E somos apanhados assim, de mansinho, sem aviso prévio e sem percebermos que a directiva a mais hoje é a colher de pau a menos amanhã e o Tratado de Lisboa de ontem pode ser o fim do "eu é que sou o presidente da junta" não se sabe muito bem quando.
O meu mundo, aquele que é feito de coisas pequeninas, sem importância de maior e, por isso mesmo, com toda a importância do mundo, vai desaparecendo sem me pedirem a opinião. Ou por outra, pedir até pediram, mas na maior parte das vezes é só um clic no accept ou no not accept de contrato de net, sem olharmos sequer para o que está lá escrito, que queremos é passar à frente das formalidades chatas. E um dia, tal como nas outras coisinhas mais ou menos pequeninas, entram-me em casa e levam-me o cão, com base na clásula 4 do contrato da firewall.
O meu mundo vai mudando assim, sem sentido nem direcção, e hoje mudou mais um bocadinho. Aliás, foi mudado a 19 de Junho de 1999, mas só hoje me tiraram a tal colher de pau da cozinha:
A Declaração de Bolonha (19 de Junho de 1999) — que desencadeou o denominado Processo de Bolonha — é um documento conjunto assinado pelos Ministros da Educação de 29 países europeus, reunidos na cidade italiana de Bolonha.
A declaração marca uma mudança em relação às políticas ligadas ao ensino superior dos países envolvidos e procura estabelecer uma Área Europeia de Ensino Superior a partir do comprometimento dos países signatários em promover reformas de seus sistemas de ensino.
De louvar o acto? Certíssimo, que há muito que o nosso ensino superior precisava de uma boa varridela e a harmonização de cursos e de curriculae foi uma vassourada de luxo. Eu, que até estou de fora, vou percebendo as diferenças quando me respondem, pela centésima vez, que a criança até já está crescidinha e está bem, mas lá fora a fazer o Erasmus.
A gaita é que nós com vassouras ainda nos vamos ajeitando, mas mandam-nos uns aspiradores muito sofisticados, cheios de luzinhas, que limpam até sombras de ácaros nos colchões e, sem percebermos, lá se vai o colar de pérolas da avó e os legos do menino.
Hoje, ao saco do Processo de Bolonha, foi parar uma terça-feira. Não foi uma terça-feira qualquer, mas também não foi a Gorda, que essa já deu levantamento popular e ninguém mais arrisca. Foi a minha terça-feira. E a de muitos mais. De hoje e de ontem.
Andei em Coimbra. Não, isto não quer dizer que passeei pela baixa, visitei o botânico ou atravessei a ponte a pé. Ter "andado em Coimbra" é quase cifra para uns anos passados, poucos ou muitos, que a veterania faz-se de muitos, numa das velhas faculdades.
O meu pai andou em Coimbra. E os meus tios. E os meus irmãos. E os meus tios avós. Saí rapidamente de Coimbra assim que acabei de andar em Coimbra, cumprindo também a tradição lá de casa, mas todos os anos em que nunca mais lá fui, deixava cair umas lágrimazinhas da saudade tão de lá na terça feira do Cortejo da Queima. Era assim comigo, e já tinha sido assim com aqueles outros. Não é saudosismo rançoso, nem conservadorismo pindérico e muito menos apêgo cego à tradição. Era só um clic mágico que nos fazia voltar no tempo e lembrar as juras sentidas do vamos ser amigos até ao fim da vida, que a vida é como queremos que seja e não nos vai trocar as voltas. Voltas trocadas pela vida que não as trocava e promessas lembradas mas não cumpridas, lá deixava eu que uma terça feira por ano me fizesse outra vez estudanta e crente em tudo o que já não acredito. Não estava lá, não voltei a estar, que não se brinca assim ao faz de conta, mas era levada até às certezas de lá pela certeza dessa terça-feira, que tradição é para isso mesmo, para não nos deixar esquecer.
Hoje fui roubada nas memórias, porque me roubaram mais esta certeza e as outras, sem ela, não vão conseguir nunca mais dar aquele arzinho da sua graça. Ficaram perdidas, sem enquadramento, sem casa para morar.
O meu mundo, aquele que é feito de coisas pequeninas, sem importância de maior e, por isso mesmo, com toda a importância do mundo, vai desaparecendo sem me pedirem a opinião. Ou por outra, pedir até pediram, mas na maior parte das vezes é só um clic no accept ou no not accept de contrato de net, sem olharmos sequer para o que está lá escrito, que queremos é passar à frente das formalidades chatas. E um dia, tal como nas outras coisinhas mais ou menos pequeninas, entram-me em casa e levam-me o cão, com base na clásula 4 do contrato da firewall.
O meu mundo vai mudando assim, sem sentido nem direcção, e hoje mudou mais um bocadinho. Aliás, foi mudado a 19 de Junho de 1999, mas só hoje me tiraram a tal colher de pau da cozinha:
A Declaração de Bolonha (19 de Junho de 1999) — que desencadeou o denominado Processo de Bolonha — é um documento conjunto assinado pelos Ministros da Educação de 29 países europeus, reunidos na cidade italiana de Bolonha.
A declaração marca uma mudança em relação às políticas ligadas ao ensino superior dos países envolvidos e procura estabelecer uma Área Europeia de Ensino Superior a partir do comprometimento dos países signatários em promover reformas de seus sistemas de ensino.
De louvar o acto? Certíssimo, que há muito que o nosso ensino superior precisava de uma boa varridela e a harmonização de cursos e de curriculae foi uma vassourada de luxo. Eu, que até estou de fora, vou percebendo as diferenças quando me respondem, pela centésima vez, que a criança até já está crescidinha e está bem, mas lá fora a fazer o Erasmus.
A gaita é que nós com vassouras ainda nos vamos ajeitando, mas mandam-nos uns aspiradores muito sofisticados, cheios de luzinhas, que limpam até sombras de ácaros nos colchões e, sem percebermos, lá se vai o colar de pérolas da avó e os legos do menino.
Hoje, ao saco do Processo de Bolonha, foi parar uma terça-feira. Não foi uma terça-feira qualquer, mas também não foi a Gorda, que essa já deu levantamento popular e ninguém mais arrisca. Foi a minha terça-feira. E a de muitos mais. De hoje e de ontem.
Andei em Coimbra. Não, isto não quer dizer que passeei pela baixa, visitei o botânico ou atravessei a ponte a pé. Ter "andado em Coimbra" é quase cifra para uns anos passados, poucos ou muitos, que a veterania faz-se de muitos, numa das velhas faculdades.
O meu pai andou em Coimbra. E os meus tios. E os meus irmãos. E os meus tios avós. Saí rapidamente de Coimbra assim que acabei de andar em Coimbra, cumprindo também a tradição lá de casa, mas todos os anos em que nunca mais lá fui, deixava cair umas lágrimazinhas da saudade tão de lá na terça feira do Cortejo da Queima. Era assim comigo, e já tinha sido assim com aqueles outros. Não é saudosismo rançoso, nem conservadorismo pindérico e muito menos apêgo cego à tradição. Era só um clic mágico que nos fazia voltar no tempo e lembrar as juras sentidas do vamos ser amigos até ao fim da vida, que a vida é como queremos que seja e não nos vai trocar as voltas. Voltas trocadas pela vida que não as trocava e promessas lembradas mas não cumpridas, lá deixava eu que uma terça feira por ano me fizesse outra vez estudanta e crente em tudo o que já não acredito. Não estava lá, não voltei a estar, que não se brinca assim ao faz de conta, mas era levada até às certezas de lá pela certeza dessa terça-feira, que tradição é para isso mesmo, para não nos deixar esquecer.
Hoje fui roubada nas memórias, porque me roubaram mais esta certeza e as outras, sem ela, não vão conseguir nunca mais dar aquele arzinho da sua graça. Ficaram perdidas, sem enquadramento, sem casa para morar.
(...) A alteração do modelo de "Queima", cujo programa total se prolonga entre Março e Junho, foi justificada com a introdução do modelo de Bolonha no Ensino Superior e após uma reflexão no órgão que tutela a praxe académica, o Conselho de Veteranos.
(...) No entanto, a maior inovação é a transferência do Cortejo dos Quartanistas de terça-feira para domingo...
Domingo não é terça-feira. Domingo é dia para apanhar o combóio dos estudantes e dormir ao sol na praia da Figueira, antes da garraiada. E é dia para voltar a Coimbra e ir directo ao Parque, que a noite é de Direito. Ou era, tudo isto, e desde há muitos mais anos do que alguém se lembra.
O cortejo era na terça-feira. Já não é. E tudo o resto também já não. Coimbra já nem na hora da despedida vai ter encanto e a Queima das Fitas, ou que raio fôr, não tarda e está a ser produzida pela Teresa Guilherme. E o Nunes, o tal amigo de todos nós, já está a esfregar as mãos de contente pensando no dia em que sairá pela Porta Férrea, garboso e com o badalo da cabra debaixo do braço, apreendido liminarmente por "notória poluição sonora".
(...) No entanto, a maior inovação é a transferência do Cortejo dos Quartanistas de terça-feira para domingo...
Domingo não é terça-feira. Domingo é dia para apanhar o combóio dos estudantes e dormir ao sol na praia da Figueira, antes da garraiada. E é dia para voltar a Coimbra e ir directo ao Parque, que a noite é de Direito. Ou era, tudo isto, e desde há muitos mais anos do que alguém se lembra.
O cortejo era na terça-feira. Já não é. E tudo o resto também já não. Coimbra já nem na hora da despedida vai ter encanto e a Queima das Fitas, ou que raio fôr, não tarda e está a ser produzida pela Teresa Guilherme. E o Nunes, o tal amigo de todos nós, já está a esfregar as mãos de contente pensando no dia em que sairá pela Porta Férrea, garboso e com o badalo da cabra debaixo do braço, apreendido liminarmente por "notória poluição sonora".
Um comentário:
Post excelente! Eu «não andei em Coimbra», foi «mais» Lisboa quando não havia tanta mini-universidade que aparecem que nem cogumelos.
Mas ando arrelampada com estas 'modernizações' pseudo-igualitárias. Não me conformo!
(linkei este post para a minha pastinha dos que selecciono de vez em quando)
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