O final do ano lectivo, o final...

Aprendi à minha custa (literalmente) a diferença entre ser professor e dar aulas, se bem que para isso muito ajudou o ter tido excelentes professores.
No liceu, a professora Gabriela de matemática, ainda hoje amiga, o António Limpinho professor de filosofia e que liderava o grupo de teatro, o saudoso João Coutinho (Ti João, também locutor da RTP), que é impossível recordar sem nasalar a voz e lançar um “.. bem vindos ao jogo NBA da semana...” e claro o João Lin Yun que “só” teve a influência de eu escolher o curso que tirei. Depois foi a Faculdade, e aí era cada tiro cada melro, uma ou outra excepção mas tive fantásticos professores.
Foi neste mundo que me habituei a viver, se bem que pelo caminho também fui galardoado com algumas desgraças, mas que nitidamente não eram professores, enfim... davam umas aulas.
Posso dizer que conheço bem o mundo do ensino em Portugal. Quer como utilizador directo (fui aluno por cá e uma barda de anos), quer como agente da acção (fui professor durante outros anos), quer até como observador privilegiado (familiares próximos eram professores e passei horas a apoiar trabalho escolar outros tantos ou mais anos).
Com todo este historial tenho tarimba suficiente para avaliar de cátedra o estado do nosso ensino, das nossas escolas, dos professores, dos empregados, dos mal empregados, dos alunos e do Ministério da Educação (ME).
Onde está o erro deste raciocínio? Simples, na generalização. Não temos escolas boas nem más, temos ambas; não temos professores bons nem maus, temos ambos; e penso que vocês, sem esforço, deduzem o resto desta conclusão. Mas fica de fora o ME. Avaliar? Como? Se é tão simples criticar.
Foi já como professor, junto de colegas e de familiares, que fui percebendo cada vez melhor o que é ser “professor”. É desejo, é vontade, é querer ensinar, é gostar tanto do que se sabe que temos de o dar aos outros. E conheci/conheço muita gente que ainda é professor porque é essa a sua vontade. Não estão lá a dar umas aulas, nada disso. Trabalham horas e horas para ensinar. Trazem para casa montes de gatafunhos que têm que classificar nessa noite, uns vintes que até dá vontade de reler e uns “inventanços” que nem se consegue perceber o que está escrito.
No dia seguinte lá estão outra vez à frente de 30 jovens/hora que os ouvem (uns melhor que outros) e que deles dependem para ter um melhor futuro. Isto que eles (os professores) sabem, isto que eles (os professores) vivem.
Recentemente comecei a perceber alguns sintomas - as coisas não estão bem. E de repente (de repente para mim mas num acumular de desilusões, de descréditos e de muitos espantos) essa vontade inata e indomável de ensinar desmorona. Pessoas que sempre conheci com enorme garra e toda a vontade do mundo para serem professores questionam se não será melhor outra carreira. Anos de estudo, prática, dedicação, seminários, livros, cursos, testes, e montes de pó de giz acumulados, de nada valem.
“Só fico aqui se não encontrar mais nada” – ouvi de quem nunca esperei. Eles, os professores, não querem mais ensinar.
- Mas não ensinam? Não são os mesmos miúdos? Ainda pergunto com alguma esperança. Caramba, se não são vocês... insisto. Nada. O desânimo é mesmo profundo e total.
- Só se não der pá, só se não der... E todos por ali ficámos com os cantos dos olhos demasiado molhados.
Acho que neste caso não é erro generalizar. O ME não está no bom caminho, o nosso ensino não está no bom caminho.
Pelo que percebo o ME está fazer o pior que se pode fazer desta classe: a por os professores simplesmente a dar umas aulas.... e a alguns nem isso.
Iremos perceber o erro às nossas custas (literalmente).

12 comentários:

Teresa disse...

Santo, tu achas que em Sodoma e Gomorra só viviam pecadores?
Há pouco tempo uma comentadora deste blog, professora, dizia-me, na minha cozinha, que é onde as conversas são sempre melhores, que o alargamento da obrigatoriedade do ensino obrigou a imensas e rápidas contratações e foi daí que apareceram as tais pessoas a dar aulas.
Tem lógica, mas percebe-se que o ME tenha agora que lidar com professores e meros empregados e que os professores estejam em muito menor número.
Nomeaste alguns dos teus professores. Eu posso falar no Alfredo Reis, que ainda hoje me chama miúda e me entregava os testes de filosofia sem estarem avaliados,comentando "tu sabes a nota que mereces e isto também é filosofia", na Ana Paula, na Manuela, na Isabel, no Madeira de matemática, que com 30 anos de ensino nunca tinha dado uma falta, e em poucos poucos mais. Na faculdade o Figueiredo Dias era mestre sim senhor, o Orlando era um ogre mas professava o Sebastião Cruz, o padre pequenino e gordo, O Professor, o que com o Jorge Leite, o Canotilho e mais dois ou três encerram o assunto professores. O resto eram catedráticos a cumprirem a cátedra e mestres, estagiários, doutores a darem as aulas da praxe no meio dos trabalhos académicos. Na minha vida de ensino isto dá uma percentagem muito pequena de professores contra muita gente que me deu umas aulas. Se extrapolar para um ministério inteiro a diferença não deve ser muito grande.
Percebo que o justo está a pagar pelo pecador, mas não sei qual a alternativa. Sei, ou acredito, que o trigo vai aparecer do meio do joio e que todos esses desabafos não passam disso, desabafos, que ser prefessor é vocação, não é profissão, e a vocação resiste a tudo e todos.
Também não sei se o que o ME está a tentar fazer é o melhor, mas é alguma coisa. É que espero, sinceramente, que as minhas filhas possam um dia dizer, como eu e tu, que tiveram professores. Infelizmente, até agora, só tiveram uns empregados do ME a dar umas aulas.
(vou apanhar, já sei que vou...)

O Santo disse...

Pois rapariga, eu também estava confiante que a vocação era mais forte que a do próprio sacerdócio. Mas aqueles/aquelas que para mim eram irredutiveis já acham que o céu lhes caíu em cima.

Teresa disse...

Mas como o céu não vai cair vais ver que depois das férias tudo melhora...

shark disse...

Bom, professor nunca fui mas já dei umas explicações...
O "no returning point" é aquele momento em que um gajo se distrai e de repente as três horas selvagens planeadas reduzem-se a três minutos de rugido seguidos de um aparentemente interminável período de confrangedora mansidão.
(Nunca me aconteceu, mas já ouvi dizer...)

shark disse...

E por falar em Sodoma, existem pontos na malta que também encaixam mais ou menos no conceito.
Once it´s out, there's no turning back. (If you know what I mean...)
:-)

Anônimo disse...

Hoje tou um nadinha aluado...

Teresa disse...

Bem, acho melhor pedir ao Mix para fazer um aviso para o canto do blog " o consumo do cabra faz mal ao corpo e à saude mental".
E depois temos má fama na classe intelectual, ora pois, não haviamos de ter...

Já agora, fico danada com essas coisas, que cá eu sou de Coimbra e estou habituada aos lentes brilhantes e às republicas debochadas, que sempre conviveram pacífica e pedagógicamente e se misturaram muita vez sem perderem pergaminhos. E não suporto gente que tem de parecer sempre muito séria para ser levada a sério. (ai esta pele fina outra vez...)
A minha vontade hoje era debochar por aí fora e ser muito muito mulherzinha, mas tenho de aprender a controlar este mau feitio.
E agora vamos lá comentar o post, como diria o Santo.

Marias disse...

Pois uma coisa é a faculdade, outra as trincheiras das escolas secundárias, e quando dei aulas, sentia-me mais do lado dos alunos que dos outros profes, que nem me ajudavam, nem saíam da frente. E se inovava, caíam-me em cima.
Mas este ME conseguyi o feito notável de unir esta classe.

Teresa disse...

isso acontece em todas as profissões. quando acabei o curso e comecei a entrar nas secretarias dos tribunais sem saber sequer como se lia um processo ou se fazia um requerimento os funcionarios enrolavam um dótoura de gozo... nunca me incomodou, e sempre pedi ajuda. Com os colegas mais velhos ainda pior, mas era por aí que lhes ganhava - achavam que a miúda era miúda e burra por inerência de funções. Baixavam a guarda e quando percebiam que estavam "lixados" já era tarde.
E detesto classes, que isso é demasiado generalista, e leva para o mesmo lado da trincheira os bons e os maus.
A guerra com os professores é velha e se houve uma "classe" sempre foi aqui. Mal ou bem é tempo de se avaliar e perceber quem está porque sabe e quer e quem está porque não sabe fazer mais nada.

O Santo disse...

diz isso ao ME.

Teresa disse...

Tenho de dizer ao TI? Não te basta leres?

Marias disse...

É a malta das secretarias então é lixada. Quando me apresentei em Cascais mandaram-me apresentar no Conselho Directivo (na época era assim) mas eu voltei atrás para perguntar qq coisa e estavam todas na galhofa "viste esta? são cada vez mais novas"....E na escola dos meus filhos também não é nada com elas, é sempre com a aoutra que foi tomar café. Mas comigo estão lixadas que decorei-lhes os nomes e chamo-as bem alto "Não está aí a D. Deolinda?" e é remédio santo.