A Peste de A. Camus

Este sempre foi um dos meus livros preferidos. A morte a aproximar-se em circulos cada vez mais próximos, o outro, aquele, este, eu. A dor a tornar-se real só quando os olhos a começam a ver.

Gente como eu morre em guerras de que não é soldado. Morre a rir, a ler, a ir para o trabalho, a embalar o filho, a assoar o nariz, a ouvir uma música, a telefonar à mãe. Todos os dias. Em todo o mundo. As noticías entram-nos casa a dentro e fazemos nossas as lágrimas deles. Chamamos nomes às bestas que morrem para matar, juramos vingança no sofá da sala, indignamo-nos, protestamos, fazemos coro com todos e vamos para a rua, assinamos petições online, tentamos resolver os problemas do mundo. E levantamo-nos e vamos buscar o copo de água à cozinha. A nossa vida vai continuando, que a morte anda lá longe.

Há quatro anos atrás acordei com as imagens de Atocha. E antes de chamar nomes, jurar vingança, protestar, gritar, indignar-me e todas aquelas outras coisas que se fazem nessa altura, gelei de medo. Ali, onde estavam aqueles pedaços de pessoas espalhados pelo chão, ali, naquele sítio que o horror tinha escolhido para começar a manhã, tinha estado eu uma semana atrás. A rir, no meio de amigos, a apanhar o Ave para Sevilha. Na minha vida, pequenina, como todas as vidas que ali acabaram naquela manhã. Vidas que pensamos tão simples que não vão dar histórias grandes. Vidas tão banais que não poderiam acabar assim, transformadas em bandeira de gente doente.
A Peste. Vai-se aproximando em circulos cada vez mais apertados e só nos dói quando a dor nos começa a tocar.
Há 4 anos atrás a dor de Atocha tocou-me de muito perto e por muito que não queira, por muito que pense que é um tremendo egoísmo medirmos o mundo a partir do nosso umbigo, não há nada que possamos fazer excepto sermos honestos e reconhecermos que nos dói mais quando nos toca mais de perto.
E Atocha dói-me. Muito.

6 comentários:

Anônimo disse...

a peste também é um dos meus romances favoritos. muitas, muitas vezes,sentimo-nos como pequenos insectos, perante o absurdo da existência.
Parabéns pelo excelente post!

Anônimo disse...

Ò xôdona, isto é uma posta de se lhe tirar o chapéu, a camisa, a roupa toda... (Tudo isto em sentido figurado, naturalmente. E por "lhe" entenda-se a posta que eu não quero más interpretações).
Tudo isto para dizer aquilo que resta a um cliente satisfeito.
Um gajo paga (esta traz água no bico, mas...) mas sai sempre com a sensação de que valeu a pena (associando a pena ao bico vê-se logo que estou a falar de aves raras).
Ganda posta.
Festival de emoção.

Anônimo disse...

(É pá, tanta revienga nos trocadilhos e afinal a coisa lida de fora soa mesmo esquisita. É a isto que chamam um acto falhado?
Mas a posta, fónix, justifica o balancé no trapézio...)

Anônimo disse...

No Sul do Líbano também. Foi em 1982, em Shatila e em Sabra, estava lá o Dr. Fernando Nobre.
JCFrancisco

Brisa disse...

Ainda bem que só dói quando nos toca mais de perto! Já me dizia um amigo: não fiques infeliz quando chove só porque há pessoas que não têm um tecto seco; aproveita, sim, o prazer que a chuva te dá, pois nunca se sabe o dia de amanhã. Se calhar a perdemos tudo, nessa altura vai saber bem reviver as boas emoções. Temos de ser felizes enquanto podemos.
Beijinho grande.

Anônimo disse...

bibi timur

bj

z