Treta. Essa história de igualdade entre os sexos não passa de uma treta.
Quais quotas para mulheres, nova lei das licenças de parto, acesso ao emprego e outras que tais. Nós, mulheres, vamos sempre ter o papel mais difícil neste jogo do sai de baixo. A nossa vida não está facilitada em nada, mesmo quando parece que tudo melhora.
Não pode ser só uma mera coincidência, que como a outra diz não há coincidências, isto são mesmo os gajos a lixarem-nos.
Agora é com as pen-drives. Já não chegavam os batons e os isqueiros, tinham de inventar as pen-drives.
Jantar de engate. Vestido preto, que nunca me comprometo, saltos de agulha, cabelo amarrado atrás, brincos compridos e uma discreta gargantilha de brilhantes, e se não são imitam bem. Corre tudo lindamente, o tipo está encantado com tanta elegância, até ao momento em que decido, numa pequena manobra de sedução, retocar os lábios. Assim, como nos filmes. A pochette que até aí estivera delicadamente pousada num cantinho da mesa é discretamente puxada para o colo, a mão é metida lá dentro enquanto continuo a acenar com a cabeça e a sorrir parvamente, e o baton estupidamente vermelho é frenéticamente procurado no meio das chaves de casa e do porta moedas vazio. Cá está ele, e o pequeno espelhinho também. Fixo os olhos no adversário, agora é que te vais babar que quando comeste os escargots foi só falta de prática, e com o espelho na mão esquerda aperto o gatilho do baton com a direita.
Tosse. Muita tosse. Ataque subito de alergia aos camarões. Fuga para a casa de banho mais próxima e telefonema da avó que precisa de mim para lhe ensinar aquele ponto difícil de crochet.
Saída de cena pela esquerda baixa.
Concerto no Coliseu. Jeans e tshirt das crianças, que sempre fica mais justa. Mochila nas costas e ar de isto é o meu mundo, aquilo do tailleur no trabalho é só porque sou obrigada.
Sorriso para aqui, apertão para ali, bora lá que a malta quer é curtir um som e dar uns saltos com a música. O puto que é giro como sei lá o quê, que parece filho de uma amiga e que pensa que sou colega das minhas sobrinhas lá na faculdade, está deliciado, tão gira e tão fresca.
Chega a altura da musiquinha de embalo e sacam-se os isqueiros. Isqueiro.... Isqueiro.... Tinha um na mochila. Espera, sei que não fumas, também não, que horror!, isso é para as cotas, mas tenho o isqueiro dos charros, espera, tenho a certeza que está aqui. O Coliseu já parece o Santuário de Fátima com tantas luzinhas e continuo à procura nos fundos mais fundos da mochila. Já está, encontrei. Agora esta porra não acende. Espera. Tenta tu que já estou passada. O isqueiro é também passado para as mãozinhas prometedoras dele.
Outro ataque de tosse. Outro telefonema, desta vez do backstage - querem-me conhecer, tinha metido uma cunha ao técnico de som, desculpa mas não dá para ficar que estes gajos sempre foram os meus ídolos e estão a convidar-me para uma festa privada lá no hotel....
Saída, outra vez, pela esquerda baixa, mas a desculpa pareceu mesmo mesmo convincente...
Reunião de trabalho. Fato de calça e casaco e ar de que os como a todos. Laptop, telemóvel última geração, cantiga na ponta da lingua e bluff que nunca mais acaba. Já está, o negócio é meu. Foram enrolados com uma pinta do caraças. Trolhas, dois palpites para o ar, voz firme e decidida, uma sugestão de que estou muito bem informada aqui e um afago ao ego ali e o negócio está feito. Só falta passar-lhes o contrato, que já veio minutado e tudo, que nestas coisas vale a pena arriscar.
Mala para o colo. Não, a do laptop não. A minha pen-drive anda sempre na bolsinha de lado da carteira, aquela onde guardo as preciosidades.
Claro, tenho aqui um contrato, por mero acaso, mas pode ser adaptado. É só pôrem os nomes nos espaços em branco e podemos assinar amanhã. Sim, o cheque tem de ser visado. Não, é o banco que exige, que eu não desconfio de ninguém, mas sabem como são aqueles sacanas.
Pronto, a pen apareceu. O braço com a reliquia bem presa entre os dedos atravessa a enorme mesa e larga do outro lado o contrato que me vai salvar o ano.
Largava. Largava se não fossemos sabotadas pelos gajos que têm a mania de inventar tudo com a mesma forma só para nos poderem gozar que nem uns estúpidos.
Ali, no meio dos fatos cinzentos, dos ares sisudos e do enorme respeito pela gaja que lhes deu o nó cego, está caido aquele estupor do tampão que nunca apareceu quando era imprescindível. A embalagem já está rasgada, o fio está de fora, e eu também estou fora. Fora de mim!
É sempre a mesma gaita...
Culpa minha? Não, culpa daqueles estupores que até as pen-drives fizeram assim só para nos lixarem a vida. Já não chegavam os batons e os isqueiros?
Machistas!