As palavras que nunca te direi.

Tenho andado o dia de hoje às voltas com isto, mas não há mais voltas a dar - todas as alturas felizes da minha vida estão associadas a ti e fui sempre infeliz quando tu não estiveste. Ou, dito de outra maneira, fujo de ti quando o meu mundo se vira e meto-me naqueles meus buracos a lamber feridas sozinha.
Pudor? Talvez. Não quero que me vejas em pranto, não quero que vejas o meu lado lunar.
Não faz sentido, não, não faz, que foi a chorar que nos conhecemos. Eram lágrimas e lágrimas pelas caras abaixo na frente daquela pauta onde pela primeira vez nas nossas vidas vimos um oito ao lado dos nossos nomes. E fomos arrastando a indignidade até casa, e fomo-nos olhando de lado, e fomos marcando as coincidências. A mesma nota, as mesmas lágrimas, o mesmo autocarro, o mesmo bairro e as mesmas casas, que a partir daí a minha casa passou a ser também a tua e a tua nunca mais deixou de ser a minha.
Sabes como sou, conheces-me melhor que ninguém, e sabes também que se paixões tive muitas, amei pouca gente na minha vida. E disse, ainda menos vezes, amo-te. Mas a ti digo. E digo hoje como digo há muito tempo, porque há muito tempo que fazes parte de mim e há muito tempo que me ensinaste que se pode gritar amo quando se gosta muito, assim tal qual eu gosto de ti, ou das minhas filhas, ou dos teus filhos.
Lembras-te do dia, há tantos mas tantos anos, em que fugi de Coimbra para me enfiar sozinha na casa da Figueira? E de como tu arranjaste como lá ir ter, porque adivinhaste que me ias encontrar como me encontraste, sentada no chão da sala, encostada à parede do fundo, sozinha, às escuras, e a chorar convulsivamente? Deve ter sido a segunda vez que me viste chorar. E a última.
E lembras-te de como há tão pouco tempo, mas há tanto, caramba!, há tanto!, eu e as miúdas, as que também são tuas, nos metemos no carro do P., ainda de madrugada, para te fazermos a surpresa de te aparecermos à porta de casa no dia em que tanto festejavas, com um frango assado embrulhado em papel, um vinho ranhoso num pacote de cartão, um paozito num plástico, e te dissemos, quando abriste a porta, que iamos para a festa mas levávamos uma bucha? E de como rimos às gargalhadas com a tua cara de espanto, e de como nos abraçámos, e nos chamámos nomes e fingimos, durante uma tarde, que as nossas vidas eram sempre assim, com tudo partilhado e cozinhas cheias de gente e mães e histórias da namorada imaginária de um pai que também é meu, e sopas de cebola sem sal, raios o partam!, o gajo até cozinha bem, mas é dado a esquecimentos.... e crianças felizes em cima das árvores do jardim?
Tenho saudades tuas. Tenho muitas saudades tuas. Muitas mais que de todas as outras pessoas juntas de quem também tenho saudades - bem, há aqui uma excepção, mas depois conto-te... - e a minha vida, não há volta a dar, já disse, nunca é feliz se tu não estás nela.
Sabes que é contigo que as minhas filhas ficariam se alguma coisa me acontecesse, e isto nem é discutível, e sabes que não sei quando os teus filhos fazem anos, só faço uma ideia, mas também os pari um bocadinho. Sabes que a tua mãe também é minha mãe, e isto também não é discutível, e o teu pai é o homem que faz esta minha mãe feliz.
E sabes tantas coisas mais. Sabes que sou tudo o que não és e tu és tudo o que não sou, e sabes que gosto da tua vida e às vezes não gosto lá muito da minha e sabes que o Z. fui eu que vi primeiro, mas pronto, por ti, só por ti, que nestas coisas de gajos não me costumo distrair, faço tudo... E sabes, sabes muito melhor que eu, que preciso de ti. E que tens de ser tu a desencostar-me das paredes quando às vezes me sento a chorar, e és tu que tens de me dizer que também por ti tenho de me rir, de me rir muito, que eu sou a que tem de estar sempre feliz.
Mas sabes, às vezes, como agora, é muito difícil.

Isto é para ti. Porque te o devo e porque preciso de o ler. Porque é assim, neste open space, que me apetece dizer-te que podes não estar, ou melhor, eu posso não estar, mas tu és tu, tu és a minha amiga, se é que isso, hoje, ainda faz algum sentido. Se é que hoje, ser amigo, ainda pode ser assim, para a vida e para a morte, sem divórcio possível ou partilhas de bens.
Tu fazes parte de mim, tu és a outra mãe das minhas filhas e tu és a gaija mais estuporada e mais difícil de aturar que alguma vez outra gaija arranjou como amiga. Tirando eu, claro.
E, digam o que disserem, doa a quem doer, nem sempre blood is thicker than water.

20 comentários:

B. disse...

Há amigas assim n é?
=)
Gostei!
*
B

Anônimo disse...

Que bonito! Não percebi tudo mas percebi qb

Façam uma coisa, façam-na por vocês, façam-na por mim, façam-na pelos vossos putos, façam-na por todos, não tenham medo de ser amigas, não tenham medo de amar e não tenham medo de gritá-lo, embora o mais das vezes baste sussurá-lo

sabes Teresa são muitas as vezes que me perguntei porque é que fiz este trajecto da minha vida. Não que me arrependa, até tenho orgulho, mas cavaleiro solitário, de cavalo desembestado, até deitar espuma de sangue pelos lábios, cada dragão maior e lá vou eu,

e eu que só queria amar

pois, mas parece que está escrito na minha carta astral que tinha de ser assim

que seja então pelos vossos filhos, por vocês, para que eu possa adormecer a pensar em gente mais feliz, que tudo isto fez sentido e valeu a pena

PS:
1. prometo que ainda vou conseguir baixar mais a euribor
2. agora vou atacar o burroso
3. próxima etapa vai ser Esfinge, são os últimos estrebuchos de leão

Anônimo disse...

sou um romântico incurável, nada a fazer

a não ser xonar

'te manhã

jos

@na disse...

Lindo Teresa!

Anônimo disse...

Mas o que é que se está a passar neste blogue?

@na disse...

Bem-vinda aqui também b.

@na disse...

é da lua cupido

Anônimo disse...

Não estou a pôr defeitos, nada de más interpretações.
Eu dou-me bem com miminhos!:)

Anônimo disse...

(Atacar o burroso é uma missão louvável e encaminho para ti os espíritos da melhores musas, ò último a rir - no abecedário, bem entendido...)

gaija do norte disse...

ridículo é não saber escrever assim, não conseguir expor o amor desta forma.

(como é ridícula a cara com que eu fico quando vos leio)

Anônimo disse...

(Mas sempre bonita...)

gaija do norte disse...

(bonita?!?! linda! lindíssima!!!)

Anônimo disse...

(Essas coisas são para dizer em privado.)

gaija do norte disse...

(como o privado nunca mais chega, fica já aqui!)

Anônimo disse...

(Nem o teu email me deste, ò desconfiada das avenidas...)

gaija do norte disse...

(ganda maluco! ainda nem passamos pelo café e já queres saltar para o email...)

Teresa disse...

(interregno no meu silêncio só para responder a estes dois)

Pobres e mal agradecidos, é o que é... anda aqui uma pobre chefa a mandar emails de apresentação com os contactos de toda a gente e a promovor encontros de conbibio e depois vêm para os locais públicos com lamúrias de não tenho, não sei, e um cafezinho e rebéubéu... vão-se catar, ora pois!

Anônimo disse...

Eu só utilizo emails providenciados pela(s) própria(s).

sem-se-ver disse...

bonito.

lembrei-me de uma tira da Mafalda. mafalda e susaninha de costas 'para nós', sentadas algures num muro.
uma: e porque és sempre tão irritante?
a outra: e tu sempre tão limitada?
a primeira: e tu tão agressiva?
a outra: e tu tão superficial?
uma: não te suporto.
outra: nem eu a ti.

(diálogos deste tipo, não fui confirmar)

quadradinho final:
ambas se abraçam pelos ombros, em silêncio.

é muito bom teres uma amiga assim, teresa.

e ainda mais saberes escrever sobre esse amor por ela desta maneira.

Teresa disse...

Mas tenho de fazer um esforço enorme porque nem imaginas como ela é irritante e não a suporto... :)))