A Mrs. A. é inglesa. Conheci-a, assim que cheguei ao Algarve, por razões profissionais, mas depressa criámos laços que iam muito para além disso. Na altura ela teria setenta e tal anos, tinha acabado de ficar viúva e estava sozinha. Eu também estava sozinha com as miúdas, numa terra que achava que não era a minha, e se ela tinha ar de avó as minhas filhas tinham ar de netas, o que era um convite quase descarado para brincarmos às casinhas.
Tentámos algumas vezes, mas não resultou lá muito bem. A Mrs. A. vivia no Algarve há vinte anos. Desde a reforma do marido. Antes disso tinha vivido na India, Dubai, Moçambique, África do Sul. O marido trabalhava para uma companhia petrolifera e os últimos anos passou-os em Lisboa. Foi depois disso que resolveram ficar por aqui e instalaram-se a sul, como muitos e muitos outros. Tantas viagens e tantos anos a viver em Portugal tinham dado à Mrs. A. uma capacidade que a maior parte dos seus compatriotas não tem - falava uma língua estrangeira. A Mrs. A. sabia português! A Mrs. A. sabia dizer bom-dia em português!...
Isto até podia ser um exagero meu, uma pequena liberdade de quem escreve para marcar melhor a ideia escorregadia, mas infelizmente não é. Vivo no AllGarve, esta imensa torre de babel dos nossos dias, onde se cruzam todas as gentes e onde se falam todas as línguas. Português é que pouco.
Os "bifes", que por aqui basta serem loiros para serem "bifes", vêm atrás do sol, do golf e da qualidade de vida que a reforma de lá lhes dá por cá, mas não há misturas. Trazem a língua, a cerveja morna, as casas com aquecimento central, que por aqui faz um frio de rachar, e divertem-se imenso uns com os outros, normalmente a dizer mal do sítio que os acolheu e onde nada funciona como nos nortes cinzentos de onde fugiram.
É por isso que gosto de nós. Deste povo que era pequenino e tisnado, com alma de marinheiro e uma líbido desenfreada. Nós não somos cá de coisas e onde chegamos montamos arraiais. E montamos tudo o mais que nos passe pela frente. Gira ou feia, nova ou velha, alto ou baixo.
Fazemos as honras da casa quando apanhamos visitas mais distraidas por cá e levamos o que de melhor temos quando somos nós que vamos para lá.
Se da ocidental praia lusitana sairam armas e brasões, inda os mares não estavam navegados e já as espadas saltavam nas bainhas para, cantando, nos espalharem por toda a parte.
Trocámos linguas, trocámos pernas, trocámos braços e abraços, espalhámos o sangue e os genes, trouxemos filhos e filhas que seguiram por cá o exemplo dos pais por lá. Cada Padrão que deixámos enterrado em terras desconhecidas tinha gravado a cruz de Portugal, mas tinha a forma dos portugueses. Aquela coluna de pedra, alta, rigida, erecta era o nosso dizer ao mundo passámos por aqui e foi assim que por cá andámos.
Já não somos mais um povo pequenino e tisnado. Somos um arco íris desavergonhado onde todas as raças, todos os credos e todos os cheiros se misturam para fazer de nós por fora o que sempre fomos por dentro - uns rafeiros sem raça, mas com graça.
Se hoje é o Dia de Portugal e dos Portugueses hoje é o dia do resto do mundo todo. Podemos parecer poucos, mas gostamos de dar o que temos. E não há pedrinha que não tenha sido levantada, árvore trepada, montanha conquistada ou deserto atravessado por um português desejoso de mostrar novos mundos e de mergulhar em mundos novos ou por uma portuguesa cheia de boa vontade de seguir a nossa melhor tradição e levantar os mantos dizendo - vejam senhores, são rosas!
E é esta alma lusitana que poupou este rectângulozinho a tantas guerras e a razão para os emigrantes portugueses serem tão acarinhados lá por fora. Não há General avisado que não tenha ouvido falar no forno das padeiras de aljubarrota e arrisque expõr os seus homens a tais calores e, por esse mundo, ainda há muitos padrões espalhados a lembrarem, a quem já esqueceu, as armas de Portugal.
Somos uma nação valente, imortal e muito mas muito dada. Somos marinheiros de águas doces, salgadas, alcovas, palheiros e tudo o mais que esteja a jeito de navegar. E se o Kennedy um dia achou que eramos todos Berlinnenses, hoje o mundo devia gritar em coro "Somos todos portugueses!".
Tentámos algumas vezes, mas não resultou lá muito bem. A Mrs. A. vivia no Algarve há vinte anos. Desde a reforma do marido. Antes disso tinha vivido na India, Dubai, Moçambique, África do Sul. O marido trabalhava para uma companhia petrolifera e os últimos anos passou-os em Lisboa. Foi depois disso que resolveram ficar por aqui e instalaram-se a sul, como muitos e muitos outros. Tantas viagens e tantos anos a viver em Portugal tinham dado à Mrs. A. uma capacidade que a maior parte dos seus compatriotas não tem - falava uma língua estrangeira. A Mrs. A. sabia português! A Mrs. A. sabia dizer bom-dia em português!...
Isto até podia ser um exagero meu, uma pequena liberdade de quem escreve para marcar melhor a ideia escorregadia, mas infelizmente não é. Vivo no AllGarve, esta imensa torre de babel dos nossos dias, onde se cruzam todas as gentes e onde se falam todas as línguas. Português é que pouco.
Os "bifes", que por aqui basta serem loiros para serem "bifes", vêm atrás do sol, do golf e da qualidade de vida que a reforma de lá lhes dá por cá, mas não há misturas. Trazem a língua, a cerveja morna, as casas com aquecimento central, que por aqui faz um frio de rachar, e divertem-se imenso uns com os outros, normalmente a dizer mal do sítio que os acolheu e onde nada funciona como nos nortes cinzentos de onde fugiram.
É por isso que gosto de nós. Deste povo que era pequenino e tisnado, com alma de marinheiro e uma líbido desenfreada. Nós não somos cá de coisas e onde chegamos montamos arraiais. E montamos tudo o mais que nos passe pela frente. Gira ou feia, nova ou velha, alto ou baixo.
Fazemos as honras da casa quando apanhamos visitas mais distraidas por cá e levamos o que de melhor temos quando somos nós que vamos para lá.
Se da ocidental praia lusitana sairam armas e brasões, inda os mares não estavam navegados e já as espadas saltavam nas bainhas para, cantando, nos espalharem por toda a parte.
Trocámos linguas, trocámos pernas, trocámos braços e abraços, espalhámos o sangue e os genes, trouxemos filhos e filhas que seguiram por cá o exemplo dos pais por lá. Cada Padrão que deixámos enterrado em terras desconhecidas tinha gravado a cruz de Portugal, mas tinha a forma dos portugueses. Aquela coluna de pedra, alta, rigida, erecta era o nosso dizer ao mundo passámos por aqui e foi assim que por cá andámos.
Já não somos mais um povo pequenino e tisnado. Somos um arco íris desavergonhado onde todas as raças, todos os credos e todos os cheiros se misturam para fazer de nós por fora o que sempre fomos por dentro - uns rafeiros sem raça, mas com graça.
Se hoje é o Dia de Portugal e dos Portugueses hoje é o dia do resto do mundo todo. Podemos parecer poucos, mas gostamos de dar o que temos. E não há pedrinha que não tenha sido levantada, árvore trepada, montanha conquistada ou deserto atravessado por um português desejoso de mostrar novos mundos e de mergulhar em mundos novos ou por uma portuguesa cheia de boa vontade de seguir a nossa melhor tradição e levantar os mantos dizendo - vejam senhores, são rosas!
E é esta alma lusitana que poupou este rectângulozinho a tantas guerras e a razão para os emigrantes portugueses serem tão acarinhados lá por fora. Não há General avisado que não tenha ouvido falar no forno das padeiras de aljubarrota e arrisque expõr os seus homens a tais calores e, por esse mundo, ainda há muitos padrões espalhados a lembrarem, a quem já esqueceu, as armas de Portugal.
Somos uma nação valente, imortal e muito mas muito dada. Somos marinheiros de águas doces, salgadas, alcovas, palheiros e tudo o mais que esteja a jeito de navegar. E se o Kennedy um dia achou que eramos todos Berlinnenses, hoje o mundo devia gritar em coro "Somos todos portugueses!".
4 comentários:
Este foi o melhor discurso do Dia de Portugal!
Sempre foi reconhecido como o nosso grande feito - descobrir o caminho para as indias (as próprias).
Karla, estou quase a candidatar-me a presidenta da junta...
santo, mas isso não era para as catequizar?
evangelizar, mais propriamente. E orar, ajoelhar e orar. Parece.
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