O FUNGÁGÁ DA BICHARADA (parte 1)

É impressionante a quantidade de animais que povoam o leque de insultos ao alcance do português comum. Quase tudo quanto é bicho serve de pedra de arremesso num acesso de fúria, na maioria dos casos em flagrante injustiça para com os nossos pobres parceiros deste mundo cão.

Vejamos já a abrir um animal que muito nos diz: a cabra. Ninguém consegue explicar-me (como se eu fosse ainda mais burro do que o propriamente dito) porque é que chamar cabra implica rotular alguém como antipática ou mal intencionada na forma de reagir.

Da mesma forma, não vejo porque havia o porco de ser associado a hábitos de higiene paupérrimos. Até porque muitas pessoas deixam algo a desejar na matéria no confronto directo com os suínos. E o mesmo raciocínio conduz-me ao pato, esse simpático palmípede que agora para além de ser protagonista de um arroz ainda nos serve para identificar um lorpa. Ou ao camelo e ao urso, ambos a designarem uma espécie de tanso ainda mais asno do que a ave atrás citada. E claro, a inevitável galinha, que acumula a personificação da estupidez típica de um calhau com olhos (no feminino, claro) mais o seguidismo típico de uma ovelha das que não bebem groselha (B! Sweet, a publicidade faz de mim o que quer), restando ainda a versão cobardolas que o insulto pressupõe.

 

Mas ainda existem ofensas mais ferozes (acima de tudo para com os animais). A raposa, a ratazana e o furão, por exemplo, vestem aquele tipo de pessoa manhosa e capaz de tudo para levar a água ao seu moinho.

Já a melga, esse meu ódio de estimação, veste na perfeição o conceito com duas pernas da figurinha que só serve para apoquentar os outros. A varejeira acrescenta-lhe o gosto pelos assuntos de merda, pelo que acaba por ser uma espécie de especialização da coisa.

A vaca, por seu turno, é uma mártir nas bocas de quem pretende catalogar uma mulher fácil e isso acontece porque é feio chamar puta a alguém, mesmo que desempenhe a função de borla, só por praticar muitas vezes e/ou com muita gente em curto espaço de tempo. E talvez por associação de ideias surge em cena o boi, esse cornúpeto (ou cornípeto) cujas proeminências na testa identificam com clareza o homem atraiçoado naquilo que constitui o insulto mais rebuscado do reino animal (pois o insultado é um bovino passivo, sendo a respectiva vaca a única agente activa no incidente que justifica ambos os cognomes).

 

Contudo, um dos mais despropositados insultos com nomes de animais é o de filho de um cão. O cão é o melhor amigo do homem e não merece uma injustiça tão flagrante. Além disso, ninguém faz a mínima ideia de qual a essência da injúria em causa. Porque não filho de um coelho ou de uma andorinha-do-mar? Fazia o mesmo efeito, às tantas…

Por outro lado, apelidar alguém de barata (para além da conotação com a falta de qualidade típica de uma loja do chinês) é um bom recurso para identificar pessoas que olhamos  como vermes abjectos que gostaríamos (salvo as devidas proporções) de ver esborrachadas (por distracção ou assim) sob a sola da doc martens do Criador.

 

E só para acabar, que a posta já vai extensa como o pescoço de uma girafa (isto será insulto?), recordo outros bichos cujas características servem de analogia para as similares nos humanos. Entram aqui o caracol, a hiena, o abutre, o papagaio e a baleia, entre muitas outras espécies.

Claro, já que falo de um habitante dos mares ocorre-me logo o tubarão, esse animal belo e portentoso que serve uma infinidade de epítetos. Desde sinónimo de predador implacável (na economia de mercado e noutras) a pessoa de enorme apetite (das que sabem comer como deve ser), chamar a alguém “tubarão” nunca constitui um insulto propriamente dito (e por isso tem um estatuto especial na escala que enumerei nesta primeira abordagem ao fascinante tema da fauna dos insultos).

E todos sabemos que essas coisas nunca acontecem por mero acaso…  

25 comentários:

Visconde de Vila do Conde disse...

Dasse!...

(ganda post, man!)

Visconde de Vila do Conde disse...

Eu ía aqui escrever sobre um assuno que me incomodou deveras: os meus olhos viram o Shark em promoção na FNAC. 9 Euros e noventa, caixa de lata, edição de coleccionador...

(vai esgotar)

Mente Quase Perigosa disse...

Valha-me Nossa Senhora da Agrela!!!!!

Não sei que me assusta mais:

1) O tamanho do post e todas as suas implicações (e o cabrão? e a lesma? e o rato?)

ou

2) O comentário do Visconde. Quem é que o andou a estragar hoje, Visconde?

Mente Quase Perigosa disse...

(hoje vou à fnac)

shark disse...

A minha jovem e precipitada amiga Peixa pode reparar melhor no títalo da obra antes de abrir parêntesis sem mai-nem-menos?
:)

shark disse...

Dasse? Horácio, quem lhe deu permissão para utilizar o nick do Senhor Visconde?
Já vi processos disciplinares inconsequentes começarem por menos...

(Obrigado, rapaz!)

Mente Quase Perigosa disse...

Eu vi...

Mas sim, sou precipitada. É o ímpeto da juventude. No entanto, também ser paciente e aguardar como o 'gafanhoto' (sem me pendurar em lado nenhum!!!!).

Tava sou a tentar dar uma ajudinha para a sequela...

Mas vou ficar sogadita à espera do próximo episódio. Juro! Palavra de Dory!

Unknown disse...

Isto parece um zoo completo...

(eu cá de melgas não gosto nada, nem de abelhas, é cá uma alergia... e de uma série de insectos bahhh)

shark disse...

Ainda não está completo, Ana, mas a sequela tá na forja...
:)

O Santo disse...

parei no 1º paragrafo por o mundo ser cão

shark disse...

Puro preconceito. Nem perguntaste de que raça...

gaija do norte disse...

e esqueceste-te do boi da páscoa (da ilha, claro!), um animal muito presente no trânsito português com que me deparo diariamente, apesar de poucos os reconhecerem e pensem tratar-se de alguém conhecido (o filho desta, filho daquela)!

sem-se-ver disse...

esqueceste-te ainda de 'cadela', muito pejorativo também.

o meu sonho é chamarem-me zebra como insulto, porque é um dos mais originais animais da criação.

mas é uma injustiça, ah pois é: tantos bichos nossos amigos que nunca ascendem à qualidade de insulto. tstststs

CybeRider disse...

Shark, foste uma águia nesta tua análise! :)

sem-se-ver disse...

e de burro/burra, e de mula (dá para ambos os géneros).

utilizo muito.

para caracterizar outros, e a mim mesma.


(como vês, fiquei a pensar)



(tenham medo, muito medo, ssv em modo pensante)

Teresa disse...

E a cavalgadura? Gosto muito dessa...
E podemos também falar na formiga, na cigarra, na cegonha, nos urubus, nos mochos, galitos, cabritos (Shark, esqueceste os cabritos...).
Mas a questão, a minha grande questão, é a seguinte:
Àguia e Leão é uma injúria?

CybeRider disse...

Tereza, lá tive que ir ao dicionário... Então eu chamei "águia" ao Shark e perguntas se é uma injúria? (Leão não lhe chamaria, que até acho que sim...)

Reza assim: "Homem de alto engenho ou de grande perspicácia."

Ora bem me parecia... (Que alívio...)

Fonte: Grande Dicionário de Língua Portuguesa da Sociedade da Língua Portuguesa. Publicações Alfa. Edição de 1991

Teresa disse...

Cyber, esse já tem mais de dez anos, está desactualizado. Ainda é do tempo em que as águias ganhavam campeonatos...

shark disse...

Gaija, eu prometo que vou tentar na parte 2 incluir a bicharada em falta.
(Tu só ficas feliz quando te instalarem no carro um megafone em vez da buzina, ó mau feitio...)
:)

shark disse...

ssv, tens toda a razão. Nunca percebi porque ninguém me chama hamster ou assim...

shark disse...

Cy: estiveste muito bem!
Chefa: estiveste muito mal!

Teresa disse...

Gaijo, não tenho culpa. Eu nem de bancada sou treinadora...

Anônimo disse...

Shark, o hamster tem vida muito curta e o pessoal adora-te (pelos comentários q leio) querem-te aqui por muitos anos :)

shark disse...

Agora foste gentil, Mila. Muito gentil.
(E não conheces o meu lado menos bom, o que nitidamente me favorece na apreciação...)
:)

Anônimo disse...

Agora fiquei surpreendida... não costumo a ser??? E gosto de conhecer todos os lados :)

Já agora posso dizer q hamster tem no maximo 3 anos de vida