Manecas, o meu amigo Manecas.

O Manecas é o indivíduo mais lento de raciocínio que conheci em toda a minha vida e, faço notar, sempre tive uma tendência fulminante para me cruzar com tipos de raciocínio lento (já com as mulheres, a coisa é diferente, parece que o meu destino é cruzar-me com mulheres de raciocínio certeiro e, pior, de raciocínio brilhante. Com excepções, lá está...). Mas o Manecas era tão absolutamente desprovido de qualquer centelha de inteligência que todos tínhamos por ele um sentimento de protecção, como se o simples facto de existir alguém tão falho de inteligência nos contaminasse a todos e prejudicasse a evolução da espécie. O Manecas copiou por mim todo o exame final de Termodinâmica e Fluídos, o Manecas fazia parte dos meus grupos de trabalho e tudo o que lhe pedíamos era que ficasse calado e não se esquecesse de trazer a garrafinha de Jotabê que havia de nos iluminar a noite, o Manecas foi o tipo que estava sorridente no final de um exame de Complementos de Matemática, porque tinha respondido a todas as perguntas e tinha acabado antes do tempo. No final desse exame, toda a turma estava de má cara, o exame tinha sido difícil, os tipos mais geniais da turma aspiravam a pouco mais que um onze, eu próprio contentar-me-ía com um catorze ou um quinze. O Manecas respondeu a todas as questões. E teve zero, o Manecas sorridente porque tinha respondido a todas as questões, errou completamente todas as perguntas. O Manecas era o bombo das meninas da escola, muitas vezes tive que intervir para parar as armadilhas que lhe estendiam, o Manecas do alto do seu metro e noventa, olhos verdes esbugalhados, e elas a contar-lhe histórias de primas ninfomaníacas que haviam de gostar de o conhecer a ele, Manecas.

Fui-me cruzando com o Manecas, casualmente, pela vida fora. O Manecas foi o único que não terminou o curso e começou a trabalhar com o pai, que tinha umas vinhas para os lados de Torres Vedras. O próprio pai acabou por dispensar o manecas dos trabalhos de gestão da vinha, tal era a tendência do Manecas em insistir que Porsches e Mercedes eram muito melhor investimento que tractores e pés novos de Cabernet Sauvignon. Sempre tinha uma história para contar, o Manecas, ainda ontem tinha atravessado o carro à frente de uma rapariga nuns semáforos, tinham parado um ao pé do outro, ele olhou para ela, ela sorriu, ele arrancou ainda o semáforo estava vermelho, saiu do carro, que estranho, ela correu a janela com ar assustado, ele ía só convidá-la para sair, ela era tão bonita. Ou então contava-me como tinha ido a uma qualquer aldeia em França à procura de uma rapariga com quem se tinha cruzado num bar, ela tinha-lhe dado um nome e uma localidade, ele havia de encontrá-la. Não encontrava, mas depois cruzava-se com outra rapariga absolutamente incrível no avião e lá começava mais uma aventura do Manecas.

Hoje fui almoçar com o Manecas, vai casar-se e queria entregar-me o convite em mão (afinal não se esqueceu da minha ajuda naquilo da Termodinâmica...). Apresentou-me a futura mulher. Loura, sorridente, mestrado em Engenharia Química, presidente de uma companhia qualquer, uma start-up de sucesso, conduzia um Jaguar clássico, excelente conversadora, linda de morrer, olhos luminosos como nunca vi, corpo perfeito, vestido de saia-casaco de bom corte, sentido de humor fino, estivemos à conversa quase duas horas, o Manecas embevecido a olhar para nós, a tentar apanhar a relação entre a produção de hidrogénio e a dessulfurização dos gasóleos.

O Manecas vai casar com uma mulher assim. E eu fiquei a pensar que o mundo é um lugar estranho.

25 comentários:

Teresa disse...

Senhor Visconde o mundo só é um lugar estranho para quem ainda acredita que o Capuchinho Vermelho não queria que o lobo a comesse.

Teresa disse...

(já agora, tem o número de telefone desse tal Manecas?)

Visconde de Vila do Conde disse...

Tereza, duvido que o Manecas seja capaz de ter suficente sincronização para atender um telefone...

shark disse...

E para retribuir chamadas não atendidas no telemóvel, terá o discernimento necessário?

(Sim, Chefa, sou Cabra de pleno direito...)

Teresa disse...

(porque será que eu apostei neste teu comentário ainda antes de o ter lido?)

shark disse...

(porque sabes que eu não resisto a um talhe de foice...)

Teresa disse...

se sei...

PedroNuno disse...

Visconde, pelo contrário: assim e' que vemos que o Mundo e' um lugar fantástico!

Marias disse...

Olhos verdes, ingénuo, 1.80, vinhas, porsches, para tão mau partido não casou mal.

Mente Quase Perigosa disse...

E porque é que ela vai casar com ele?

Essa é que me parece a questão de 1 milhão de euros...

Teresa disse...

(Peixa acho que a essa pergunta saberemos todas responder, deixa-os as eles ficar na ignorância...)

CybeRider disse...

Moreno, sorridente, presidente de uma companhia qualquer, conduz um Aston Martin (ou outro que lhe entreguem a jeito), excelente conversador, olhos luminosos, sentido de humor fino. E elas olham embevecidas enquanto ele disserta sobre buracos-negros e a aglutinação do cosmos, a tentarem apanhar as nuances entre o existencialismo, o positivismo comtiano, o anarcoprimitivismo, e o possível pragmatismo destas correntes face à pós-modernidade de Frederic Jameson, e a explicação da lógica cultural do capitalismo tardio.

(Cada camafeu...)

Este seu texto elucida-me sobre tantas coisas, caro Visconde...

Teresa disse...

... e um refinado gosto musical?

Cy, temos de conversar sobre gajas...

Teresa disse...

Aliás, acho que ainda publico a verdadeira história do Capuchinho Vermelho...

CybeRider disse...

Pois, Tereza, já viste que desperdício?... Com temas tão interessantes... Um mundo estranho, de facto!

Mente Quase Perigosa disse...

(Que me caia um raio em cima se entendo alguma coisa desta caixa de comentos...

É que nem sei se sei o que quiseste dizer que eu sabia o que era, Chefa...)

Teresa disse...

Cy, as vossas mães andaram a contar-vos as histórias erradas mas isso era para ver se vocês, gajos, se agarravam aos estudos

Teresa disse...

(se um dia deste, por acaso, te telefonar, eu conto-te!...)

Mente Quase Perigosa disse...

(Só dúvidas na minha vida... E agora sim está mesmo lindo...)

Teresa disse...

Se forem cartesianas deixa estar que são boas...

Mente Quase Perigosa disse...

Dúvidas cartesianas?

Podemos chamar-lhe isso.

Ou outra coisa.

E agora vou-me recolher aos meus aposentos que hoje foi dia de muita trabalheira.

Teresa disse...

Bons sonhos!

Bacantes disse...

AAAAAAAHHHHHHHHH.
Como é possível?
Não sou melhor coisinha que já pisou a Terra, mas porque não me toca nada disto?
O homem, sendo como descreve, conseguiu um topo de gama que deve ter-lhe caido no colo e eu a pão e água com as minhas 2 fieis companheiras de longas jornadas.
Como é possível?
Será a maneira de ser dele uma táctica? Hum. Tenho de experimentar.
Para quem não tem nada, o pior que pode acontecer e nada ter.
O homem tem o meu respeito. É um visionário. Muito vanguardista.
Almancil

Anônimo disse...

aposto que a loura mestrada, boa como o caraças, inteligente, interessante, etc e tal, é um travesti...?!

Teresa disse...

E eu aposto que sei quem tu és, ó anónimo...