O Zé vai fazer 50 anos em Agosto. Dia 13, mais precisamente. Lembrei-me agora do Zé porque me lembrei da tarde em que vinha do liceu e ele me encontrou a meio do caminho. Descemos os dois a avenida. Eu a pé pela rua, ele de bicicleta pelo passeio. Ele a fumar, eu a olhar. Eu com quinze anos e ele com vinte.
Não sei há quanto tempo já éramos amigos, que ele tinha andado por outras paragens, mas sei que ainda hoje somos. E também, ainda hoje, me lembro da pergunta que me fez naquela tarde:
Achas que estás muito diferente de quando tinhas dez anos?
Então não havia de achar? Do alto dos meus 15 anos empertiguei-me ainda mais, engrossei a voz, e mostrei-lhe como era diferente da miúda de 29 quilos.
Nos quilos e no resto as diferenças não deviam ser muitas, mas eram muito estimadas e foram defendidas com bravura. No fim do meu discurso de pride and honor ele empertiga-se também e, nos seus sapientes vinte anos, demonstra-me por dois mais dois, que naquelas idades dão tudo menos quatro, como cinco anos faziam toda a diferença.
Zé, passaram muitos cinco desde aí, e agora é que teimamos em não lhes dar importância e vamos dizendo que o tempo, antigamente, passava mais devagar.
Parece que nascemos como somos e defendemos as cores da nossa camisola com um patético eu sempre fui assim.
Não fui nada. Eu sou, mas não fui. Ainda ontem não era.
Se com os tais quinze anos me visse como sou agora, não sei mesmo se reconheceria a teresa que sempre foi assim. A gaita é que não dei por nada. Se já nem sei qual foi o dia em que deixei de conseguir pegar nas minhas filhas ao colo. E as duas ao mesmo tempo. Um grama hoje, uma chatice amanhã, uma pessoa que se cruzou connosco ontem, bater, envolver e lá está uma broa onde antes só havia farinha e água. E depois de feita passou a ser. E o que é passou a foi.
Mas não foi!
Ontem, por um tropeção qualquer num relógio daliniano, que esquinou tempos e vidas, vi a teresa que era. E que fui. E que debaixo destas cascas todas, ainda sou. Que posso bater e envolver e cozer, mas a água e a farinha vão estar sempre cá. Talvez haja quem chame a isso alma. Eu não sei que lhe chamar, mas a tal teresa, com mais ou menos quilos, pó, sorrisos e rasgares de peito, rugas nos cantos dos lábios e dias nos cantos dos anos, gente passada, cruzada e esquecida, quilómetros nas pernas ou distâncias nos olhos, ainda é a mesma miúda que um dia desceu a avenida a pé pela estrada com o Zé de bicicleta pelo passeio.
Apesar de dizer que sempre fui assim, com estas cascas todas que já não sei de onde vieram, mas que um dia, como no de hoje, abrem um bocadinho e deixam ver para além do que já quase ninguém vê.
Quase ninguém.
Achas que estás muito diferente de quando tinhas dez anos?
Então não havia de achar? Do alto dos meus 15 anos empertiguei-me ainda mais, engrossei a voz, e mostrei-lhe como era diferente da miúda de 29 quilos.
Nos quilos e no resto as diferenças não deviam ser muitas, mas eram muito estimadas e foram defendidas com bravura. No fim do meu discurso de pride and honor ele empertiga-se também e, nos seus sapientes vinte anos, demonstra-me por dois mais dois, que naquelas idades dão tudo menos quatro, como cinco anos faziam toda a diferença.
Zé, passaram muitos cinco desde aí, e agora é que teimamos em não lhes dar importância e vamos dizendo que o tempo, antigamente, passava mais devagar.
Parece que nascemos como somos e defendemos as cores da nossa camisola com um patético eu sempre fui assim.
Não fui nada. Eu sou, mas não fui. Ainda ontem não era.
Se com os tais quinze anos me visse como sou agora, não sei mesmo se reconheceria a teresa que sempre foi assim. A gaita é que não dei por nada. Se já nem sei qual foi o dia em que deixei de conseguir pegar nas minhas filhas ao colo. E as duas ao mesmo tempo. Um grama hoje, uma chatice amanhã, uma pessoa que se cruzou connosco ontem, bater, envolver e lá está uma broa onde antes só havia farinha e água. E depois de feita passou a ser. E o que é passou a foi.
Mas não foi!
Ontem, por um tropeção qualquer num relógio daliniano, que esquinou tempos e vidas, vi a teresa que era. E que fui. E que debaixo destas cascas todas, ainda sou. Que posso bater e envolver e cozer, mas a água e a farinha vão estar sempre cá. Talvez haja quem chame a isso alma. Eu não sei que lhe chamar, mas a tal teresa, com mais ou menos quilos, pó, sorrisos e rasgares de peito, rugas nos cantos dos lábios e dias nos cantos dos anos, gente passada, cruzada e esquecida, quilómetros nas pernas ou distâncias nos olhos, ainda é a mesma miúda que um dia desceu a avenida a pé pela estrada com o Zé de bicicleta pelo passeio.
Apesar de dizer que sempre fui assim, com estas cascas todas que já não sei de onde vieram, mas que um dia, como no de hoje, abrem um bocadinho e deixam ver para além do que já quase ninguém vê.
Quase ninguém.
Um comentário:
;D
Excelente post.
É o que gosto neste blog, tanto encontramos este tipo de escrita, intimista, muito pessoal, muito sentida, que nos arrasta para dentro do blog, como lemos uma boa piada, como achamos um crítica certeira à nossa vida política (haverá isso, afinal?)
Essas 'cascas', que vamos acumulando como a cebola, servem muitas vezes para manter a frescura desses 15 anos que existem noutro desvio do tempo; é saber procurar que eles devam estar lá.
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