Mesmo agora, que já a ouvi muita vez, ainda me parece uma pergunta estranha.
Vem, normalmente, de gente que me conhece bem, de gente que até pode saber exactamente em que joelho tenho o sinal castanho, ou o que faço nos meus dias e nas minhas noites, ou que livro ando a ler, ou em que gaveta da cómoda guardo a roupa interior. Gente que sabe de cor o meu telefone, gente que me protege dos meus medos e me distingue nos meus risos. Gente que me lê e me conhece nestas letras.
E um dia, depois de muitos outros dias, alguém nessa gente olha para um papel, um rabisco, uma lista de supermercado, e atira a pergunta fatal - Esta é a tua letra?
Era quase como olhar-lhes para a cara, ou sentir-lhes o cheiro, ou pegar-lhes na mão. Conheço-os, e reconheço-os, pela letra. A letra dos meus avós, a da minha mãe, a letra tremida e deitada do meu pai, que me lembrava sempre os pássaros que ele desenhava, a letra redondinha e pequenina e irritantemente perfeitinha da Paula, a bonita letra da bonita Ana, a letra do meu primeiro namorado desenhada no envelope que escondia a minha carta de amor, a letra que todos os dias copiava para mim uma canção da Betânia e me a mandava de lá de longe, a letra que me escondia emoções em bilhetes curtos e sem jeito, a letra que muitas vezes me mandou à merda, as tantas letras que escreveram o Teresa do meu nome.
A letra.
As letras da minha vida.
E agora não tenho letras. Conheço-vos, sinto-vos, cheiro-vos com as letras dos outros, com estas letras todas iguais que são as nossas letras, mas não é a nossa letra. E até ao Z, que é só uma letra que distingo no meio de todas as outras letras, reconheço-lhe a escrita mas não lhe conheço a letra.
E faz-me falta não vos saber a letra. E estranho que não saibam a minha. E quando me perguntam, gente que muito me leu e muito me conheceu, Esta é a tua letra?, sinto-me como se ao fim de dias e dias de muita e intensa paixão me perguntassem a correr, Qual é o teu nome?!...
19 comentários:
Bom, eu no teu lugar ficava-me pela caligrafia de teclado.
É só para a malta não levar duas horas a decifrar os gatafunhos...
:)
(Tava a brincar, o post tá bonito e a ideia é porreira.)
Sabes que me faz mesmo confusão não conhecerem a minha letra? E nos últimos dias já duas pessoas, e uma que me conhece muito bem, me fez a pergunta danada...
Só tu para te preocupares com coisas dessas, chefinha.
Mas pronto, posta lá com a tua letra, mesmo escrevendo em papel de embrulho, que a malta já tá por tudo...
:)
Só eu??!!
Olha que não.... olha que não...
eu também ligo às letras das pessoas, mas quer dizer andava esquecido disso e tu agora fizeste lembrar-me. Tenho a letra bonita, alguns até dizem mais mas fica mal dizer.
Mas olha como dizia a minha mãe: queres sol na eira e chuva no nabal? Claro que eu queria, mas aprendi que só vai junto nos milagres que é quando não se espera.
Isto é só para lembrar que agora tocamos piano no teclado, lembras?
(tou com os olhos que me perguntaram no jantar se tive um desgosto, hoje vou dormir 12 horas e devia aproveitar para chorar para ver se limpava isto mas não sei onde é o botão; ah, mas ó deuses dispenso bem que venha para aqui um bonzão barbudo matar-se no mar como foi no Natal, tá?)
a minha letra é inconfundível e ilegível.
os meus posts, desejavelmente, são inconfundíveis mas legíveis.
fico-me, pt, pelo admirável mundo novo.
Nunca tinha pensado nisso, mas eu escrevo muito à mão.
Porque gosto.
Escrevo ocm canetas de tinta permanente, de aparos diferentes e cores conforme o estado de espirito...
E amanhã mando-te um recado manuscrito para ficares a conhecer a letra, Chefa. Depois não te queixes!
Eu também escrevo com canetas de tinta permanente. E já experimentei as cores todas. E não empresto as minhas canetas a ninguém!
ssv, manda a carta que depois aprecio a letra.
(ninguém sabe onde está o botão, mas o certo é que sempre que tem que ser choramos. dorme. tenho a certeza que os deuses atendem o teu pedido, ou não? será que o dispensas mesmo? tu és muito mais árvore. ser pedra não te cai bem quando estás assim:))
eu escrevo imenso à mão e de preferência com tinta verde. a minha caligrafia varia conforme a minha disposição (vai do ilegível ao que considero "impossível não ler", mas mesmo assim...)
Farto-me de pensar nisso. A minha letra são várias, e depende da caneta e do papel. Gosto de escolher cadernos e caderninhos que depois serão cheios com letras de diversas cores, tamanhos e texturas. Gosto de canetas de gel, canetas bic cristal, mas não das bic laranja - escrita fina. Não gosto de escrever com tinta permanente, porque sou canhota e passo com a mão por cima e vai daí borro tudo. E o aparo pede para estar direito e eu entorto-o. Seria capaz de dissertar horas a fio sobre isto de escrever à mão ou no teclado. Acho que o que se escreve é inclusivamente diferente. Falo do conteúdo, claro. E agora vou-me calar.
amo a minha letra, amo canetas de tinta permanente, mas nem pensar em usá-las: aí nem eu mesma percebo o que escrevi. tendo a escrever ainda mais pequenino, mas o aparo da caneta nunca é tao fino quanto o da lapiseira, donde, impossível controlar a ilegibilidade.
Também és canhota, CJ? Gente boa...
:)
e eu gosto tanto de olhar para as minhas várias letras. Por elas sei, percebo, como estava na altura.
E gosto de olhar e saber só pela forma, quem escreveu.
E também escolho e volto a escolher canetas e papel. Mas gosto de aparos grossos e que deslizem bem o que só acontece com tintas permanentes com a face feita à nossa mão.
sim, isso é absolutamente verdade, as canetas moldam-se a nós e por isso não podem ser emprestadas.
é bonito. que a mão exprima assim a nossa identidade, de forma tão marcada, que o objecto pela qual ela se transforma em letras seja tão impossuível por outro que não nós.
várias letras não tenho. tive uma evolução da letra, isso sim, e, não com certeza por acaso, ela é cada vez mais contida em pouco espaço.
(não precisas fazer post sobre política, este assunto é bem mais sério e respeitável)
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