E puore si muove!

Não fosse este "e puore" e Galileu até poderia estar a falar da Terra, mas a Terra não se move "e puore" e ele sabia-o bem. A Terra move-se e pronto, tal como Copérnico já o havia dito e ele o confirmou.
Sempre achei que este "E puore si muove!" ia direitinho para a Igreja Católica, a tal Igreja que o estava a julgar e agora o perdoou, a tal Igreja que insistia em baralhar Bíblia e ciência, em manter-se parada no tempo e nos tempos apesar de saber que os tempos se moviam. Mas Galileu sabia. Galileu sabia bem que a Terra, mesmo que não parecesse e mesmo contra o que os Doutores da Igreja diziam, se movia, e que a Igreja se movia também. Pode é demorar ainda mais tempo e notar-se ainda menos.

Apeteceu-me chamar a este post "Quem tem medo da Igreja Católica?". Quando a Igreja diz que pode apelar ao voto contra partidos que apoiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, isso quer dizer o quê? Que os fiéis, os poucos que ainda vão à missa, vão temer as penas do Inferno e votar em quem o senhor padre diz?
Acho que só mesmo a Igreja, a classe política e quem há muito não vai à missa pode acreditar que tal é possível. Não me lembro de nenhuma eleição que, em Portugal, tenha tido resultados directamente influenciados pela Igreja. Nem mesmo logo a seguir ao 25 de Abril, quando as estruturas católicas ainda tinham um poder que hoje já perderam, o partido socialista deixou de ganhar apesar de, na altura, ser quase um pecado votar nos vermelhos.
Daí para cá o divórcio passou a fazer parte da lei, o adultério deixou de constar no Código Penal, o aborto foi despenalizado, a pílula do dia seguinte vende-se em todas as farmácias sem ser necessária receita médica, o preservativo é prática corrente e jejum à sexta feira já nem em casa da minha mãe se faz.
A Igreja não concorda com o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo? Acho muito bem que não concorde. Seria hipócrita e censurável se defendesse o contrário. A Igreja diz que vai exortar os seus fiéis a não votarem em partidos que defendem o que por ela é considerado uma ameaça aos valores da sociedade? Certo. O sagrado, por muito que custe a quem só vê batinas, é também uma postura ética, uma escolha de valores, um decidir entre o certo e o errado de acordo com princípios que estão definidos. Um cristão, ou um católico, deveria viver, conformar a sua vida, de acordo com eles e faria todo o sentido não pactuar com quem defendesse o que pusesse em causa a sua mundividência.
O Homem é o centro do Universo? A Terra, feita por Deus para o homem, é o centro do Universo? Então julgue-se Galileu porque diz o contrário. E se esta mistura do julgar na terra o que deveria ser julgado no céu está errada, este confundir o que é de Deus com o que é de César não pode nem deve acontecer, o que defenderam os Bispos está certíssimo. Mesmo que não concordemos com o que defendem. E não, que fique desde já claro que eu não concordo.

O que a Igreja esquece, o que as estruturas da Igreja esquecem, e os que têm medo dela esquecem também, é que a Igreja não são paredes, catecismos, encíclicas. A Igreja são pessoas. E as pessoas fazem escolhas. Escolhem religiões, partidos, clubes de futebol, amantes. E as pessoas têm o direito a fazer as suas escolhas com liberdade. E se com liberdade, porque somos um país livre, escolheram ser católicas será normal ouvirem o padre da sua freguesia. Mas ouvem-no da mesma maneira que ouvem o político da sua cor ou o presidente do seu clube, com fé, com esperança, com paixão, mas sabendo sempre que a escolha é sua. E duvidar disso é uma falta de respeito tão grande para com as pessoas como o padre da freguesia acreditar que na hora de por a cruz no boletim de voto quem manda é ele.
A política e a religião tratam de vida, da nossa vida. Os bispos católicos têm o direito de exortar os seus fiéis a fazerem escolhas de vida de acordo com as suas convicções, com os seus valores. Fazer dessas vozes lei, transcrever uma opinião que não foi sufragada nas urnas para lei de estado, como ainda agora ia acontecendo na Itália, é que está errado mas essa culpa a Igreja não tem. A lei ia ser feita por um homem, um homem que os italianos conhecem bem e em quem votaram. Foi o eleitorado italiano que abriu as portas à Igreja não foi a Igreja que tomou o Estado de assalto.

Será difícil a Igreja aceitar o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo? Sim, vai ser. Contraria a definição de família tal como a defendem, mas com essa definição só se conforma quem quer. E não me venham dizer que não se escolhe religião nenhuma porque a tomamos desde o berço, é a nossa herança genética. Sim, pode ser, mas se a religião for só isso, não vai ser a ameaça do inferno que transforma um pecador numa pessoa de bem, ou muda o sentido de voto na hora de escolher.
Quantos católicos conhecem que deixaram de se divorciar por a Igreja vedar (ainda?) os sacramentos aos divorciados? Eu conheço um único! Mas sei que desde que o divórcio passou a ser possível em Portugal polulam em Braga os advogados especialistas em Direito Canónico. Há mais de 10 anos que a conferência Episcopal Portuguesa reconheceu a crise que o casamento vive e que o divórcio não pode ser a solução. Desde aí foram aligeirados os processos para a anulação do casamento católico, a única forma de a Igreja apanhar o combóio sem perder os fiéis. E assim, em Braga, junto ao único Tribunal Eclesiástico Português, montaram banca advogados que só fazem isto - anulam casamentos católicos. Uma organização que sobrevive há mais de 2000 anos não deve ser tão pouco inteligente assim para ter a pretensão de viver separada da comunidade.
Não nos preocupemos com as posições estáticas da Igreja Católica, nem com supostas ameaças que já não assustam ninguém. Até porque, como dizia o Galileu, E Puore si muove!

12 comentários:

cereja disse...

Mais uma vez, BRAVÔ!!!

Um belo post, cheio de razão!!!!
Sempre quiseram, sempre se teve medo, e no final a montanha paria o rato...
Talvez em zonas pequenas, rurais, com alguns habitantes...mas não é aí que as eleições se definem!
Lembram-se quando os párocos diziam que os seus paroquianos deviam votar Como
Deve Ser? E olhem... Pfff..

MA disse...

pois, mas tem dois problemas.

tristemente a preguiça mental das pessoas não ajuda e acreditam num pacote de coisas que acabam por pouco ou não questionar. sejam elas poucas e irrelevantes no voto, acho porco manipula-las.

e aqueles que são críticos e até nem são aceites pela igreja e que mesmo assim não deixam de acreditar, mesmo no santo papa, e portanto a ter em conta o que a igreja faz e como.

não sei quantos homossexuais e mulheres conheces que são crentes. eu conheço mesmo muitos.
e no entanto a igreja é homofóbica e machista.

acreditar e escolher não significa que se alinhe em tudo e também nisso a igreja tem ainda de crescer e tornar-se mais elástica.

senão estão daqui a uns séculos a pedir desculpa aos homossexuais e ás mulheres e a perdoa-los, como fizeram com Galileu.

mas depois já é tarde...

Teresa disse...

Obrigada Emiele.
É isso mesmo que dizes, a montanha tem parido ratos, ou afinal o rebanho não é assim tão acéfalo...

Manuela, o que é isso de preguiça mental, manipulação, compras por pacotes? Hoje em dia qualquer campanha publicitária manipula muito mais que um Bispo ou dois. Achas certo dizer-se que as pessoas não sabem pensar e como consequência reunir-se um conjunto de sábios que decidiriam o que lhes poderia ser dado a escolher? Onde fica a liberdade individual, o direito de expressão, o respeito pelo outro?

Não estou a defender o conteúdo da posição que a Igreja tomou mas sim a dizer que, na minha opinião, pode e deve "vender o seu peixe". Apesar de tudo eu acredito que só compra quem quer. E se a Igreja é homofóbica e machista, e é, compete aos critícos e aos crentes em geral mudá-la.

Anônimo disse...

a igreja é homofóbica e machista?

bem, cá para mim trata-se apenas de dispositivos de poder, lá dentro as coisas podem-se fazer desde que seja no segredo, incluindo o segredo do confessionário, é por isso que a igreja não quer liberdades na sociedade civil até onde consiga denegá-las, o que felizmente já não é muito.

Ainda há pouco a posição da igreja católica sobre os homos era de que a homossexualidade era aceite mas os actos homo não, para os obrigar a confessar.

Hipocrisia, dissimulação, controlo, tudo ao contrário de Cristo. Nojentos, fiquem-se com os pecados a arder na cabeça e ainda um dia destes ataco sem dó.

z

Teresa disse...

Z, a Igreja é homofóbica e machista. A homossexualidade não é aceite e é considerada uma perversão que deve ser contrariada. Continuo a dizer que não defendo em nada as posições da Igreja, não me identifico com a hipocrisia de que falas, mas também não me identifico com partidos de direita e não é por isso que acho que deviam ser perseguidos ou que não têm direito a expressar as suas opiniões. Acho tão grave retirar aos Bispos o direito de emitirem uma opinião, e mesmo de afirmarem que os católicos não se devem identificar com quem defende o que eles consideram errado, como acho grave tentar conformar a sociedade de acordo com valores com que ela já não se identifica.
Vivemos numa democracia e as democracias têm dessas coisas - permitem liberdade mesmo a quem não a defende.
Muitos dos presos de Guantánamo violaram os direitos dos homens, defendem regimes autocráticos, não se identificam com os valores damocráticos e no entanto reivindicam-nos para eles e querem julgamentos justos. Negar-lhes esse direito, mesmo reconhecendo a hipocrisia das posições, era dar-mos-nos por vencidos.

Teresa disse...

Já agora convém ler este post http://jugular.blogs.sapo.pt/716645.html do Miguel Vale de Almeida.

Anônimo disse...

hoje ando em limpezas de Primavera, depois respondo

Teresa disse...

(também ando mas o pó só está a complicar a minha alergia. Já quse não sinto o nariz)

Anônimo disse...

fui ver o Milk, bem bom. Sobre a igreja católica nem me apetece dizer grande coisa, calha que eu conheci aquilo, mesmo sem ser baptizado. Ainda não sei é o que vou fazer, logo vejo. Agora é jantar.

sem-se-ver disse...

já cá venho. desde manhã, qd li a tua resposta ao meu comentario, cheia de vontade disso. assim que li o teu post, ainda mais.

agora, pera, namorar um pouco.

sem-se-ver disse...

teresinha,

ou me leste mal, ou me leste depressa... tadinhos dos senhores, atão não haveriam de ter direito à sua liberdade de expressão, mesmo tendo tido uma história negra, bem negra, de repressão do direito à liberdade de expressão alheia durante seculae seculorum?

ah pois claro que sim.

estranho, minha querida senhora de leis e de lucidez rara, que te tenha passado ao lado o cerne do problema, que foi aliás - assim o interpretei - o que incomodou o shark: une chose é exprimir a opinião sobre um determinado assunto, social no caso, referente a direitos civis; outra, completamete diferente, é fazê-lo não só em tom de ameaça, mas assumindo-se como força política que tem o dever (e não tem) de interferir directamente no resultado das eleições civis de um país para uma assembleia legislativa, apelando ao não voto em todo e qualquer partido que concordasse oficialmente, e tal campanha fizesse, pelo direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

topas a diferença?

a teresa sousa resume-a muito bem na sua crónica de hoje no Público:
«...A Igreja retribui de igual modo, permitindo um pacto implícito de não-agressão que, com altos e baixos, foi funcionando a bem da convivência democrática. ... A Igreja parece estar agora disposta a franquear essa fronteira. O que seria negativo para a democracia. O que está em causa é mais sério do que a influência no voto. Não é a liberdade da Igreja de defender o seu dogma e os seus valores morais, como qualquer outra instituição ou pessoa. As sociedades liberais assentam na liberdade de expressão. Mas a democracia é um sistema que assenta em regras e formalismos que vão para além dos princípios liberais que a adjectivam. Para jogar o jogo democrático de forma leal, a Igreja tem de os aceitar. É uma instituição com direitos especiais na sociedade mas não é uma organização política, um movimento sindical, uma associação de interesses. Não deve interferir no jogo político tentando impor aos católicos uma determinada opção de voto (aliás, com um vago tom de ameaça).
Não merece a pena quebrar o pacto que assumiu depois do 25 de Abril e que a transformou numa força positiva da democracia portuguesa.»

é assim que, e repito-me, se o assunto fosse a tentativa (hipótese colocada aqui como absurda, para que me entendas melhor) do poder laico de impôr à Igreja que o casamento RELIGIOSO pudesse acontecer igualmente entre pessoas do mesmo sexo, aí sim: seria de tal maneira uma afronta, um nojento e injustificável imiscuir-se na vida, dogmas e práticas de uma instituição religiosa, que até eu acharia por bem que, além das ameaças, viessem os católicos todos pra rua com o josé policarpo à cabeça da manifestação.

mas... ups!! olha, não o é!!! trata-se de um CONTRATO CIVIL! que EM NADA interfere com a vida, existência e normas da Igreja católica nem dos seus respectivos crentes!

então a modos de quem a Igreja sequer se ATREVE a achar-se no direito de influenciar SEJA QUEM FOR no seu sentido de voto para umas eleiçoes legislativas a propósito de DIREITOS CIVIS?

a deus o que é de deus, a césar o que é de césar, teresa. como eu sei que tu sabes e subscreves.

para terminar:
ah pois está claro que cada católico, imagino e ESPERO eu (que nem agnóstica sou, sou ateia de gema), pensará por su propria cabecita e votará de acordo com sua consciência e análise política.

mas por que será que, no momento em que o penso, tremo um pouco, receando estar a padecer de uma ataque de credulidade e ingenuidade repentino perante uma Igreja com uma fortíssima implantação em Portugal e inegável poder de persuasão - senão de manipulação - dos seus crentes menos informados?

hum?

pois.

sempre ao dispôr, gostei imenso do teu post, és uma pessoa inteligente, e muito correcta. gosto de ti.

(ah, e sabes? tanto que tenho razão que o tal de Morujão hoje já veio dar o dito pelo não dito e que não era bem assim e que «a Igreja não se move "contra ninguém nem contra qualquer grupo ou partido que se oriente por um ideário divergente ou mesmo oposto".» ahhhhh ok. se assim for, e se realmente tiverem metido o rabo entre as pernas e seguirem o princípio «"As organizações da Igreja movimentar-se-ão, não contra ninguém, mas em favor de uma causa."», encantadíssimos da vida. porque, aí sim, e finalmente, a discussão não estará viciada logo desde o seu início. e esgrimir-se-ão argumentos. serenos, espera-se. honestos, ainda mais.

Anônimo disse...

bem, a ssv colocou bem a questão, com a diferença que não espero argumentos honestos por parte dda igreja, honestidade é o que não há por ali, são jogos centenários de hipocrisia, dissimulação e manipulação, a bem e apenas do Poder, incluindo o poder de abusar sexualmente de outros, através do medo claro, sempre o medo.