Alguém sabe os números do próximo euromilhões?

Há alturas em que penso que um condenado à morte tem uma imensa vantagem sobre nós, ignorantes do destino - sabe que aquele é o último cigarro.
Hoje perdi uma das minhas filhas. Acontece muita vez, que a Clara não tem paciência para compras e "desenfia-se" de mansinho. Normalmente não me preocupo, que ela tem um GPS incorporado - quem se perde somos nós dela, não é ela de nós. Sabe sempre onde está e como voltar onde já esteve. Não sei como faz, mas também não sei como consegue pegar numa de mil peças de um puzzle e dizer é aqui.
Hoje assustei-me. Muito. Não estive sem a ver mais tempo que o habitual, não estávamos num sítio desconhecido e não era véspera de natal, com milhares de pessoas a tropeçarem em corredores. Assustei-me porque lhe tinha dado uma palmada. Há muito tempo que não dava uma palmada à Clara e hoje senti-me demasiado mal - sim, ela não queria largar o Noddy das moedinhas e embalo, mas seja como fôr é uma adolescente a levar uma palmada no rabo.
A Clara sempre gostou de testar os limites todos e tive bastantes desaguizados por isso. Nunca pedi licença a ninguém para dar uma palmada a qualquer uma das minhas filhas, fosse onde fosse, mas com a Clara era sempre complicado. Senti várias vezes olhares cravados nas minhas costas e, muitas mais ainda, perguntei a perfeitos desconhecidos, que resolviam opinar, se sabiam fazer melhor e se se ofereciam para me ensinar. Nunca me recusei a aprender, fosse o que fosse.
Eu e a Clara vivemos juntas desde o dia em que foi feita e, excepto a filmes pornográficos, onde também eu nunca fui mas devia ter ido, sempre foi comigo para todo o lado, que nem outra coisa podia ser ou fazer. Já andámos pelo Bairro Alto num sábado à noite, já fomos jantar ao Bica do Sapato e já esteve em várias reuniões de negócios. Mães sozinhas são assim - dois em um como os shampoos ( neste caso é mais três em um, que as gajinhas são duas...).
Mas a Clara é a Clara e tem um feitiozinho levado da breca. Sabe quando pode esticar a corda toda e sabe demasiado bem como nos levar muito para além dos limites da paciência. Usa e abusa do coitadinha da menina e que cabra que é a mãe.
Hoje levou uma palmada em público e, a seguir, desapareceu. Nada de novo, como já disse, mas na minha cabeça passou tudo. Por vários minutos, que me pareceram horas, só me lembrava da palmada e de como tinha sido a última coisa que tinha feito com a minha filha.
Encontrei-a nas escadas rolantes. Eu para baixo e ela, cool as usual, para cima. Embrulhei-me no vestido a tentar subir o que descia, ouvi impropérios de todo o tipo, mas apanhei-a à saída.
É estranha a nossa vida - nunca se sabe se faz um zig ou um zag e se aquele cigarro foi só mais um ou o último.
Só mesmo no corredor da morte, mas não lhes gabo a sorte...

5 comentários:

Anônimo disse...

Ernesta consigo entender o que descreve sobre a Clara,mas,ao mesmo tempo sinto que não ha palavras para a descrever!
Clara para alem de ser a Clara é um retrato do que a Ernesta fez desde que ela nasceu!
E desculpe copiar a frase mas:
"tiro-lhe o chapéu"
A si Ernesta!
beijinhos,ja tenho saudades não se esqueçam da cola super 3

Teresa disse...

descansa. este fim de semana não falha, que cada dia que passa lhe tenho mais vontade.

Anônimo disse...

So somos vil quando tem que ser!

ana v. disse...

Parabéns, Ernesta. Não só pela maneira como fala da Clara mas por tudo o resto. Ouvir uma mãe dizer que trata uma criança destas como qualquer outra é comum (e desejável), mas nem sempre é verdade. No seu caso é verdade mesmo: se lhe dá uma palmada no rabo e se fala disso sem qualquer problema, é porque não a distingue MESMO de outro filho qualquer, que precisasse da palmada. Por isso lhe dou os parabéns e lhe tiro o chapéu, pois claro!
Além disso gostei do seu blog. Vou linká-la lá para o Porta do Vento.
Bjs

Teresa disse...

av
Obrigada pelo link e pelo resto. garanto que é bom de ler, que nem sempre o feed back é assim....