Burla?

A história vem hoje no Jornal de Notícias, mas por aqui já era conhecida e, confesso, a primeira vez que a ouvi arquivei-a na categoria "mitos urbanos", junta com as tarântulas nas bananas e os rebuçados com droga.
Pelos vistos, ou lido, é para levar a sério.

Dezenas de empresários de construção civil da Grande Lisboa e Margem Sul do Tejo estão a ser burlados num esquema que, no ano passado, já conduziu a prejuízos da ordem de um milhão de euros. Em causa está um método que passa pela proposta de compra de habitações em prédios mediante a entrega de um sinal. Quem faz o negócio é uma família, mas a casa é ocupada de imediato por várias outras que transformam a vida do prédio num verdadeiro inferno. O objectivo é levar o empresário a romper o contrato, com a consequente obrigação legal de pagar ao comprador o dobro do sinal.

Pelo menos 20 casos, com base em queixas, estão já a ser investigados pela Polícia Judiciária (PJ) de Lisboa e pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP), mas as autoridades acreditam que muitas outras burlas já terão ocorrido. "É normal em situações destas. Muitas vezes os lesados tentam chegar a um acordo, ou simplesmente pagam para não terem mais problemas", apontou ao JN uma fonte judicial.

Dois ou três grupos familiares estão já identificados, suspeitando fortemente as autoridades de que os mesmo têm origem na comunidade cigana, onde o método começa a ser bastante conhecido.

Acho que foi por esta razão que não acreditei na história da burla. Pensei que até podia ter acontecido alguma coisa, mas teria sido só um construtor em pânico, com medo de deixar de fazer negócio por ter uma família cigana a viver no prédio.
Se foi ou não não sei, que dificílmente alguém saberá agora como tudo começou, já só se sabe como está a ser aproveitado:

Os contactos entre alegados burlões e as vítimas são feitos de forma directa e normalmente na rua, junto ao apartamento alvo da compra. Regra geral, são escolhidos prédios com outros andares em venda.
São dois ou três os indivíduos, bem vestidos e com bons carros, que abordam o construtor. O acordo é selado com a assinatura de um contrato-promessa de compra e venda e o pagamento de um sinal vultuoso. Exigem, no entanto, a ocupação quase imediata da habitação, alegando uma necessidade premente, o que pode acontecer no imediato ou poucos dias depois.

É feita a mudança, mas ao invés da família esperada começam surgir na habitação inúmeros elementos da mesma etnia. Daí passam à criação de um ambiente hostil no prédio, em particular barulho e confusão. Na rua a estratégia é a mesma. "Qualquer outra pessoa que queira comprar ali casa, fica naturalmente de pé-atrás", disse uma fonte policial ao JN.

Ao empresário, resta, duas alternativas negociar a saída a bem, pagando, ou romper o contrato, ficando obrigado por lei a pagar o dobro do sinal. Qualquer que seja a opção sai sempre a perder.

Pois sair sai, mas daí até conseguir provar que isto seja uma burla vai um longo caminho. É que mesmo que a intenção seja só ganhar dinheiro fácil, não estão a fazer nada de ilegal, nem a enganar ninguém. Estão lá, mais nada. E ao vendedor restam poucas saídas. Não pode invocar o facto de ter sido enganado na venda, porque nesse caso teria de dizer que se soubesse que quem iria ocupar a casa era uma família cigana não faria o negócio e isso cheira demasiado a discriminação para poder ser aceite como um argumento válido.
Fazem barulho no prédio, incomodam a vizinhança? Isso pode ser um caso de polícia, mas não me parece que seja o problema. A única coisa que está aqui em jogo, e sejamos sinceros, é uma ou várias famílias ciganas a habitar um prédio onde não seria "suposto estarem que a vizinhança incomoda-se"...

Burla? Acredito que se ganhe bom dinheiro assim, mas alguém pode ser acusado de burlão se todos os seus comportamentos são legais, não está sequer a abusar da lei, e só sai a ganhar porque quem paga não quer, ou não pode reconhecer, que a descriminação existe e que pode perder dinheiro à conta dela?

Temos todos Calcanhares de Aquiles e, neste caso, estão a ser aproveitados por quem os pode aproveitar...

7 comentários:

Brisa disse...

Já tinha ouvido esta história, mas há muito, muito tempo atrás. Nunca percebi se seria verdadeira. Se for, não me admira: cada um faz o que pode para ganhar dinheiro fácil. E que os ciganos da fama não se livram...!

cereja disse...

Chamar-lhe burla, é forte.
Contudo, se for tal como contam é um truque, sem dúvida. E a repetição de um truque que trás benefícios económicos, faz pensar. A solução seria, se fosse dente por dente, alugar todo o resto do prédio a outras famílias ciganas, mesmo que tivesse de indemnizar quem já lá estivesse a morar antes.
A verdade é que os ciganos têm todo o direito a manter os seus hábitos e tradições, mas... quem não é cigano também! E se o meu hábito e gosto é viver sossegado, em silêncio, e sem confusão, por alma de quem é que não o posso fazer?!
O respeito é uma estrada com dois sentidos. Aceito os usos dos outros e não os quero incomodar, mas também espero que também aceitem os
meus, por isso vivo em sociedade.

Teresa disse...

Pensei nisso que disseranm as duas antes de escrever este post. É óbvio que já é um truque, mas também me parece que estão a lidar com isto da forma errada.
Claro que o respeito é uma estrada de dois sentidos, e por isso digo que se há barulho e violência é um caso de polícia.
O que se passa aqui é o velho provérbio da casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. a maior parte dos construtores estão atolados em empréstimos e precisam de vender rápido para não serem sugados pelos juros. Quando são apanhados assim tentam resolver o mais depressa possível aquilo que consideram um problema e uma má publiciddade. Não podem correr o risco de perder vendas e pagam para tentar "limpar" a vizinhança. Isto é nitidamente um caso de descriminação e de pânico, que se deixassem que o contrato fosse cumprido e fizessem a escritura o tal "truque" deixaria de fazer sentido. Há regras de convivência que têm de ser cumpridas por todos e, o que poderia acontecer no final, era que quem não as conseguisse ou não pudesse cumprir teria de vender a casa.
Simples e sem se abrir o caminho a atitudes que são discriminatórias...

Teresa disse...

Bem, vou já dizer onde é que, nesta história, o gato deixa o rabo de fora...
Apesar de ter dúvidas quanto à burla, que é um truque é óbvio e, quanto mais não fosse, por uma pista legal.
Segundo a nossa legislação o vendedor não se pode nunca recusar a vender. Se recebeu sinal tem de fazer a escritura, mesmo que esteja disposto a devolvê-lo em dobro ou tyriplo ou o que seja. A lei protege sempre, e até demais, na minha opinião, o comprador, portanto se a intenção destas famílias fosse comprar a casa de certeza que o conseguiriam fazer. Ainda por cima já vivendo lá. A isso chama a lei "tradição da coisa" e se estivermos a falar de uma casa de habitação o comprador, desde que pague, tem sempre direito a comprar...

Pronto, tenho dito, que não gosto de fazer batota e agitar bandeiras sem ser justa para os dois lados.

cereja disse...

Como eu não tenho uma simpatia por aí além por esse tipo de construtores arraçados de patos-bravos, estive hesitante antes de escrever o primeiro comentário. Era esquisito porque não conseguia ter simpatia por nenhum dos lados, talvez apenas por quem tinha começado por comprar as casas de boa fé e agora tinha perdido o seu sossego.
Eu sei muito bem que quando se começa a dizer «eu não sou racista [ou xenófoba ou qualquer porcaria dessas] mas..» vem logo de seguida um grande arrazoado racista ou seja o que for. Por isso não vou usar o mas.
Acontece que vivo num bairro e numa casa há dezenas de anos. É um normalíssimo bairro de Lisboa. Vivia aqui perto um grupo de ciganos. Durante muitos anos, tudo normal, respeito mútuo. Sempre se estranhou ao ver à porta de casas por fora com péssimo aspecto, estacionados carros de topo de gama, daqueles que eu só via em revistas. Mas cada um sabe de si. Só que às tantas começaram a invadir o meu bairro. Estacionavam esses carrões no meio da minha rua entre as 23 e a 1 da manhã, com o som da aparelhagem aos berros, e ali ficavam em grandes grupos a conversar, a gritar, a cantar, a discutir. Um pandemónio. Se algum carro queria passar, ia dar a volta por outro lado para não os incomodar. Ligava-se para a esquadra, mas quando apareciam uma hora depois já lá não estavam.
A minha casa dá para um largo, e tem uma entrada com umas escadas largas. Durante meses havia dias inteiros onde grupos de ciganas se sentavam nas escadas, ocupando todo o espaço com as saias abertas, e se eu queria entrar ou sair do meu próprio prédio tinha de pedir «com licença» 10 vezes antes de ser ouvida, que a conversa era aos gritos e nem me viam.
Uma vizinha minha, chocou o seu carro com um desses carrões ciganos. A culpa não era obviamente dela, como quem foi à janela podia ver, mas o outro carro foi tirado dali num ápice, e aparecerem 50 testemunhas com uma versão diferente e ela ficou com o carro amolgado e nem quis reclamar, assustada.
São este tipo de coisas que me irritam. Podia contar muitas mais, mas sinto que há uma demasiada discriminação positiva, e por outro lado alguma intimidação. Não gosto.
(isto sem pôr em dúvida que, noutros locais, as coisas sejam até mesmo ao contrário!)

Anônimo disse...

acho cá uma graça quando as pessoas dizem eu cá nao tenho nada contra eles desde que blá bla!enfim...os sr.doutores se em vez de estarem nos seus gabinetes a decidir quem vai morar para onde,vao ate ao terreno perguntem lhes o que querem,não decidam pelas pessoas onde e com quem elas devem morar isto relativamente aos ciganos,se em vez de os porem a morar em predios de 10andares junto à chamada civilizaçao,metam nos em casas terreas viradas entre si e longe, vao ver que eles agradecem...quem vos disse que eles acham normal, voces sairem dos vossos empregos e fecharem-se em casa e só verem a familia ao domingo nos tipicos almoçinhos!quem é quem para dizer como se deve ou não viver?

Teresa disse...

Alguns senhores doutores se calhar até vão (e até sei o que digo) mas a nossa sociedade não está preparada para aceitar a diferença e tornando tudo igual é mais fácil para a estatística...