Há exactamente dois anos atrás estava em Coimbra, numa festa de aniversário. A casa dá para uma rua com bastante trânsito e não foi o barulho da miudagem na sala que nos impediu de ouvir um estrondo grande e travões a chiarem. Não havia dúvidas possíveis, acidente. A primeira espreitadele deu-nos o retrato geral - alguém tinha sido atropelado na passadeira. A partir daí foi a confusão habitual nessas situações, com gente a chegar, sirenes de polícia, ambulâncias, INEM e a parafrenália do costume. Lembro-me bem da nossa angustia durante quase meia hora, enquanto seguimos as tentativas do médico do INEM para reanimar a senhora que estava no chão e do horror que sentimos quando declarou a morte. No meio da estrada estavam os papo secos que ela tinha ido comprar e que nunca chegaram a casa.
Há dois ou três dias voltei a lembrar-me disto. Estava a ler o jornal e vi num titulo "condutor condenado a dois anos e meio de prisão efectiva". Mal que comecei a ler achei que era "aquele acidente" e era, que a data e o local não deixavam dúvidas.
Dois anos e meio de prisão efectiva. Um miúdo de vinte e três anos. Não estava alcoolizado, não acusou drogas. Dois anos e meio.
É justo? É justo em relação a quê ou a quem?
Dois anos e meio por uma vida? Seria sempre muito pouco. Dois anos e meio por uma conduta irresponsável, por excesso de velocidade que leva a atropelar uma pessoa na passadeira sem sequer ter tido tempo para travar? Acho que é justo.
Acabei de ler um artigo sobre o tal taxista, que já toda a gente conhece, que atropelou quatro crianças numa passadeira.
Acho alguma graça ser "o taxista". Se o homem fosse chinês alguém se atreveria a escrever "chinês etc e tal"?. Sim, um taxista é um condutor profissional, deveria ter ainda mais cuidados, mas o outro lado desta moeda é que também tem muito mais horas de estrada e, estatísticamente, mais possibilidades de se distrair.
Sim. Conheço os factos. Atropelou quatro crianças na passadeira. Fugiu. Acusou alcool no sangue.
Apresentou-se na esquadra uma hora depois. Não foi inibido de conduzir e muito menos foi detido.
Levantam-se as vozes da indignação - horror! Como é possível? Como pode uma "besta" assim não ter sido logo morto no local do crime? (bem, o homem diz que não parou, apesar de ter chamado o 112, exactamente por ter tido medo de ser morto e, pelos comentários que já li, deve ter razão...).
Vou, mais uma vez, dar-me à morte, mas teria sido perfeitamente capaz de defender este homem. Consigo perceber tudo o que lhe aconteceu. Consigo perceber a distracção - nunca tiveram um acidente? eu já. não atropelei ninguém, mas enfiei o carro num muro... - consigo perceber a taxa de álcool - errado, eu sei, mas 0,92 gr são, com sorte, 3 ou 4 copos de vinho - e não implica que estivesse alcoolizado e consigo perceber a fuga. Eu não o faria, mas percebo o pânico, percebo que deve ser um horror ver crianças a ficarem debaixo do nosso carro, percebo o fugir para a frente (desde que a história seja como ele a conta e tenha ligado para o 112...), percebo o rebate de consciência e o ter-se apresentado na esquadra. Não tenho de desculpar nada disto, mas percebo.
Já consigo é ouvir os gritos do "e se fossem as minhas filhas? " Se fossem as minhas filhas estaria com elas no hospital e não teria, infelizmente, tempo para tentar perceber tudo isto. E, se fossem minhas filhas, não deixavam de estar em coma pelo facto de querer pendurar o gajo no candeeiro mais alto da avenida. Mas deve ser por estas razões que quando é com as nossas filhas mandam as regras que não se julgue. Só um idiota deixaria que o juiz deste homem fosse pai ou mãe destas crianças. Imparcialidade, não é? Portanto esse argumento de "e se fossem..." cai já por terra, se não se importam...
Não sei o que vai acontecer a este homem, mas continuo a acreditar que a justiça não precisa de linchamentos populares para ser eficaz. O outro, o da história lá de cima, está neste momento a cumprir os tais dois anos e meio de cadeia. Justa, na minha opinião.
Sabem o que não percebo nem desculpo nesta história? Isto:
Há duas crianças no hospital, uma das quais entre a vida e a morte e com a sua identidade devassada - um canal de televisão não se inibiu de mostrar, sem qualquer pudor, uma fotografia dela contorcendo-se no chão da passadeira.
Tem graça que não ouvi chamar besta a ninguém do tal canal, que nem sei qual é, que cá em casa, pelo sim pelo não, só se vêem desenhos animados...
Podemos é comparar atitudes. Há alguém, vamos supôr que um repórter, que tira uma fotografia. Até aqui percebo, que o instinto da notícia está lá e tem mais é que funcionar. Essa fotografia vai para uma redacção de uma televisão. É vista por vários jornalistas, editores, redactores, chefes de redacção. Já não se pode falar num impulso, num momento de pânico, como ali o do taxista, que não lhes faltou tempo para pensarem. A fotografia foi para o ar em nome do "furo" e da concorrência e esteve-se tudo nas tintas para as crianças. Mas tenho a certeza que não se coibiram, durante a reportagem, de apontar dedos ao malandro do taxista...
A estes gajos, a estas bestas, eu não defendia de certeza, que aqui não percebo nem desculpo e todas as justificações que aparecem para a escolha que fizeram são demasiado feias...
Isto sim, acho um nojo. Aqui sim, acho que falamos de bestas e não de gente decente.
P.S. - O Editorial que linkei é do Diário de Notícias. Estes que agora apontam o dedo ao tal canal de televisão foram os mesmos que publicaram a fotografia da Alexandra Neno, moribunda, meia despida, e com o INEM a tentar reanimá-la. Muito lixo para um taxista só...
Há dois ou três dias voltei a lembrar-me disto. Estava a ler o jornal e vi num titulo "condutor condenado a dois anos e meio de prisão efectiva". Mal que comecei a ler achei que era "aquele acidente" e era, que a data e o local não deixavam dúvidas.
Dois anos e meio de prisão efectiva. Um miúdo de vinte e três anos. Não estava alcoolizado, não acusou drogas. Dois anos e meio.
É justo? É justo em relação a quê ou a quem?
Dois anos e meio por uma vida? Seria sempre muito pouco. Dois anos e meio por uma conduta irresponsável, por excesso de velocidade que leva a atropelar uma pessoa na passadeira sem sequer ter tido tempo para travar? Acho que é justo.
Acabei de ler um artigo sobre o tal taxista, que já toda a gente conhece, que atropelou quatro crianças numa passadeira.
Acho alguma graça ser "o taxista". Se o homem fosse chinês alguém se atreveria a escrever "chinês etc e tal"?. Sim, um taxista é um condutor profissional, deveria ter ainda mais cuidados, mas o outro lado desta moeda é que também tem muito mais horas de estrada e, estatísticamente, mais possibilidades de se distrair.
Sim. Conheço os factos. Atropelou quatro crianças na passadeira. Fugiu. Acusou alcool no sangue.
Apresentou-se na esquadra uma hora depois. Não foi inibido de conduzir e muito menos foi detido.
Levantam-se as vozes da indignação - horror! Como é possível? Como pode uma "besta" assim não ter sido logo morto no local do crime? (bem, o homem diz que não parou, apesar de ter chamado o 112, exactamente por ter tido medo de ser morto e, pelos comentários que já li, deve ter razão...).
Vou, mais uma vez, dar-me à morte, mas teria sido perfeitamente capaz de defender este homem. Consigo perceber tudo o que lhe aconteceu. Consigo perceber a distracção - nunca tiveram um acidente? eu já. não atropelei ninguém, mas enfiei o carro num muro... - consigo perceber a taxa de álcool - errado, eu sei, mas 0,92 gr são, com sorte, 3 ou 4 copos de vinho - e não implica que estivesse alcoolizado e consigo perceber a fuga. Eu não o faria, mas percebo o pânico, percebo que deve ser um horror ver crianças a ficarem debaixo do nosso carro, percebo o fugir para a frente (desde que a história seja como ele a conta e tenha ligado para o 112...), percebo o rebate de consciência e o ter-se apresentado na esquadra. Não tenho de desculpar nada disto, mas percebo.
Já consigo é ouvir os gritos do "e se fossem as minhas filhas? " Se fossem as minhas filhas estaria com elas no hospital e não teria, infelizmente, tempo para tentar perceber tudo isto. E, se fossem minhas filhas, não deixavam de estar em coma pelo facto de querer pendurar o gajo no candeeiro mais alto da avenida. Mas deve ser por estas razões que quando é com as nossas filhas mandam as regras que não se julgue. Só um idiota deixaria que o juiz deste homem fosse pai ou mãe destas crianças. Imparcialidade, não é? Portanto esse argumento de "e se fossem..." cai já por terra, se não se importam...
Não sei o que vai acontecer a este homem, mas continuo a acreditar que a justiça não precisa de linchamentos populares para ser eficaz. O outro, o da história lá de cima, está neste momento a cumprir os tais dois anos e meio de cadeia. Justa, na minha opinião.
Sabem o que não percebo nem desculpo nesta história? Isto:
Há duas crianças no hospital, uma das quais entre a vida e a morte e com a sua identidade devassada - um canal de televisão não se inibiu de mostrar, sem qualquer pudor, uma fotografia dela contorcendo-se no chão da passadeira.
Tem graça que não ouvi chamar besta a ninguém do tal canal, que nem sei qual é, que cá em casa, pelo sim pelo não, só se vêem desenhos animados...
Podemos é comparar atitudes. Há alguém, vamos supôr que um repórter, que tira uma fotografia. Até aqui percebo, que o instinto da notícia está lá e tem mais é que funcionar. Essa fotografia vai para uma redacção de uma televisão. É vista por vários jornalistas, editores, redactores, chefes de redacção. Já não se pode falar num impulso, num momento de pânico, como ali o do taxista, que não lhes faltou tempo para pensarem. A fotografia foi para o ar em nome do "furo" e da concorrência e esteve-se tudo nas tintas para as crianças. Mas tenho a certeza que não se coibiram, durante a reportagem, de apontar dedos ao malandro do taxista...
A estes gajos, a estas bestas, eu não defendia de certeza, que aqui não percebo nem desculpo e todas as justificações que aparecem para a escolha que fizeram são demasiado feias...
Isto sim, acho um nojo. Aqui sim, acho que falamos de bestas e não de gente decente.
P.S. - O Editorial que linkei é do Diário de Notícias. Estes que agora apontam o dedo ao tal canal de televisão foram os mesmos que publicaram a fotografia da Alexandra Neno, moribunda, meia despida, e com o INEM a tentar reanimá-la. Muito lixo para um taxista só...
8 comentários:
É que tás mêmo a pedi-las com esta mixórdia de alhos e bugalhos, ò minha.
Mas eu vou deixar que outrém dê início às hostilidades (nunca gostei de mandar a primeira pedra...).
(Já te mandei aquilo, vê lá se ficou como te faz falta. Sim, eu sei, que seria de ti sem este verdadeiro help desk multifunções...)
:-)
eu concordo contigo!
à primeira vista parece um crime sem perdão mas bem vistos os pormenores...
eu nunca atropolei ninguém, mas já ia atropelando. e apesar de ser na passadeira eu não teria culpa nenhuma pois o miudo apareceu a correr de trás de um muro e nem parou...
mas era na passadeira e parece que para atravessar nas passadeiras não são precisas cautelas!
No jn também vinham as fotos das crianças, embora num formato muito pequeno e ao longe.
mesmo assim não gostei: achei um atentado ao pudor e uma falta de dignidade de quem publicou.
(também estava em coimbra na altura desse acidente e relativamente perto. penso que te referes a um atropelamento na solum, perto do macdonald's)
Minha cara,
se te dá algum conforto, volto a estar de acordo contigo.
Só não tenho a certeza se considero justa a pena de dois anos e meio de prisão para o jovem de Coimbra. Sinceramente, acho que trabalho cívico em local onde tivesse que lidar com vítimas de acidentes de viação seria muito mais preventivo e proactivo (conceito tão usado actualmente).
E, tal como já disseste, já sei que vamos levar com a artilharia pesada...! (aqui tenho uma vantagem, sendo ex-artilheira, sei que os primeiros tiros são à zona...!)
shark,
avança com a artilharia que estou à espera...
Não confundo, penso, alhos e bugalhos. Tentei analisar factos e perceber as atitudes que lhes estão por detrás.
No caso do taxista, e sem mais informação, posso ver negligência e não dolo. Certo que essa negligência teve consequências dramáticas, mas tenho a certeza que ele, se pudesse escolher, nunca teria atropelado as miúdas.
No tal canal de televisão vejo canibalismo consciente. Puderam optar, tiveram tempo para isso, não era um directo, e escolheram mostrar uma fotografia, ganhar mais uns pontos na guerra das audiências usando para isso uma criança. Fizeram tábua rasa dos direitos dela, da sua dignidade, da sua privacidade, não respeitaram a dor, venderam sangue.
(o resto recebi, usei e agradeci... beijo)
ângela,
Talvez o trabalho para a comunidade fosse uma opção, mas a pena de prisão talvez seja mais eficaz. Neste caso acho justa.
Salta-Pocinhas,
Estamos a falar de um acidente na Solum, mas o que descrevi foi na esquina do Magistério, em frente aos prédios de tijolo. Se conheces a zona, e já vi que sim, sabes a que me estou a referir.
Ora bem, a artilharia.
E claro que me restrinjo ao taxista, acerca do qual a tua posição me assusta. E assusta porque se prevalecerem opiniões como a tua eu deixo de querer morar aqui.
O asco de pessoa, se me permites o devido enquadramento, capaz de num mesmo dia violar o código de conduta profissional (conduzia embriagado), o código da estrada (não me venham com pessoas "subitamente" aparecidas numa passadeira pois estas estão devidamente sinalizadas e a ideia é abrandar à vista), a moral mais elementar (atropelou e fugiu, com tanta pressa que literalmente passou por cima de uma das suas vítimas), a decência mais básica (foi denunciado por um colega, só depois se entregou de forma "voluntária") e tu achas que é um simples caso de negligência?
Defensável?
Não posso aceitar uma posição assim, jamais.
Porque as atenuantes são nenhumas, Teresa, nenhumas para uma aberração assim.
Não me lixes, é este o tipo de pessoa que queres ver a circular pelas ruas com um transporte público nas mãos?
Então força, defende este e estende o tapete vermelho aos seus imensos potenciais imitadores.
Não sei porquê, mas parece-me que a Teresa gosta de provocar as discussões ! Ou então é mesmo assim, sei lá ...
Gosto mesmo de ser advogada do diabo...
assustam-me os consensos.
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