Novos Ricos de Memória Curta.
Por mais voltas que dê esta é mesmo a única expressão que me apetece utilizar quando penso em nós, portugueses - novos ricos de memória curta. Na outra noite ia a conduzir para o hospital e a pensar o quanto refilamos de barriga cheia. Estava na Via do Infante e dirigia-me ao Hospital do Barlavento. No sentido contrário ao meu passou uma ambulância. Pensei que deveria estar a ir para Lisboa com um doente, mas não seria nada de muito urgente, que se o fosse teria sido evacuado de helicóptero. Depois pensei na tab@sco que me visitou no fim de semana. Veio de comboio e fui buscá-la, a ela e à tab@squinha, à estação aqui ao lado de casa. A mesma estação onde há muito pouco tempo fizeram uma passagem aérea, por cima das linhas, com três elevadores, ou como dizia um amigo meu alemão, Trrês Elevadorres???!!! E nós pagam izo tudo...
Tentei recuar uns anos. Poucos. Recuei até 1989, o ano em que deixámos de pagar contribuição industrial, imposto profissional, imposto de mais-valias, imposto de capitais, imposto complementar, imposto sobre a indústria agrícola, contribuição predial e mais um ou dois e passámos a pagar IRC e IRS. Pensei se o que pagamos agora será muito mais do que o que pagávamos na altura. E, caso o seja, se será, pelo menos, equivalente ao aumento da nossa qualidade de vida.
Escusam de fazer contas, não é. Há muitos anos que andamos a viver com o dinheiro dos outros mas a exigir como se fossemos nós a pagar. E quanto menos pagamos mais exigimos e mais reclamamos. Queremos maternidades abertas em cada esquina, uma viatura de emergência médica com apoio de vida por cada sandes de torresmos comida na tasca, escolas abertas 24 horas por dia, estradas sem um buraco de agulha, um polícia por baixo de cada janela das nossas casas, esplanadas desde a nascente até à foz de todos os nossos rios, subsídios de emprego, desemprego, invalidez ou validez a mais, de aleitamento já com extra cálcio e vitaminas incluídos, apoios à família numerosa, mais ou menos numerosa, média, minúscula, actual, futura e à que esteve para ser mas nunca foi - falta do subsídio adequado, pois claro! - e queremos tudo e reclamamos de tudo e temos direito a tudo. Trabalhamos para isso? Não, nem temos que o fazer que a nossa única obrigação é reclamar porque é isso que nos torna uns verdadeiros europeus.
Com caraças! É que não me apetece mesmo dizer outra coisa.
Eu, que muito pouco tenho contribuido para o bem estar comum, ia naquela noite por uma excelente auto-estrada sem portagens, a caminho de um Hospital bem equipado, depois de ter ido buscar as minhas filhas a uma escola pública onde nada lhes falta. Há vinte anos nem me teria arriscado a vir viver para o Algarve com duas crianças pequenas.
Não é só vontade de remar contra a maré, mas tenho pouca vontade de dizer mal e muita de dizer bem. Tenho tido sorte, alguma, mas também não tenho grandes razões de queixas. Sempre que precisei tive a melhor resposta e se tiver que me queixar de alguma coisa nem é da falta de infraestruturas, ou de investimentos, mas da preguiça e relaxanço de quem tendo os meios não os usa. Mas refila.
O nosso sistema de saúde, até agora, ainda não me deixou desamparada e só tenho tido razões para dizer bem. Eu sei que naquela noite, na sala do serviço de urgências, se reclamava por longas horas de espera mas parece-me que se devia esperar ainda mais. Eu incluida, pois claro. Não sou médica mas assim, a olho nu, nenhuma daquelas pessoas, eu incluida, me pareceu precisar de ser vista num serviço de urgência de um hospital, ainda por cima durante a noite quando os custos do serviço são muito mais elevados.
Em toda a minha vida, com filhas incluidas, fui muito poucas vezes a um serviço de urgência. Nos últimos vinte anos fui duas vezes para ter filhas, outra para um shot de oxigénio que o ataque de asma estava mais complicado que o normal e outra com um braço partido. Com as miúdas as visitas também não foram muitas, mesmo tendo em conta que uma foi operada ao coração com seis meses e apesar de estar fantástica qualquer constipaçãozeca pode ter efeitos muito complicados e a outra tropeçar no ar. Com a Clara não vou a uma urgência desde que entrei na do Hospital de Vila Franca de Xira, ela com a cabeça de um dedo pendurada, e depois de termos sido evacuadas pelo INEM de um comboio Alfa. Há dez anos atrás. Com a Francisca a última visita tem quase três anos. Não esperámos nem cinco minutos para sermos atendidas. Ela estava com uma apendicite aguda, foi operada ainda nesse dia, e quando chegámos ao hospital já estava lá, ele sim à nossa espera, o fax da linha Saúde 24, onde excelentes profissionais seguiam telefónicamente o evoluir da " dor de barriga" . Atendimento exemplar, queixas zero.
Sim, tenho cunhas, mas nunca precisei de as usar quando toca a assuntos sérios. Tenho duas excelentes portas de cavalo num dos melhores hospitais pediátricos do país e anda aqui a ler-me quem não me deixa mentir, nunca fui aquela urgência por uma das crianças estar carregadinha de febre desde manhã ai s'nhor dótor a minha menina... Nem mesmo no dia em que o estupor da cabra mais nova resolveu beber um frasco de anti-histamínico eu saí de casa com ela. Linha de Apoio Venenos. Deram-me instruções precisas, executei-as e estes anos depois a gajinha continua grande e cheia de saúde.
Nós temos tudo, só precisamos de usar correctamente.
É por isso que digo que somos novos ricos de memória curta. Em poucos anos a nossa qualidade de vida melhorou muito sem os custos nos terem saído do bolso, mas passámos a exigir o rabinho lavado com água de colónia.
Hoje li que a Assembleia Municipal de Lisboa chumbou a abertura da contratação para a criação de uma rede de bicicletas partilhadas na cidade, com votos do PSD e PCP e vários argumentos, entre eles estas pérolas a falta de tradição de tráfego de bicicletas em Lisboa, as condições do relevo da cidade e a falta de infraestruturas para a circulação em duas rodas e uma cereja no topo "Passam-se dias sem ver alguém a andar de bicicleta".
A fotografia aqui do lado mostra o parque de estacionamento de uma estação de comboios alemã. Eles, os que nos pagam as auto-estradas que nos levam da porta de casa até à porta do emprego, as urgências hospitalares para o pingo no nariz e os subsídios para o Clube Recreativo Os Amigos da Pandeireta, andam de bicicleta e comboio. Devem ser parvos e pobres, devem ter um clima melhor que o nosso, que por aqui chove que se farta e faz muito frio, e se o nosso vizinho de cima também vai de carro porque não haviamos nós de ir? Somos menos que ele?
Refilemos pois. Fica-nos tão bem!
Há 2 anos
25 comentários:
Nem mais uma vírgula a acrescentar: tal e qual.
Quer dizer... falta só referir que para além de novos ricos também somos pseudo-ricos... a quantidade de gente a viver acima das suas possibilidades é imensa! E curiosamente também são esses os primeiros a reclamar, como se fosse uma falta de respeito terem de esperar como todos os outros.
Grande é apelido...
Mas está muito bem esgalhado.
Toda a razão medusa com vários s.
sabes como sou, Tubarão, exagerada em tudo..
Bem "dizido"!
Angela, que bom voltar a ver-te.
Obrigada.
Tenho andado sempre por aqui.
Só que o meu espírito não tem estado grande coisa e para dizer disparates ou não dizer nada de jeito, preferi visitar sem fazer barulho.
Bjs
Como já deves ter percebido, dizer disparates é a nossa especialidade. E se o espírito não anda grande coisa tenta a terapia do granel que vais logo sentir-te melhor.
com esta do dizer disparates la vou eu ter de pensar em qq coisa pa dizer.... te ja
solta-te santo, não penses e solta-te
Ao contrário do Santo eu nem preciso de pensar para produzir disparates em barda.
Por exemplo, ocorreu-me que sendo eu um Novo Pobre com Tudo Comprido não encaixo no perfil do post.
Pois não?
so se fosse um comprido que cumpre
Optimo Post Teresa. Mais ainda, porque adoro andar de bike, todos os dias, muito. Ahh,claro que aqui por cima não chove, nem faz tanto frio, e o ambiente é muito mais poluido...
também gostei muito, olha aqui tem um centro de saúde que foi idéia minha e bati-me por ele e já funciona todo. Mas só lá fui para ajudar a botar a pedra inaugural que eu não gosto nada de estar doente e dar preocupações às pessoas; mas pergunto nos cafés como é que estão e dizem-me que andam contentes, pessoas e pessoal, isso é que eu gosto de saber, é a minha recompensa. Amanhã apresenta-se o projecto do skatepark ao Presidente, esse leva maiúscula porque é muito simpático responde-me sempre aos emails.
Agora essa de andares nas urgências é que não fico lá muito descansado. Só estive internado uma vez porque me deu um treco na coluna precisamente que fiquei paralisado. Mas quando tive alta tive lá uma coisa com um pão que me foi dar banho que só não fiquei de baixa outra vez porque sou muito envergonhado.
Essa das bikes é boa ideia, mas os circuitos que existem estão cheios de buracos e andar no meio do trânsito de bike exige muita coragem. Mas Lisboa tem boas condições climáticas isso das colinas, não é nada como S.Francisco...
odeio pé rapado!
(venho já cá dizer mais qualquer coisita, mas agora o rapaz está a chamar...)
:)
AMP (acho que vou passar a chamar-te Lampadinha...), andas a fazer exercício? Até eu precisava, para os bicos de papagaio...
Z, só vou às urgências para ver os gajos... a chatice é que são todos feios.
Gabs as colinas têm uma vantagem, só precisas de pedalar metade do caminho que para baixo o Santo ajuda
Um príncipe nórdico, alto, loiro, de olhos azuis... Gaija, também és fan do caco?
de todo, não faz nada o género desta gaija que gosta deles bem portugueses!
mas adoro o caco. é o único novo rico que me faz rir :)
eu gosto de ser gajo,
mas vcs gaijas podem chamar os bombeiros que ninguém leva a mal
deve ser melhor que as urgências do hospital
agora que falaste em bombeiros eu e a tab@sco temos uma história tão gira com bombeiros...
eu só tenho um extintor. pequenino e tão maneirinho...
então vai ver a qualidade do extintor no post novo lá em cima...
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