Regresso ao futuro

Encontrámo-nos por acaso, num daqueles acasos esperados durante tanto tempo que quando aconteceu já não o esperávamos. Ao princípio e, durante alguns frames, ainda me perguntei se seria verdade, claro que era verdade, quase nos esbarrámos e o meu coração deu um salto ao mesmo tempo que o meu estômago deu um nó e a minha espinha dorsal se contraiu.
Já não nos viamos há meia dúzia de anos. Estás mais velho, tens muitos mais cabelos brancos do que me lembro, as tuas rugas das pálpebras inferiores estão ainda mais marcadas, o olhar mais pesado, o sorriso igual a tantos outros que me lembro, tens a barba mais aparada do que eu gostava e manténs o mesmo cheiro. Senti-o enquanto nos cumprimentávamos, atabalhoados, com as palavras a ficarem presas ao invés de um discurso fluído.
Perguntaste-me como estava. Respondi-te que bem. Retorqui a pergunta e acrescentei as tuas filhas à minha. Respondeste-me, igualmente que estavas bem e que as miúdas estavam crescidas. Perguntaste-me sobre os meus e respondi-te da mesma forma. Crescidos.
Ficámos ali, no meio da rua, a olhar um para o outro, durante instantes que me pareceram silêncio a mais, com mil e uma perguntas a assaltarem-nos a mente e demasiado medo para ouvir as respostas.
-Gostei de te ver.
-Eu também.
E assim, com mais dois beijos, menos, mas ainda assim, atabalhoados, mais uma vez nos despedimos. Depois, tu seguiste para Sul e eu para Norte, novamente, ambos a cruzarmo-nos em sentidos opostos. Segui o meu caminho sem olhar para trás, mas mais uma vez senti o maldito fio solto. Meia dúzia de anos passados (ou terá sido um século?) e o fio que julguei perdido mas arrumado afinal não estava assim tão arrumado.
Finalmente consegui mentir-te, não gostei de te ver.

19 comentários:

gaija do norte disse...

temos sempre histórias cujo fim ainda não estava/está escrito, não é?

@na disse...

temos sempre histórias cujo fim ainda não estava/está escrito
e
temos sempre histórias cujo fim já estava/está previsto

gaija do norte disse...

se prevês o final de uma história porque a vives?

@na disse...

porque sou masoquista

Teresa disse...

Olha esta que ainda ali em baixo escrevia que se devem aproveitar os momentos felizes...

gaija do norte disse...

não sei se te chame ganda maluca ou ganda tusabesoquê!!!

gaija do norte disse...

quer-me cá parecer que um "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço" se aplica aqui muito bem!

Teresa disse...

pois quer-me mesmo parecer que sim...

Anônimo disse...

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1341753

Marias disse...

Às vezes o coração tem razões que a razão desconhece. Eu aqui há um par de anos ou mais (era casada), estava com os miúdos no McDonalds e levanto os olhos e vejo um gajo a dirigir-se na minha direcção. Antes de o cérebro ter atingido quem ele era, já o meu coração estava a sair pela boca... Pois, era um que tinha ficado atravessado na garganta e não via há uns dez anos ou mais. Mas ao contrário de ti desviei o olhar e não lhe falei. Mas ele conheceu-me.
E não se ralou muito pois ficou lá a almoçar num canto. E eu pus-me a telefonar à melhor amiga "Adivinha quem está aqui tb a almoçar?" e ainda nos rimos um bocado as duas.

Teresa disse...

Olha eu há uns anos também me cruzei com um que não via há muito e que costumava causar-me paralisia cerebral, gaguez subita e descoordenação motora. Achei muita graça porque fui eu ter com ele, cumprimentei com um beijo e, graça das graças, apanhamos uma descarga de electricidade estática.Eu, cabra, disse de imediato que sempre tinha sabido que nós dois dávamos choque só não imaginava que tantos anos depois ainda saltássemos... o gajo corou até às orelhas e eu virei costas toda contente...
1-0, golo meu.

Anônimo disse...

Vocês gajas são muita palermas em certas merdas...

Teresa disse...

com "certas merdas" queres dizer "certos gajos"? É que então estás cobertinho de razão...

@na disse...

palermas??? Palermas porquê? A não ser que a intenção do comentário não fosse generalizar...

gaija do norte disse...

peixãozinho, porque estás tão mal disposto?

Marias disse...

Temos que enfrentar os nossos medos, para nos tornarmos mais fortes. Parece que o maior medo em geral é falar em público e o segundo é a morte. O que nos leva a concluir que a maioria de nós preferia estar dentro do caixão a proferir o elogio fúnebre...
(disse o Seinfeld).

Teresa disse...

Mas eu não tenho medo de falar em público, será que me deixam fazer o meu discurso fúnebre? É que aí, não tendo nada mas nada a perder, iam sair umas pérolas muito interessantes..

gaija do norte disse...

(pelo sim, pelo não, vou já alinhavar o meu!)

Marias disse...

Ok, falta ali uma vírgula "preferem estar no caixão, (a estarem) a proferir o elogio fúnebre". Por falar nisso , estive numa conversa muito interessante...