Leitura para férias

E porque neste blog também gostamos de zelar pela cultura, deixo a sugestão de um livro. Da autoria de António Policarpo da Silva foi publicado pela primeira vez em fascículos em 1802, mas mantém toda a sua actualidade. Chama-se A História de Um Piolho Viajante e apesar de ter como sub título Dividido em Mil e Uma Carapuças não passou de setenta e duas, o que dá alguma esperança às nossas cabeças.


Não sei que é feito do exemplar velhinho, que li há muitos anos, e também nunca vi este livro à venda numa FNAC qualquer, mas pode ser lido aqui que estes senhores gostam de zelar pela nossa informação. Talvez com o Alto Patrocínio do Quitoso.
Fica um pequeno trecho.

Neste tempo, o dono da cabeça em que nós morávamos, sentiu rumor mais do que costumado e, de um golpe, acertou com ambos, que estavam encangalhados e juntos morreram debaixo da unha, aonde, por costume, nós somos justiçados pelos nossos delitos. Se é que é delito o procurarmos simplesmente o nosso sustento. Pois que nós não tiramos o sangue a ninguém para andar em sege nem sustentar vícios.

Minha mãe, cheia de aflição, e vendo em mim a causa da sua desgraça, além de eu já estar bastante robusto e fazendo bem por viver, pôs-me à vida, dando-me alguns conselhos e um abraço, de que lhe fiquei muito obrigado, porque entre nós há Pais que nem isto dão. Ela assistia, ao tempo da minha retirada, na cabeça de um Procurador de Causas, a cuja cabeça eu fui alguns anos depois da sua morte. Esqueci-me de dizer que eu me chamo - X - apesar de não ser queijo Inglês; porquanto o nome de Piolho é o geral, assim como o de Homem, mas cada indivíduo tem o seu nome particular.

A primeira cabeça onde pus o pé e o dente, foi a de um Tinhoso, e contar o modo como fui ter a ela, seria enfadar os Leitores. Basta que fiquem sabendo que fui. Se os Piolhos tivessem Retórica, assim como têm Filosofia, com que elegância e finuras eu não pintaria a minha aflição, ao ver-me num sítio tão despovoado, sem Pai nem Mãe, nem aderente, nem cabelos, sem segurança alguma, em risco de ser apanhado e visto. Mas oxalá que eu nunca dali tivera saído. Não há trabalho sem refúgio. Este Tinhoso benfeitor tinha a maior basófia em dizer que tinha piolhos, por isso mesmo que não tinha cabelos. Quantas e quantas vezes me pôs ele o dedo em cima e, deixando-me fugir, dizia: Escapou-me por um triz; é incrível os piolhos que tenho. Ao princípio assustava-me. Mas depois, conhecendo-lhe a balda, dormia e chuchava a sono solto.

Um comentário:

membro anónimo da vasta audiência disse...

Queremos.