Tenho nojo de aranhas. E digo nojo para não dizer medo, horror, pânico, fobia e mais uma resma de adjectivos desnecessários porque acho que já me fiz entender. A minha mãe tem nojo de aranhas. Os meus irmãos têm nojo de aranhas. A minha avó tinha nojo de aranhas.
Vivo bem com cobras, baratas, ratos, centopeias, escorpiões, sapos e mais uma enorme quantidade de bicheza que pode não me agradar mas não me paralisa, não me faz suar frio, não me deixa quase descontrolada. Trato-lhes da saúde e continuo, não dedicando muito tempo ao assunto. Com aranhas a coisa fia mais fino. A reacção física é incontrolável e é preciso fazer uma quase auto-hipnose para segurar o grito dentro da garganta e conseguir mexer os membros. Em caso de necessidade absoluta, digo, necessidade absoluta!, até as mato mas se encontrar uma às três da manhã ainda pondero primeiro fazer uns telefonemas com pedidos de ajuda.
A última vez que tive de defrontar uma bicha destas foi no quarto das miúdas. Elas e uma amiga dormiam a sono solto e foi quando tentei fechar melhor as cortinas que a vi. Era grande, peluda, um pesadelo preto instalado na barriga de um urso de peluche caído atrás da mesa de cabeceira. Não sei quanto tempo fiquei gelada, no meio do quarto quase às escuras, a tentar decidir o que fazer. Acabei por a matar mas não recordo qualquer pormenor, que esse tipo de coisas é rapidamente varrido da minha memória. Correu bem, dessa vez. Fui capaz de, num esforço quase sobre humano, gritar em silêncio e elas não chegaram sequer a acordar. Consegui protegê-las dos meus medos que não têm, não deviam, ser os delas, mas nem sempre é assim, apesar de ser assim a maior parte das vezes. Esteja eu mais descontraída e seja apanhada de surpresa e o grito sai mesmo antes de conseguir pensar. E foram seguramente todos os gritos que ouvi que me fazem gritar a mim e foram todos os gritos que as minhas filhas ouviram que as fazem gritar a elas. Gritos que saíram antes de os conseguirmos parar, ao contrário dos outros todos que nos ficaram presos nas gargantas por respeito a quem nos merece o maior respeito de todos - os nossos filhos.
Não me lembro de alguma vez as ter sentado no colo e lhes ter contado histórias tenebrosas de aranhas. Não me lembro de lhes ter dito que eram bichos perigosos, que nem o são, não me lembro de lhes dizer para fugirem a sete pés se virem uma. Não me lembro de lhes ter dado uma única razão para terem medo não me lembro de, conscientemente, as ter influênciado. Tentei sim esquecer os meus medos e em excursões national geografiquianas lhes ter mostrado as inúmeras qualidades das aranhas. Mas nada disto é racional, nada disto é uma escolha minha. Nada disto é uma escolha delas que me têm a mim como única referência e, mesmo não o querendo, me imitam. Foi assim que aprenderam a falar como eu falo, a usar os talheres, a não gostar de calão, a ouvir Sérgio Godinho, a terem medo de aranhas.
Tenho consciência que foram as minhas atitudes que lhes provocaram este medo, tal como sei que foram as da minha mãe que provocaram o meu e as da minha avó que levaram ao dela. Mas conseguirei eu viver vinte e quatro horas por dia absolutamente controlada de forma a não deixar transparecer nunca uma das minhas maiores aversões? Será humanamente exigível pedir que nos seguremos de tal forma que uma criança, e logo uma criança, não consiga perceber uma única das entrelinhas do nosso sentir? Isso fará de nós más mães ou maus pais? Deveremos nós ser castigados e, pior ainda, deverão as crianças ser castigadas? Não haverá formas mais justas, e mais inteligentes, de lhes mostrarmos que afinal as aranhas até podem ser boazinhas e que não devem ter medo ( pensamento arrepiante este, mas concedo…), apesar da mãe ou o pai terem? E se elas não conseguirem ultrapassar esta fobia, como eu duvido que algum dia fosse capaz de o fazer, não será de respeitar sem violentar?
Esta longa conversa, ou paleio, ou o que lhe queiram chamar, vem a propósito desta notícia.
O Instituto de Apoio à Criança recebeu, nos últimos tempos, um conjunto de apelos de pais relacionados com decisões judiciais sobre" casos rotulados de síndrome de alienação parental" . Ou seja, em que os juízes consideram que um dos progenitores manipulou a criança para a colocar contra o outro, impedindo o seu acesso ao filho. Foi este o motivo invocado por um juiz para retirar à mãe uma criança de sete anos, em Fronteira, que está há um mês internada numa instituição, sem poder falar com a família.
Sem querer pronunciar-se sobre casos concretos, a presidente executiva do instituto, Dulce Rocha, considera ser aconselhável "uma investigação mais rigorosa destas situações" pela Justiça. Porque, nalguns casos, alerta "poderá haver razão fundada da criança para se recusar a ver o pai ou a mãe". A recusa persistente dos filhos, defende, "tem geralmente outras razões. Porque quando não existem outros motivos a atitude de recusa é normalmente ultrapassada com a intervenção terapêutica".
5 comentários:
Ó Teresa os animais são nossos amigos...
(diz o roto ao nú, :-)))
De resto são questões de Direito, em que a Justiça é cega.
Não são questões de Direito Paula são formas inquinadas de julgar e de avaliar quase como se ali não estivessem envolvidas pessoas.
Cristo também foi crucificado, o ser humano não é perfeito, e ao julgar os outros cometem-se os maiores erros
A Empatia é dos valores que mais falta à Justiça.
Teresa: o maior inimigo da Justiça é o Direito - sou juiz social desde 1993 e não o afirmo por gozo...é com tristeza
JC Francisco
E desde este teu comentário, JCF que ando a pensar num post sobre Direito e Justiça.
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