A D. Rosa vivia ao lado do Bairro da Malagueira, mas conheci-a muito longe de lá. Hoje, com o Bairro nas notícias, voltei a lembrar-me dela.
A D. Rosa era a mãe do João e, lá no sítio onde a conheci, muito longe das vizinhanças da tal Malagueira, as pessoas eram chamadas assim - a mãe da Vera, o pai do Eduardo... Cruzámo-nos num berçário de um Hospital de Lisboa. A especialidade, cardiologia pediátrica. Doze anos atrás.
O João, filho da D. Rosa, fez todos os zigs num caminho que, para ele, devia ser só de zags. Era um bébé Down e tinha uma cardiopatia grave. Tudo errado nele, que a sorte do João podia ter-lhe pregado muitas partidas, mas estas não estavam na ementa. Era daqueles um num milhão ou lá o que seja, o que é bom de se ser quando se trata da sorte grande, mas é levado da breca quando se nasce no lado errado da estatística.
Bébés Down. Sim, sabem. Espero que saibam. Eu soube a minha há já uns anos, poucas horinhas depois de lhe ter pousado a vista em cima pela primeira vez, e vi o da D. Rosa poucos dias depois. Deixei de ver os dois também há muito tempo. A minha, passou rapidamente da etiqueta ao nome próprio e hoje, se fôr alguma coisa, é Up, que de down tem pouco na vida e no feitiozinho de cabra júnior. Ao João, porque as voltas da vida trocaram-nos as voltas das promessas e nem eu fui visitar a D. Rosa ao ladinho do Bairro da Malagueira, nem ela me veio visitar a mim.
No meio das diferenças daquele mundinho esterilizado, que foi o nosso durante tempo demais, que por ali Einstein fez escola e o tempo é muito mas muito relativo, o João era ainda mais diferente. Era o ciganinho e os ciganinhos não são Bébés Down. Porquê? Por muitas razões e a selecção da espécie é uma delas, mas ciganos Down é o raro em cima do já rarito e o João tinha acertado na mouche. Como era torcidinho como só os bébes podem ser, o Joâo quis fazer o pleno e, para além de baralhar as contas dos genes e sair com o cromossomazito a mais, baralhou também as contas de quem as faz e fez questão de ter a cardiopatia que normalmente está associada às meninas, safando-se os pilas só com a má sorte de terem nascido homens...
Gostei da mãe do João assim que a vi e assim que a vi olhar para o João. Ela vinha cansada da camioneta que a trazia todas as manhãs lá de bem longe e a levava todas as tardes para fazer a janta dos outros Joões que ficavam em casa. Estava sempre sozinha, o que era mais uma diferença nas outras diferenças todas, mas há coisas que não se engolem com um copo de água e mais valia ao João ter sido preso que nascer assim. Os tios, os avós e os primos todos do costume nunca apareceram, que nisto de sacudir para baixo da carpete todos sabemos como se faz. Era a D. Rosa e o João e eu e a cabra #1, que a cabra #2 ainda não tinha nascido para nos dar cabo da paciência.
Éramos cúmplices e casámos os nossos filhos várias vezes. A D. Rosa imaginava o dela sentado na banca das camisolas e eu só queria imaginar a minha onde quer que fosse menos ali. Rimos com o ar de aliens que eles tinham, cheios de tubos e eléctrodos, e faziamos concursos de banhos para vermos quem conseguia pegar no emaranhado de fios e lavar sem curtos-circuitos. E, todas as manhãs, lá chegava a D. Rosa da casa ao lado do Bairro da Malagueira, contra tudo e contra todos e com horas de camioneta, para dizer ao João o mesmo que eu dizia à minha filha - estamos aqui e o papão não passa mais cá que não vamos deixar.
O papão não passou e hoje lembrei-me da D. Rosa e do João. Tenho a certeza que, para eles, o papão também não voltou a passar, que a D. Rosa só o pode ter sacudido para muito longe da banca das camisolas.
D. Rosa, aqui também já não há papões E, um dia, ainda nos vamos fazer aquela visita que ficou prometida onde as promessas são a sério.
A D. Rosa era a mãe do João e, lá no sítio onde a conheci, muito longe das vizinhanças da tal Malagueira, as pessoas eram chamadas assim - a mãe da Vera, o pai do Eduardo... Cruzámo-nos num berçário de um Hospital de Lisboa. A especialidade, cardiologia pediátrica. Doze anos atrás.
O João, filho da D. Rosa, fez todos os zigs num caminho que, para ele, devia ser só de zags. Era um bébé Down e tinha uma cardiopatia grave. Tudo errado nele, que a sorte do João podia ter-lhe pregado muitas partidas, mas estas não estavam na ementa. Era daqueles um num milhão ou lá o que seja, o que é bom de se ser quando se trata da sorte grande, mas é levado da breca quando se nasce no lado errado da estatística.
Bébés Down. Sim, sabem. Espero que saibam. Eu soube a minha há já uns anos, poucas horinhas depois de lhe ter pousado a vista em cima pela primeira vez, e vi o da D. Rosa poucos dias depois. Deixei de ver os dois também há muito tempo. A minha, passou rapidamente da etiqueta ao nome próprio e hoje, se fôr alguma coisa, é Up, que de down tem pouco na vida e no feitiozinho de cabra júnior. Ao João, porque as voltas da vida trocaram-nos as voltas das promessas e nem eu fui visitar a D. Rosa ao ladinho do Bairro da Malagueira, nem ela me veio visitar a mim.
No meio das diferenças daquele mundinho esterilizado, que foi o nosso durante tempo demais, que por ali Einstein fez escola e o tempo é muito mas muito relativo, o João era ainda mais diferente. Era o ciganinho e os ciganinhos não são Bébés Down. Porquê? Por muitas razões e a selecção da espécie é uma delas, mas ciganos Down é o raro em cima do já rarito e o João tinha acertado na mouche. Como era torcidinho como só os bébes podem ser, o Joâo quis fazer o pleno e, para além de baralhar as contas dos genes e sair com o cromossomazito a mais, baralhou também as contas de quem as faz e fez questão de ter a cardiopatia que normalmente está associada às meninas, safando-se os pilas só com a má sorte de terem nascido homens...
Gostei da mãe do João assim que a vi e assim que a vi olhar para o João. Ela vinha cansada da camioneta que a trazia todas as manhãs lá de bem longe e a levava todas as tardes para fazer a janta dos outros Joões que ficavam em casa. Estava sempre sozinha, o que era mais uma diferença nas outras diferenças todas, mas há coisas que não se engolem com um copo de água e mais valia ao João ter sido preso que nascer assim. Os tios, os avós e os primos todos do costume nunca apareceram, que nisto de sacudir para baixo da carpete todos sabemos como se faz. Era a D. Rosa e o João e eu e a cabra #1, que a cabra #2 ainda não tinha nascido para nos dar cabo da paciência.
Éramos cúmplices e casámos os nossos filhos várias vezes. A D. Rosa imaginava o dela sentado na banca das camisolas e eu só queria imaginar a minha onde quer que fosse menos ali. Rimos com o ar de aliens que eles tinham, cheios de tubos e eléctrodos, e faziamos concursos de banhos para vermos quem conseguia pegar no emaranhado de fios e lavar sem curtos-circuitos. E, todas as manhãs, lá chegava a D. Rosa da casa ao lado do Bairro da Malagueira, contra tudo e contra todos e com horas de camioneta, para dizer ao João o mesmo que eu dizia à minha filha - estamos aqui e o papão não passa mais cá que não vamos deixar.
O papão não passou e hoje lembrei-me da D. Rosa e do João. Tenho a certeza que, para eles, o papão também não voltou a passar, que a D. Rosa só o pode ter sacudido para muito longe da banca das camisolas.
D. Rosa, aqui também já não há papões E, um dia, ainda nos vamos fazer aquela visita que ficou prometida onde as promessas são a sério.
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