Serei só eu?

Primeiro, andaram dias e dias a anunciar uma cerimónia fúnebre no Staples Center. Pensava eu que essa coisa do Staples Center era uma espécie de hipermercado que vende material de escritório. Assim tipo uma catedral do clip. Não do video, mas daqueles objectos que servem para prender papéis uns aos outros. Ou seriam agrafos? Enfim, dei por mim a pensar que não era assim tão estranho que se efectuassem as elegias funestas da bizarra criatura num local onde se celebra a pós-modernidade vendendo ao desbarato objectos plastificados, produzidos em série ad nauseam para que todos possamos reproduzir nas próprias casas o ambiente vivido nas instalações da Microsoft ou coisa que o valha.
E, quando esta tarde regressava a casa, ligada numa estação de rádio de grande audiência, achei-me incontrolavelmente atraída pelo show. Todos lá estavam. O apelo ao sentimentalismo de loja dos trezentos levado ao extremo. Mas ao ouvir o spot expressamente produzido para o efeito, não consegui evitar que um arrepio me percorresse os braços. Espreitei de relance e confirmei: a penugem tinha-se manifestado e um pontilhado pespontava-me a epiderme, dando à minha pele um je ne sais quoi de galináceo. Senti-me incomodada: "afinal, sou presa fácil destes vampiros mediáticos", pensei.
Em seguida, cheguei a casa da minha mãe e tive de ver com os meus próprios olhos. Segui o espectáculo durante alguns minutos. Foi então que ouvi o que nunca julgara ser possível: "Michael Jackson ficará como símbolo da luta contra a discriminação racial". E percebi: o fulano que morreu há 13 dias* - treze e vai agora a sepultar não é aquele que eu até há pouco julgara. É outro. Pois esse, se bem me lembro, foi um tipo que desde há uns quinze anos a esta parte se transfigurou deliberadamente num ser mais branco que se proviesse da Suécia ou da Noruega, renegando as suas origens. É impossível que se trate da mesma pessoa que é agora, enquanto termina dentro de um caixão de prata o processo de apodrecimento iniciado no início dos anos noventa, eleito o Martin Luther King do século XXI... Felizmente, foi o suficiente para que o meu sistema nervoso se deixasse de merdas e entrasse finalmente em consonância com o que me resta -julgo eu - de racionalidade.

* Já repararam que, quanto 'maior' é o morto, mais longe deixam a sua decomposição avançar antes do funeral? Sim, porque, definitivamente, Michael Jackson é o defunto mais importante da História da Humanidade... Só isso pode explicar o fenómeno a que o mundo inteiro assistiu nos últimos dias tendo por apogeu este espectáculo inqualificável. Até o papa só ficou oito dias a desfazer-se em pó até ser enterrado. E já na altura foi o que foi, com a RTP a enviar sete funcionários pagos com os nossos impostos cobrir o evento in loco. Mas isto ultrapassa todos os limites. Ou serei só eu a pensar assim? Ora! Façam-me um favor!...

10 comentários:

Visconde de Vila do Conde disse...

CJ, quer isto dizer que a mim só me enterram quatro meses depois?

calamity jane disse...

No mínimo, Visconde, no mínimo...

(como farão? será que os congelam?)

Visconde de Vila do Conde disse...

Eu explico-lhe. Duranet o jantar, para ficar com uma ideia mais impressiva...

Teresa disse...

CJ tenho a informar-te que o teu herdeiro esteve a ver o espectáculo. Desculpem, a homenagem...

O Santo disse...

O staples center

É UMA CATREDAL

(Lakers.... claro)

Teresa disse...

Catredal é amaricano?

O Santo disse...

(foi da emoção)

calamity jane disse...

Catredal amaricana? Tá tudo explicado...

Mente Quase Perigosa disse...

Um dia destes, com esta mania de adiarem o máximo possível, ainda se esquecem no morto na gaveta...

Digo eu que não vejo televisão...

Unknown disse...

Ai Mente, se tiver bem aconchegadinho e protegido nem dão por ele agora se o ar começar a ficar nauseabundo...