Dona Corleone

Está resolvido. Deu trabalho, tirou-me algumas das horas que costumo usar por aqui, mas a minha filha já tem o telemóvel outra vez.

Quarta-feira roubaram-lhe o telefone na escola. Não é que seja grande coisa, mas é o dela, é cor de rosa e se o leva é porque o precisa. Debulhava-se em lágrimas quando a fui buscar e eu armei-me em heroína e fiz a promessa idiota que me podia ter saído cara em credibilidade - deixa estar filha que vou resolver tudo.... E ela acreditou.

Ontem passei o dia na escola. Falei com o Conselho Directivo e a seguir fiz-me à vida. Visionei horas de imagens das câmaras de segurança, falei com todos os miúdos e mais algum, mostrei fotografias, comparei versões. No fim da tarde já tinha uma daquelas certezas certezinhas que só não são certezas absolutas porque lhes falta um bocadinho assim.

A loira suspeita estava fora da escola, sentada num banquinho de pedra com o namorado. São dos cursos profissionais, 16 aninhos que os tornam os grandes para os outros miúdos todos. Fui falar com eles. Disse quem era e ao que vinha, mas fartos de saberem isso estavam eles.
Que não, que nunca, que nem pensar, que ela até tinha dois telefones - e lá estavam dois topo de gama em cima da pilha dos poucos livros - que nada feito e eu que fosse chatear outra.

Perturbou-me a miúda. Se quando eu tinha 16 anos uma mãe qualquer me tivesse dito o que eu lhe disse a ela eu deixava de falar três dias, tal seria o susto. Atrever-me a abrir a boca e a responder com a arrogância com que ela me respondia era absolutamente inimaginável. E era isso que me estava a esticar a paciência e a deixar os nervos em franja, aquela atitude do estou-me nas tintas para isso tudo, o despreendimento, quase desprezo, com que me ouvia e, sobretudo, a consciência de quase impunidade.

Tenho a mania que sou justiceira, que as injustiças aborrecem-me assim um bom bocadinho, mas sabia que havia pouco espaço para me mexer, que provas eu não tinha, eram só aquelas certezas certezinhas e uma atitude onde estava escarrapachado em letras neon sim fui eu, e agora, bates-me? chamas a polícia?

Se a rapariga fosse dada a estas vidas blogueiras podia até saber que estava em desvastangem, que a cabra sou eu, e bem mais velha e sabida. Assim, foi apanhada fora de pé. Fiz-lhe uma proposta. Daquelas irrecusáveis. E dei-lhe um recado, que podia ser para ela ou não, fosse passando a outros se achasse melhor - durante a manhã de hoje o telefone tinha de aparecer. Não me interessava como nem onde, desde que fosse na escola.

Não é que a vida tem coincidências estranhas? Hoje, ainda nem eram dez horas, estavam a telefonar-me da escola. O telefone tinha sido encontrado num corredor..... sem o cartão, que esse deve ter caído!... mas itambém sem um risco e inteirinho.

Confesso que suspirei de alívio. Não pelo telefone, mas por me ter safo naquela promessa que a minha boca grande demais tinha resolvido fazer. E estou que nem posso, que passei a ser a heroína da miúdagem. Foi a primeira vez que um telefone apareceu e as histórias que já se inventam sobre o que todos me viram a dizer aos maus da fita, mas nenhum ouviu nem vai saber, fazem-me sorrir discretamente de satisfação e dar pulos de contente cá por dentro.
Não desfaço o mistério, que os mitos fabricam-se assim e, caramba, a mim sabe-me bem e as minhas filhas estão radiantes, que foi a mãe delas que conseguiu e isso dá-lhes um estatuto redobrado lá pela escola ...

4 comentários:

saltapocinhas disse...

na minha escola a funcionaria consegue sempre resolver todos os imbróglios que metam objectos desaparecidos!
é limpinho!

Teresa disse...

tem conhecimentos no bas fond?

cristina rocha disse...

Ola Teresa

Fazer promessas a crianças tem destas coisas, tens mesmo de as cumprir. Entre adultos isso também deveria acontecer sempre mas infelizmente nem sempre é assim.
A tua atitude de leoa em defesa das crias não me surpreeende, aliás pelo que vou conhecendo não esperava outra coisa.
E ao mesmo tempo a tua descrição do acontecido apenas vem provar mais uma vez a falta de respeito e sentido de responsabiliddade na nossa classe de adolescentes (como li à uns tempos, sobre o medo que deve ser incutido nas crianças que faz desenvolver nelas os seus direitos mas principalmente os seus deveres).

beijos
Cristina

susana disse...

tem graça o que dizes. lembro-me de um episódio com pessoas que conheço, o roubo de uma jóia numa residência. o dono da casa tinha uma carreira de magistrado e enquadrado o mais presumível suspeito, rapaz também dessa idade, falou com ele e encurralou-o. o rapaz negou com tal frieza que o dono da casa teve a certeza da sua culpa. a explicação que nos deu foi surpreendente: qualquer inocente ficaria perturbado com a acusação, mostraria medo. aquela reacção mostrava que o rapaz não só era ladrão, era já um ladrão calejado. então apertou-se o cerco, com uma ameaça mais radical. horas depois ele avançou com a confissão.