se assim.

Figueira da Foz, 1 de Agosto de 1979

Outra vez na Figueira.
A casa, a praia, a piscina, os F.
Tudo continua na mesma. Miúdos giros acompanhados de miúdas giras. A mesma monotonia de sempre.

E agora, que já não tenho 16 anos, bastou um telefonema para ficar enrolada na tristeza, com saudades daquela mesma monotonia de sempre.

- Mãe?
- Estou na praia, na conversa com o pai F. A tua filha está no mar, com eles.
- O mar está bom?
- Mais ou menos. Ela está com eles.

E eles são os F. E os filhos e os primos e os amigos. E 45 anos das minhas memórias.
Agosto sempre foi praia e praia nunca foi, nem pode ser, Algarve. A minha praia é lá, na Figueira.
Praia é acordar com os altifalantes do Turismo a gritarem que a bordo ninguém se teme, que 11 da manhã era a hora de nos voltarem a lembrar a todos que, por ali, ninguém se receia que o homem que vai ao leme ouça o canto da sereia.
E praia era o Sr. Marcos, o banheiro, a olhar para a Serra da Boa Viagem e a garantir, garantido, que ao outro dia, e dessa era certo, ia estar um dia de sol à Figueira e vento, nem vê-lo.
E eram os primos, e os avós, e a Emilia de bata e avental a chegar com o cabaz do almoço dos meninos e os termos ao xadrez com a melhor sopa de legumes que já comi na vida. E eram as garraiadas no casino ao domingo à tarde, e o meu terror que o garraio, touro enorme, saltasse outra vez as tábuas e, dessa vez, conseguisse chegar às galerias onde eu mordia, de medo, os braços da Adelaide. E as corridas de triciclos e o meu vestido cor de laranja "à espanhola", e os gelados na esplanada, os robertos na praia e os barquilhos ou bolacha americana. E era o meu pai a queimar-nos com os óculos e a explicar o efeito das lentes e do sol, e a mandar-nos contar os grãos da areia e a embirrar com o meu avô que não comprava o jornal e depois lia o dele. E eram os vestidos compridos da minha mãe quando ia para o casino e os soquetes brancos de renda que tinhamos de usar com os sapatos de verniz.
E eram os F todos, os cinco irmãos rapazes, mais os primos e as primas e quem mais por ali aparecia.
E praia foi também o Bergantin, e o Psidónio, e as sopas de cebola às seis da manhã no DOX, e o PedroF a dançar comigo e a cantar-me ao ouvido do you want to know a secret, do you promise not to tell?

E o mar. O mar da Figueira. As ondas do tamanho de prédios e eu e os rapazes lá no meio. O horror que sentia cada vez que mais uma muralha de água se levantava na minha frente e o Fernando mandava tudo mergulhar e o Pedro, sempre o Pedro, quase perdido no meio daquele mundo imenso, gritava Teresa, estás aí? E eu estava, morta de medo, mas sempre com a cabeça cá em cima, que ele não podia perceber. E o meu bronzeado era sempre mais bonito que o dele e para o ano, quando nos tornarmos a ver, vais ver que te vou ganhar outra vez.

E era o raio verde. O raio verde que nunca vimos, mas que um dia vamos ver. Tem é de estar um dia muito claro, e um céu sem nuvens, e todos na praia a vermos o sol a descer para o mar, porque é certo, toda a gente sabe, às vezes, muito às vezes, se alguma vez alguma vez foi, no último minuto, no último bocadinho de sol antes de ficar só mar, aparece um raio verde que vem de lá, do longe para onde o dia se foi e chega mesmo até à praia onde nós o esperamos.

E hoje, na Figueira onde não estou, mas onde a minha mãe conversa na praia com o pai F. e os F. perguntam por mim e os nossos filhos se fazem ao mar, tenho a certeza que a minha filha se vai lembrar do raio verde e vai ficar, na praia, com os amigos F., filhos dos F., filhos do pai F., à espera daquele momento mágico que ainda um dia, nós todos sabemos, vai acontecer.
Ou nos acontece todos os anos. Todos os Agostos. Todos os dias.
Na Figueira.

6 comentários:

Anônimo disse...

mas o raio verde é muito fácil, eu conto-te, eu vejo raio verde sempre que quero, é ficar a olhar para o Sol ao pôr e depois fica tudo a flashar vermelho e verde, e vê-se mesmo o clarão verde

aqui é certinho, na Figueira não sei, conheço mal, lembro-me das ondaz

Teresa disse...

desse raio também me lembro... e de como flashávamos depois de olhar para o sol... e de quando contei isso em casa e me proibiram de o fazer.... mas esse não é o meu raio verde.

Marias disse...

Olha a Emília, mas essa era a minha empregada, a velhota querida que me dava a comida enquanto eu andava de baloiço... Em casa da avó. E do P.F. lembro-me dele já mais velho e de não gostares nada dele também me fazer olhinhos e eu olhões...

Teresa disse...

Há mais Emilias na terra, Gabs...

E olhinhos também...

Maria Joao disse...

e 3 meses de férias a jogar às cartas na praia "da bola de nívea" e campeonatos de matraquilhos no parque de diversões ou no casino oceano.

Teresa disse...

E as cadeiras das barracas, que já não há, a fazerem de mesa...
Matraquilhos também mais tarde no Europa, em frente à Luna, que o Oceano passou a mercado de artesanato...
(praia da bola nívea era e é o meu sítio também... )