25 de Janeiro de 1988

Olá,

Cá estou na Madeira, que não é um jardim, mas é do Jardim. Estar na República das Bananas tem os seus convenientes, comem-se muitos ananases e claro… muitas bananas. Também se pode andar “à vontade” se se passar por estrangeiro, o que acontece com certa frequência, pois como dizem os nativos: “não é só no Algarve…” enfim, que tanta coisa acontece. Assim, enquanto o dinheiro durou, as ementas vinham em inglês e os “garçãos” (classe privilegiada nestes 746 km²) faziam inveja à minha pronúncia, que como sabem é genuinamente May fair. Mas o tempo das vacas gordas já lá vai, pois não há quem aguente a cerveja a 120 paus e o café a 70, e agora quando me dou ao luxo de uma refeição fora do quartel, as ementas já nada têm de poliglota, vendo-se e desejando-se o meu modesto intelecto para decifrar o que lá vem escrito em dialecto local, que é uma coisa que fica mais ou menos à direita do Mirandês, não por razões de morfologia e sintaxe (como diria Carl Sagan, um entendido nestas coisas mas ao que consta nunca cá veio pintar ou já lhe tinham levantado uma estátua) mas por uma forma muito própria de dicção, que se assemelha a um disco de 33 rotações no seu funcionamento normal a quem, num acesso de excesso energético rompe por aí fora até aos saudosos discos de 78 rotações. Isto geralmente acontece nas últimas sílabas de cada palavra, talvez por isso não existam palavras monossilábicas, pois seriam de entendimento impossível. Prosseguindo este meu tema “J. na República das Bananas”, creio que deva começar, muito academicamente pelo princípio.
A gente chega cá num avião que já o era antes de Ícaro ter dado com os queixos no chão por ter usado cera em vez de UHU para colar as penas das asas. Chamava-se “Porto” a aeronave, densamente povoada de magalas de galões vistosos que surtiam grande efeito nas hospedeiras, que pela aparência tinham a idade do avião, mas que ao contrário deste deviam estar em fim de carreira. Embora o verde predominasse, tons floridos de algumas velhas inglesas, sempre na moda, inspiradíssimas pela rainha Vitória (sucumbida na viragem do século), davam um tom ligére ao interior do boing (eu juro que não vou falar dos seus maravilhosos chapéus!). Enfim, aterramos, e depois de conferirmos se estávamos todos inteiros, lá partimos nós num autocarro verde a caminho do Funchal, que dista 16 km do aeroporto.
Ah! Foi a exclamação geral, tão tipicamente Lusitana, quando se vê pela primeira vez aquilo que nunca se viu, mesmo que não seja lá grande coisa. Tudo era lindo! As flores, as estradas tortuosas a subir muito e a descer mais, as nuvens nos picos, tudo era digno de ser descrito pelo Byron, que eu não tenho muito jeito para estas coisas, esse Byron que tão bem descreveu Sintra, só lamentando ser habitada por Portugueses ou não ficasse aquilo tão perto da capital. Se fosse no Algarve, talvez ele não o tivesse dito, só que, segundo sei, o Algarve ainda não tinha sido colonizado pelos ingleses no século passado. Mas… e pr’a frente é que é caminho, chegamos ao quartel, todo ele florido, com piscina e tudo. Depois veio a noite e os bares da marina e veio tudo iluminado, e tudo era tão lindo, até que um dia, o J., foi incumbido daquilo que pensava ser uma interessante missão… ia a nosso instituição, tão caridosa como é, receber 300 mancebos, pois era preciso justificar o ganha pão desta gente toda, e que o papel do J. era recebê-los, juntamente com os outros digníssimos furriéis . Ficou assim o J. a saber:
1. A profissão predominante daqueles a quem se diz pertencer o furo, é: pedreiro da construção civil.
2. A escolaridade média é a 3ª classe.
3. Muitos já estiveram presos.
4.Todos têm uma grande paixão na vida: o vinho.
5. Todos têm um grande sonho na vida: Fugir! Fugir daqui para bem longe.
Se existe no planeta azul outra República das Bananas digam-lhes que eles têm que vir cá aprender com o(s) jardim(s) da Madeira, no meio do oceano plantado. É claro que nem todos os Madeirenses se emborracham, e só algumas famílias é que vivem em grutas, e é por isso que não aparecem nos postais. Nos postais só aparecem as orquídeas e outras tão sabiamente plantadas por quem percebe da arte.
O tempo tem sido benevolente comigo, tem passado depressa! Não, não ando por aí aos putos nem tenho corrido as discotecas todas, nem tenho conhecido muitas suecas. Tenho andado calmamente (as ruas aqui são demasiado inclinadas) sem pressa de ver tudo num dia. Tenho gostado de muita coisa, mas a sensação geral é que isto tem muita coisa que não está bem, a começar por mim que estou cá por engano, mas entre aqui, ou noutro lugar qualquer, se é para estar vestido de feijão-verde, antes aqui. O trabalho não mata e sempre se conhece gente interessante.
Gosto de cá estar, mas preferia estar convosco.
Um abraço
J.

12 comentários:

Teresa disse...

Gaija, depois de me ter matado a rir, uma pergunta técnica - guardas na mesa de cabeceira cartas de gajos que terminam com "um abraço"?? Mas que é isto? Queres passar à categoria de gajo porreiro?

Marias disse...

Hum, mas que emprego é esse. Vestida de feijão verde?
Volta, estás perdoada.

gaija do norte disse...

teresa, para ele eu sou mesmo um gajo porreiro!

gabs, o J. estava na tropa, não eu!

Anônimo disse...

Para mim, nenhuma gaija é um gajo porreiro.
Mas curto abraçá-las.

gaija do norte disse...

tens razão la piovra, eu era uma gaija que ele curtia abraçar, mas gajo não era!

Marias disse...

Olha , só agora percebi que não te chamavas João ou isso e escrevias à malta...
Podia ser no gozo...
Na mesa de cabeceira, eu é mais em caixas de sapatos, nos armários.

gaija do norte disse...

não gabs, é uma carta que recebi (eu e mais não sei quantos) de um amigo que foi para a Madeira fazer a tropa. postei porque a carta tem 20 anos, mas parece ter sido escrita ontem.

Teresa disse...

ai se eu começo a publicar as cartas que tenho por aí...

ó gaija, também fazes parte do grupo dos gajos porreiros? de todos, esse é o que me é mais familiar...

gaija do norte disse...

é dos que mais gosto também! mas não descuido o da gaija porreira!!

Anônimo disse...

"Preferia estar convosco".
Isso já eu sabia...
:-)

gaija do norte disse...

e quem não prefere???

Teresa disse...

quem ainda não percebeu, burros!, que somos uma gaijas muita giras e muita divertidas e muita sei lá o quê mais...