"Lei exclui 90% dos alunos"

O Parlamento discute hoje o novo enquadramento legislativo para a educação especial, no meio de uma encruzilhada de opiniões contestatárias e medidas no terreno. Ninguém se atreve a pôr em causa o ideal da escola inclusiva, mas pais, professores e especialistas manifestam expressivas reservas ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, enquanto o Ministério da Educação se desdobra em acções para pôr em prática o seu modelo de integração.

Há uma confusão muito grande neste País em relação ao que são problemas de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem específicas. Estes alunos existem. Não são inventados. Se os sujeitarmos a exames como imagiologias por ressonância magnética pode não acusar nada, mas vêem-se diferenças claras em relação aos alunos normais. Essas desordens provocam problemas no processamento de informação, que se reflectem, em termos académicos, nas áreas da leitura, escrita, cálculo e muitas vezes do próprio ajustamento social.


Lembrei-me, quando li isto, dos filhos dos emigrantes portugueses na Suiça. Há um ou dois anos atrás, não me recordo, foram incluídos no ensino especial por terem considerado que o não dominarem a língua lhes trazia dificuldades acrescidas de aprendizagem. Foi um escândalo, que deu origem a protestos diplomáticos, a as autoridades Suiças recuaram e integraram-nos no ensino regular. E bem, na minha opinião.

Tenho uma filha com necessidades educativas especiais. Muito especiais. Tem trissomia 21, mongolismo como o povo diz, e tenho andado atenta às mudanças que por aí vêm. Não por esta nova lei ir mudar o que quer que seja na vida dela, mas porque gosto de saber o que se passa.

A Clara, desde que entrou para a escola, que está integrada no ensino regular. Já lá vão dez anos. Nunca me passaria pela cabeça fazer diferente ou pô-la numa escola especializada.
Não sei se foi só sorte dela e minha, mas desde que nasceu e que nos foi "oferecido", poucas horas depois, o diagnóstico que me pareceu na altura catastrófico, tem tudo corrido dentro da maior normalidade possível. Confesso que nunca pensei que este nosso país, pobre e atrasado, funcionasse tão bem.
Assim que a Clara nasceu foi "referenciada" e comunicada ao Centro de Saúde da minha área de residência a sua existência. A máquina começou a mexer e, até agora, mexeu sempre bem. O processo dela foi enviado para o Hospital Pediátrico de Coimbra, onde começou a ser seguida nas consultas de Desenvolvimento e foi incluída numa coisa chamada PIP - Projecto de Intervenção Precoce. Não tive de fazer o que quer que fosse para que isto acontecesse.
Mal que o coração dela foi remendado, no Serviço Nacional de Saúde, com uma arte que não parecia possível, e ela foi para casa, que teve uma educadora do Ensino Especial, duas manhãs por semana, a ensinar-lhe os primeiros truques.
Quando, aos dois anos, foi para um colégio a mesma Educadora acompanhou-a e passou a dar-lhe lá o apoio que até aí era dado em casa.
Entrou para a escola pública já no Algarve e tudo continuou a correr sobre rodas. Sempre teve, nas várias escolas por onde passou, uma funcionária só para a acompanhar, algo que nunca achei necessário e que ela dispensava, mas que a escola fazia questão de dar. Teve, e tem, professores de ensino especial na escola, psicóloga, terapeuta da fala, actividades alternativas ao curriculum normal, enfim, muito mais do que alguma vez esperei. E não estou a falar de escolas de grandes cidades, mas escolas de província.
A Clara sabe ler, escrever, está integrada na escola e é autónoma há muito tempo. Até já diz ai que merda quando as coisas não lhe correm bem e se eu ralho pela frente esfrego as mãos de contente por trás. Ensino inclusivo!

Há pouco tempo atrás, numa caixa de comentários de um outro blog, tive uma "ligeira" troca de impressões por causa do uso da palavra mongo como sinónimo de imbecil ou estúpido.
A maior parte das vezes dou de barato este tipo de coisas, mas como quem usou o termo foi quem estava a defender a limitação do direito de liberdade de expressão em nome da sensibilidade allheia, achei que devia meter a colherada. É que o ensino inclusivo não ensinou só a Clara. Ensinou os outros todos a viverem com a diferença e a respeitá-la. E, no recreio daquela escola com alunos do 5º ao 9º, pode-se ouvir dizer merda, e a Clara dizer também, mas "mongo" já ninguém usa.
Numa escola especial ela teria "aprendido" melhor? Talvez, mas de certeza que não aprendia mais. E acredito, profundamente, que também tem ensinado muito a todos os que com ela se cruzaram.

Por tudo isto acho que se a nova lei tem como regra a inclusão no ensino regular da maior parte das deficiências, só poderá fazer mais bem que mal. Deixemo-nos lá de ser proteccionistas, que metê-los em algodão em rama com medo dos tombos que possam dar é a pior coisa que se pode fazer a estes miúdos. Mas isto digo eu, que sou uma amadora que teve sorte na vida.

Tenham as escolas capacidade e vontade para receber estas crianças que a inclusão é bem vinda. E se 90% dos alunos com necessidades educativas especiais ficam fora do ensino especial, talvez só lhes venha a fazer bem. À Clara fez!

17 comentários:

Brisa disse...

É uma realidade que desconheço, no entanto creio fundamental para um crescimento saudável a mistura entre as diferenças - motoras, de pele, etc. Mas a diferença gera medo, muito medo. Sobretudo porque haverá quem pense que ser racional a tratar destes assuntos é ser frio e insensível!

sem-se-ver disse...

enquanto professora concordo consigo.

desde que todos os mecanismos de acompanhamento e ensino, aos professores, de como lidar com certas deficiências (como me aconteceu quando tive um aluno invisual), sejam contemplados.

de outra maneira pode ser muito cruel para o aluno em causa.

Teresa disse...

Brisa,
A única forma de tratar destes assuntos é com frieza e racionalidade. Há muito que aprendi uma regra - se não posso mudar a mobília, ao menos pinto as paredes. E quer que seja cruel e racíonal? Quem quiser que se choque, mas desde que a minha filha nasceu que penso que nem tudo teria de ser tão dramático como queriam que fosse, que se um animal pode ser amestrado uma criança também pode ser educada. Felizmente a história que me contaram e a minha realidade e da clara está longe de ser igual. Nunca tive grandes dificuldades e não noto, no dia a dia, grandes diferenças. Mas estava preparada para elas, se infelizmente, fosse tão triste como me quiseram convencer que era.

Sem-se-ver

Achas que nós, os pais, estamos preparados? Quando há vontade e amor pelo que se faz acredita que tudo se ultrapassa. A preparação não tem de nos ser dada, parte em muito de nós e do que queremos fazer. Certo que há deficiências que necessitam de apoios externos, mas o essencial é não entrar em pânico e perguntar, como uma das professoras da minha filha perguntou "isso pega-se"? quase que lhe respondi que a trissomia não se pegava mas que a estupidez era altamente contagiosa...

shark disse...

Gostei muito de ler este post.

sem-se-ver disse...

houve uma professora que te perguntou se se pegava???? :|:|:|

Teresa disse...

houve... que queres que te diga, é incrível, não é?

Anônimo disse...

Tenho tanto a descrever da Clara....bem passava aqui a noite.A Clara foi a primeira criança que conheci com trissomia no meio destes desparates de "professoras" no entanto confesso que ao principio esclamei a mim propria como ia ser!Era novinha na altura e não estava habituada que a outro tipo de pessoas mas que são iguais.A Clara meus caros é igual a si,a mim,é meiga,terrivel quando tem de ser,tem sentimentos e não é coitadinha nem ela nem nos que lidamos com ela muito plo contrario.Apos ter conhecido a Clara fiz voluntariado aos 17anos,fui aceite porque a directora de APPC(associação portuguesa paralesia cerebral)Me perguntou como eu iria olhar para aquelas crianças(adultos) eu respondi:
Da maneira que trato todas as crianças!
Então aprendi muito.....tirem um tempinho dessas viditas chatas e façam uma visita a estas crianças aí vão ver que são iguais como nos!
Ah um abraçinho ao shark(eheh)

Anônimo disse...

Ora, aí está um tema que me apetece sobremaneira comentar. Estou certa de que nada de assertivo diria, que sobre as coisas verdadeiramente importantes tenho muito mais reflexões do que certezas.
Dado o adiantado da noite, vou deixar, no ar, apenas algumas.

A escola está concebida para uma mediania : todos os que estão além, aquém ou aos lados acabam por ser prejudicados. Isso explica que homens como Newton, Einstein e outros tenham revelado insucesso escolar.

O verdadeiro aprendizado processa-se na diferença; até porque a escola deve ser entendida como um trampolim para a vida e, assim sendo, quanto mais fielmente ela reproduzir a realidade social melhor preparará o indivíduo para a sua inserção nesta.

Uma das características do indivíduo, durante a infância e parte da adolescência, consiste na necessidade de busca de padrões "agrupadores" e niveladores, o que explica a sua intolerância à diferença.

As necessidades educativas especiais têm um público- alvo muito diferenciado: sobredotados, crianças de rua, ou de etnias nómadas ou minorias étnicas, crianças de meios desfavoracidos, marginais, crianças com problemas de ordem emocional... para só citar alguns casos. Porque, ao sermos exaustivos, e partindo do pressuposto de que não há dois indivíduos iguais, logo concluiremos da necessidade da personalização e individualização do processo ensino/aprendizagem à razão de um para cada. Tantos processos de ensino/ aprendizagem quantos os objectos desses ensinos.

Os ritmos de aprendizagem, decorrentes dos motivos acima expostos e de uma infinidade de outros impossíveis de referir de forma exaustiva, consequentemente, são os mais variáveis.

Os exames e demais meios de testagem de interiorização da aprendizagem são niveladores promovendo, assim, a esteriotipação do indivíduo.


As interacções família/escola são imprescindíveis, nunca aquela devendo delegar nesta mas, ao invés, consciencializar-se da supremacia da sua influência e importância.

(Ó deuses, perdi, por completo, o controlo do meu pensamento. Isto não é nada fácil! E, depois, o adiantado da hora...
Prometo voltar. Não sei se amanhã, que tenho uns afazeres sociais. Mas voltarei).

Boa noite. Isto é, bom dia.

Anônimo disse...

(E eu retribuo. E eu retribuo!)

cereja disse...

Amiga, este tema diz-me muito, e até deixei um post lá no Pópulo com as minhas dúvidas. Está por aqui e o que disse no corpo do post continuei na caixa de comentários.
Evidentemente que a inclusão é a meta. Creio que todos estarão de acordo, mas... Até as escolas estarem equipadas como deve ser, retirarem os apoios que agora existem, é uma má medida. Mal comparado - como eu comparei no meu blog - foi o que se fez na Saúde. As Unidades de Saúde Familiares, vão ser excelentes. Quando estiverem montadas e disseminadas por todo o país, a saúde dará um grande passo em frente, mas até lá fechar-se o que existe é um erro.
No ensino penso que é parecido. Há inclusões "fáceis". O caso da tua filha e dos meninos como ela, são os fáceis, na minha perspectiva. Para esses nem se discute a inclusão, mas há muitos outros infelizmente muitíssimo mais complicados e que a Escola tal como existe não vai conseguir integrar. É por isso que me parece precipitado retirar o que existe (mesmo que mau) antes de garantir a necessária substituição pelo melhor.

Anônimo disse...

Leitora silenciosa, não podia deixar de te dar os parabéns por este post que prima pela sensatez , bom senso e a coragem de não cair no facilitismo da crítica. É tão fácil criticar. É tão difícil fazer bem. Mas é preciso fazer qualquer coisa, mesmo que não estejam, ainda, reunidas as condições ideais para mudar. Não podemos ficar outros 30 anos à espera de condições. As condições criam-se com as necessidades. Com tanta espera, já perdemos uma geração.
Bem hajas.

Anônimo disse...

(Olha, a Karla. Olá Karla.)

Anônimo disse...

Olá, Shark.

Anônimo disse...

Prometi voltar e voltei. Não que me proponha escrever muito porque muito teria para escrever e muito ficaria, ainda, por escrever. Eu sei que, à primeira vista, pode parecer um paradôxo. Só que, dada a impossibilidade de aprofundar e esgotar o assuto, por um lado, e a inexistência de um só plano de abordagem, pelo outro, terei que ficar pela "rama".
Parece-me óbvio e consensual que a inclusão de todos os alunos será a meta ideal. Que muito já se fez e que muitíssimo falta fazer. E será que, algum dia, se fará o suficiente? ( eu sei, em outros países da Europa, blá, blá, blá...).
E, neste momento, as instituições estão apetrechadas com recursos humanos e materiais por forma a fazer, satisfatoriamente, face ao problema?
Também, aqui, a resposta negativa me parece a mais óbvia e a que reune consenso.
É verdade que " as condições criam-se com as necessidades", como disse a Karla. Mas, entretanto, quais os efeitos colaterais para os implicados? Parece-me que toda a gente concorda que a seriedade e gravidade do problema não se comprazem com experimentalismos. O êxito, aqui, tem que ser uma certeza e não uma eventualidade.
Então, em que ficamos? Não se corre os riscos e fica-se na mesma?
Avança-se mesmo correndo os riscos?
Na minha opinião, na intersecção dessas duas questões é que está a dúvida mas, também, é que pode residir a solução.
Muitos, demasiados factores a ponderar : o grau da deficiência/desvio, a preparação de pais, educadores, etc, o contexto sócio-cultural-etário, etc,etc,etc...
Por isso, na minha modesta opinião, a criação de novos espaços/programas não deve, nunca, ser em detrimento dos já existentes mas concomitante com os eles , e sempre numa perspectiva de os ampliar, reestruturar, em suma, aperfeiçoar.
O número de trapézio, por melhor que sejam os trapezistas, os aparelhos e as demais condições, não deve dispensar a rede. É que a hipótese de riscos, pela excessiva gravidade de que os mesmos se revestem, não deve ser minorada mas neutralizada.
Não sou a primeira a deixar aqui esta ideia: a Emiele parece-me ter posição idêntica.
Perguntaria quantas Claras têm a sorte de ter uma retaguarda como a Ernesta e quantas Ernestas têm a sorte de ter uma vanguarda como a Clara?
Por tudo o que disse, Ernesta, incluindo todo o serviço de estimulação precoce e todo o acompanhamento que pôde dar à Clara, vocês não são o espelho dessa realidade. E sabe-o. E deixa-o transparecer no seu texto.
Além disso, como também já foi referido anteriormente, no caso da Clara, parece-me perfeitamente legítimo, consequente e expectável a sua inclusão no ensino dito normal( utilizo o vocábulo só por comodidade linguística).

Teresa disse...

Mifá,
este ainda vai ser mais difícil de responder, mas preciso só de dizer uma coisinha já. Eu não dei nada à Clara. Ela deu muito e tenho andado a dançar conforme a música que vai tocando.

Teresa disse...

Antes de um grande comentário deixa-me só perguntar-lhe se, por vezes, as condições que faltam sempre não servem de desculpa para o não se fazer, para a falta de empenho, para ir passando a bola e mantendo um status quo mais confortável?

Anônimo disse...

Certamente que sim. E, pelo que observo, a maior incúria deve-se aos pais dessas crianças(e aqui englobo todas as crinças-problema e não as portadoras de deficiência visível a olho nú).
Diz-me a experiência que os pais dessas crianças são os que menos respondem ao apelo de irem às escolas, quer para falar com os directores de turma, quer para participarem em reuniões ou outros eventos.
Já lhe disse que a Teresa não é padrão, neste caso. Embora insista em que não deu nada à Clara, eu continuo ainda mais convicta do contrário. " Andar a dançar conforme a música que ela vai tocando" implica dar muitíssimo; disponibilidade, atenção, compreensão, autonomia, segurança... . No fundo, amor.
( comentarei mais, oportunamente, que ia desligar o computador quando vi o comentário)