Pois sim senhores, tenho mau feitio. Ou só assim um bocadinho. Quase nada. Mal se nota. Mais feitio que defeito.
Ora pois, não gosto que me critiquem. Nadinha. Fico com um nervoso miudinho que me faz ter ganas de replicar logo logo e deixar vários cadáveres esquartejados para trás. Bem que me tento segurar, contar até dois milhões trezentos e vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove e dezassete centésimas, mas tropeço logo no três e fico sem saber o que vem a seguir. Bloqueadinha de todo.
Eu sei que a ira não é boa conselheira e que qualquer vingança se serve fria, mas essa do sangue na guerla serve-me como uma luva, tivesse eu guerla para servir o sangue e luva para ser cavalheira.
Posto isto, e para quem fica incomodado com algum vernáculo que por aqui anda, medido e cronometrado mas mesmo assim a causar incómodo, fica um momento de poesia. Dedicado, do fundo do coração, a todos os ouvidos pudibundos e olhos de padre nosso.
Silêncio, que se vai declamar Bocage.
SONETO DE TODAS AS PUTAS
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
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