Não sei se sabem o que era, ou se lembram, ou se viveram, no tempo do stencil, mas eu lembro-me bem. O primeiro jornal que alguma vez fiz, tinha uns sete ou oito anos, chamava-se "A Tromba" e era em feito em stencil.
Nunca fui jornalista, mas já fiz, e já passei, por jornais, revistas, rádio, televisão. Em todos eles, desde a tal Tromba, senti a responsabilidade da vírgula, do bocejo em directo, da montagem em estúdio, do título que não podia sair. Em todos eles, de uma forma ou de outra, fui paga para fazer um trabalho. Pagou-me o Público por artigo, e pagava muito bem, foi mesmo quem melhor me pagou, pagou-me a renda de casa a rádio, ficou de me pagar o produtor que vendeu o programa para a RTP, pagou-me os transportes o Eles e Elas de má memória. Todos, de uma forma ou de outra, me pagaram, ou ficaram de pagar, ou um dia que não chegará me irão pagar de certeza.
Neste blog nunca ninguém me pagou nem ficou de me pagar. Escrevo porque gosto, porque me apetece, porque preciso. Escrevo, muitas vezes, sem ter a percepção que vou ser lida e que vou ser avaliada e que a minha escrita pode chegar muito mais longe que chegavam as cópias borradas d'A Tromba.
E, quando por vezes percebo onde esta quase brincadeira chega, assusto-me. Porque aqui, quando escrevo, não sinto a responsabilidade de nada. Ou sinto únicamente a responsabilidade de escrever igualzinho ao que me vai na alma. Sem limites que não sejam os meus.
Por aqui, tirando a lei em geral geral e o bom senso em particular, não há Livros de Estilo nem Códigos Deontológicos, não há linhas editoriais nem mínimo de caracteres (chamavam-se linguados noutros tempos, não era?), nem daqui nos vem dinheiro para o pão e muito menos para a manteiga. O que se escreve não paga taxas aduaneiras e o feed back pode nem fazer parte dos nossos planos.
Parece que temos toda a liberdade do mundo, até percebermos que podemos chegar onde nunca pensámos que chegaríamos, até percebermos que o Enter da tecla implica um entrem e estejam à vontade, sejam lá quem vocês forem, e desculpem qualquer coisinha se tiver exagerado nas cores do arco íris.
Primiro foi o convite ao Visconde, e se ele não fala falo eu. Um email para o blog a convidá-lo para um programa da RTP para falar de um post que tinha escrito aqui no Cabra (o que aconteceu a seguir fica a cargo do Senhor Visconde explicar).
Depois foi a Isabel.
Não pedi autorização à Isabel para falar nela, mas na falta do tal Livro de Estilo e do Código Deontológico e do editor carrancundo, tenho de decidir por mim e achei que ela não ia levar a mal ("levar a mal" é a expressão mais familiar que arranjei para esta circunstância).
A Isabel é a "aluna lésbica" a quem um tal Tribunal deu razão depois de ter sido agredida, e foi sobre a Isabel, que na altura não era Isabel, que escrevi este post.
A Isabel respondeu-me há uns dias e foi a Isabel que me pôs a pensar.
Nos meus tempos, se isso existe, dizia-se, para dar força a um argumento, "está escrito em letra de forma". Tudo o que aqui escrevo é em letra de forma, mas que forma é essa?
Por acaso correu bem com a Isabel, mas tenho, temos, o direito de chegar aqui, a este sítio que não é um stencil, e escrever sem limite nem fronteira? A Isabel leu o que escrevi, mas quando o escrevi não me passou pela cabeça que a tal aluna tinha nome e se chamava Isabel. Muito menos que me iria ler ou que iria responder.
A Isabel podia chamar-se Lurdes. Ou João. Ou Fernanda. Ou Teresa. E nós podíamos escrever o que quiséssemos sobre ela, ou ele, que aqui não há quase lei nem roque e somos livres de dizermos o que nos vai na alma.
Em letra de forma.
E, muitas vezes, sem pensarmos que isto não é uma mesa de café e que qualquer google pode levar o que escrevemos até onde nunca pensaríamos que ira chegar. E que as palavras que aqui deixamos soltas podem passar a ser uma carta de amor ou uma bilhete de suícida.
Ou podem ser lidas por uma qualquer aluna chamada Isabel.
Há 2 anos
44 comentários:
não te estás a esquecer deste?
http://cabradeservico.blogspot.com/2009/01/foram-entropidos.html
Não me esqueci mas dois links já era demais.
Gaija, tenho estado mesmo a pensar nisto e começo a sentir que há muito mais peso nas palavras que aqui deixamos que o ponderado por nós quando as escrevemos.
É que a gente esquece-se do Google.
Acontece-me isso que dizes de vez em quando. Se tenho muito cuidado quando conto coisas que se passam em meu redor, mudo nomes, altero um pouco situações, por pudor que sejam reconhecidas as pessoas, quando falo em notícias que leio sinto-me livre de dizer o que me passa pela cabeça. Cá para mim, se aquilo foi público...
E não é uma vez nem duas (ando por cá há uns anos...) que recebo um comentário a um post escrito já há meses, de alguém que se identificou e vem dar ou pedir explicações. Fico aflita. Porque na altura disse uma piada qualquer, aquilo passou, e tenho a ideia de que esta coisa dos blogs quando está lá para baixo, desaparece.
Mas não é.
É por isso que já me têm censurado por usar muito expressões do tipo «parece-me que», «eu julgo», «tanto quanto sei» porque parece que estou com medo de afirmar as coisas. Mas é que isso mesmo. Muitas vezes é «tanto quanto sei» porque foram coisas que li na imprensa que pode não ser de fiar.
Este arrazoado é para dizer que me identifiquei imenso com o que escreveste!
cá para mim basta a adopção do enunciado sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, como faz o Socrates, muito bem colocado em discurso, é uma vitória da sociedade, para vir a minorar substancialmente a discriminação efectiva porque ela existe, e outro ar se respirará, e eu posso calar-me o que é bem bom.
Pronto, eu continuo a reprimir a apetência para os textos eróticos para não desassossegar a malta...
(Chefa, continua a ser um privilégio partilhar este espaço contigo).
Espero que a Isabel não estivesse aborrecida com o teu post, achei-o muito correcto. Já pensei nisso quando me pus a mandar "betites" sobre a Esmeralda, Maddie, Joana, quando são só uma opinião "do povo", a minha, formada pela comunicação social. Se calhar é por isso que me limito "às compras".
Atão, Gabs? Tás a abdicar de vez da tua capacidade de pensares pela própria cabeça?
A Comunicação Social tem as costas largas...
:)
Tens razão, são as minhas opiniões mesmo, Shark...
E já agora será "bitaites"?
É mesmo isso Emiele, não nos lembramos que estas palavras voam daqui para fora.
Das minhas opiniões não tenho medo, apesar de ter consciência que por vezes as extremo demais, mas preocupa-me andarmos por aqui, muitas vezes, a construir a nossa opinião em cima da opinião de outros sem termos cuidado em verificar os factos.
Z muito mal andamos nós quando precisamos de leis positivas para começar a respeitar os outros.
Shark, tu não reprimas nada...
(e gostas de partilhar espaços comigo porque sou pequena e qualquer cantinho me serve)
Gabs, abre a alma sem medos...
mas muito mal andamos nós, MESMO! Se não te deste conta é porque esse assunto te passou ao lado,
e com certeza que são precisas leis positivas, foi preciso tratar a violência doméstica como crime público, ou será que te opuseste a essa?
Tás a ouvir, Shark, parece que temos licença para levar o blog a conteúdos próprios para adultos.
(Não sou capaz, sei que há menores a deitarem o olho e nisso sou mesmo muito cheio de pudores. Além disso não percebo nada de política...)
(sem a mine e o mique???)
já agora em relação à violência doméstica deixa-me dizer-te que se não fossem as notícias dos jornais isso passava-me completamente ao lado, nunca convivi com isso, nem como agente nem como vítima nem sequer como testemunha, ignorava que esse mundo existia até que as notícias mo impuseram como verdade.
Creio que tendemos a ignorar as coisas que não nos tocam directamente, ou pelo menos aos nosso próximos.
Mas enfim, resolva-se, é o que quero, ou seja: melhore bastante, e eu passo de bom grado a outra, melhor ainda a nenhuma.
z, ser subalterna tem destas coisas! a chefa está sem net mas diz que te responde mal possa.
Z, eu também nunca vi crianças a morrer de fome em África, nunca convivi com elas, e no entanto não me passam ao lado.
Acho que foste injusto. O que eu disse não foi que o assunto casamento entre duas pessoas do mesmo sexo me passava ao lado, aliás nem me pronunciei sobre isso. Disse sim que é triste serem necessárias leis positivas para obrigar as pessoas a respeitarem-se. Digo-o em relação à homossexualidade como o digo em relação à côr da pele porque também é triste, muito triste, ter de estar escrito que "Todos os homens nascem livres e iguais"
As novas leis sobre a violência doméstica não podem ser comparadas com isto. São leis que visam dar mais eficácia na protecção da vitíma e na punição do agressor, mas não foi preciso fazer-se uma lei para que se passasse a ver o comportamento do agressor como errado. Éticamente este acto já estava valorizado. Podia ser um crime escondido, um crime que ficava entre agressor e vitíma, mas já era crime, a consciência colectiva já valorizava negativamente a agressão. Podia era ter, para com estas agressões em especial, uma postura diferente, a de que eram dores privadas e não havia que meter a colher. A lei, assim, primeiro tornou este crime público e agora tipificou-o especialmente, mas não foi preciso estar escrito que era crime para ser censurável. Concordo que podia até há pouco tempo não se lhe dar relevância penal, e não dava, mas isso não impedia que a voz do povo fosse "é ruim, bate na mulher".
Com as relações homossexuais é diferente. A sociedade, ou uma grande parte, ou uma pequena parte, continua sem respeitar o direito que qualquer um de nós tem à sua sexualidade. Os casais homossexuais "não são levados a sério", são muitas vezes vistos como devassos e não como duas pessoas que se amam e que escolheram viver juntas e é nesse sentido que digo que é triste, muito triste, ser preciso um papel para se chegar ao respeito que devia ser natural.
Não acho que seja uma luta indugna, ou menor, antes pelo contrario, é uma luta por direitos iguais. Preocupa-me, e entristece-me, é que seja precisa a respeitabilidade do casamento para que comecemos a respeitar o amor. Seja ele como for.
ah, desculpa se te magoei, com muitos dias de chuva seguidos também eu acinzento. Sabes que esta luta nem é propriamente minha, eu não conto me casar, dedico-a aos miúdos e miúdas para que possam andar abraçados na rua, e etc.
O que me interessa no casamento gay é apenas a assunção dos direitos iguais e a concomitante diluição da carga homofóbica.
Embora sei lá eu se um dia não pumba, entre casar e ter de fazer um testamento se calhar ainda caso, ao menos é mais alegre nos primeiros tempos.
Estou muito contente com a maneira como o Socrates enunciou a questão.
Ainda não fui ver o Milk, vou na quinta-feira com um amigo, ele pediu-me para esperar e eu anuí.
Não magoaste, não sejas tonto.
Percebo a luta mas continuoa achar que são caminhos demasiado enviesados.
E o testamento que não queres fazer (sabes que foi das coisas que sempre mais detestei fazer? fazia-me impressão estar a explicar às pessoas o que iria acontecer quando morressem.)entendo, mas para tudo isso não seria necessário o casamento.
E nota que esta minha guerra é contra o casamento como atestado de urbanidade e não com o facto de ser alargado a quem quer que seja.
a nossa posição em relação ao casamento é muito parecida: é banalizar aquilo como quase se de um contrato de arrendamento se tratasse, perfeitamente legítimo, mas trivial.
de facto essa do testamento chateia-me, deixa para lá, primeiro ainda tenho que sair desta situação encravada em que estou,
(tenho pena que não gostes da Carmen Miranda: ela era Aquario como tu, por isso tão esgrouviada; eu gosto muito da personagem, não tanto pela voz, ou pela técnica, ou pela encenação, mas pela coragem, pela loucura, pela alegria esfuziante; foi ela que fez o Brasil de hoje, e eles lá não esquecem, uma espécie de mãe portuguesa, pequenina, só força de alma; e sabe-se lá que tristezas, morrer aos 46 anos é obra)
bem... já que alguém fez o favor de me lembrar que a porta continua aberta e posso sempre entrar... deixem-me comentar este post (não sei se conseguirei fazê-lo de forma clara e sem me alongar em demasia)
por acaso sou do tempo do stencil... xxxiii como as coisas evoluem... outras não...
existem, penso eu, multiplas razões para se escrever, a mais comum é a própria necessidade de escrita, já para se criar um blog, creio que as razões são ainda mais vastas, mas não é por aí que quero ir.
para além de outras existem duas formas de escrita: a que fazemos para nós próprios e que só alguns perspicazes (ou que nos conhecem mais do que às vezes desejariamos) conseguem "apanhar", independentemente do facto de se gostar ou não do conjunto de palavras. a que fazemos para os outros, dirigida e intencional, que se pretende entendível (confesso que tenho imensa dificuldade nesta, mas isso agora não interessa para nada).
uma coisa é certa, ao torná-la pública, temos de aceitar que possa ser interpretada por quem lê da mesma forma com que a escrevemos? nem sempre.
é este o ponto onde bate a questão (se bem entendi - que eu às vezes sou meio lerda).
se num blog se pode apresentar como desculpa o facto de não se conhecerem todas as regras, em jornalismo essa desculpa parece-me descabida, já que se trata de uma escrita dirigida intencionalmente e elaborada por profissionais (às vezes só supostamente profissionais).
de qualquer forma, tudo o que escrevemos (eu diria tudo o que fazemos) tem repercussões e era bom que nos lembrassemos mais vezes que essas repercussões são sempre melhores quando positivas.
já agora... li o post sobre a Isabel (comentários incluidos como é meu hábito) e, embora entenda a sua posição em não dar andamento à problemática (na escola), lamento profundamenta que não o tenha feito, mas esse é um outro assunto e ainda sou daqui banida por praticar alongamentos.
deixem-me só acrescentar uma coisa. muitos dos blogs que visito permitiram-me saber tanta coisa, despertaram-me para tantos assuntos e ajudaram-me a recuperar um sem fim de acontecimentos e conhecimentos (entre outras ajudas), por isso o meu agradecimento a todos aqueles que escrevem e quando o fazem como neste blog, o agradecimento duplica
alongar??? nadinha :)
(para a próxima traz o saco-cama e dormes cá...)
não repitas isso, olha que eu tenho fama de maluca
Tb posso, gaija? ;-)
Sim, aquilo que escrevemos tem repercussões e isso a mim, que tenho à volta de 17 leitores, ainda me espanta mais. Como no dia em que postei um artigo do público (devidamente referenciado, evidentemente) sobre os putos q mataram a Gisberta e passada pouco mais de 24 horas recebi um mail da própria autora do artigo a pedir-me muito educadamente e com argumentos irrebatíveis que o retirasse. o que fiz imediatamente, claro. ultimamente aprendi a ver os "referrers" nas estatísticas e é extraordinário perceber os motivos pelos quais as pessoas vêm parar ao meu tasco e as postas onde vão dar - às vezes eu própria já não me lembrava delas. Agora se as lêem efectivamente ou não...Volta e meia, muito raramente, tenho ecos que o indicam.
Escarlate, comé? Bazamos ou ficamos?
eh pah... eu não estou com vontade nenhuma de trabalhar, portanto posso acampar em qualquer lado
achas que nos dão comida?
Talvez... se fizermos bastante barulho
(ouvi dizer q o Tubas é especialista no molho da sapateira - se bem q ontem foi lá ao tasco queixar-se do bacalhau e pedinchar outro prato; já elas é mais chocolate belga, o que tb calha sempre bem)
(Tb não me apetece fazer nadinha, camarada... )
alto lá!! molho de sapateira é a minha especialidade!!! nada de concorrências
já o chocolate... de mentol, sff
Já reparaste q largaram o tasco e nos deixaram aqui sozinhas? Onde é o frigo?
sei lá
azar o deles
quando voltarem deparam-se com uma arruaça do caraças
Eh lá, poucos abusos...
(este pc vai dar comigo em doida....)
Olha e eu ando às turras com a PT (pra variar), q tenho a net a passo de caracol com parkinson
Esta não está muito melhor. acho que deviamos fazer um levantamento popular.
(e couscous, ainda há?)
Eu sou sempre a favor da rebaldaria.
(Claro. E sobremesa. É um fartote...)
tou com uma fomeca... Acho que vou ver se as feras me deixaram alguma coisinha que se trinque
podes cj, mas traz só a almofada que és mais modestinha...
não sabem falar de mais nada além de comida?
hummm chocolatinho... vou ver se ainda tenho toblerone negro...
Cabra!
Eu estive a trabalhar e ainda nem jantei.
a trabalhar no cabra? és uma escrava!
(ainda não fui ao toblerone, mas não perde pela demora... queres?)
Ai, gaija, temo ter de revelar que na vossa ausência eu e a Escarlate assaltámos a despensa. Não sei se sobrou chiquelate...
onde tens a cabeça, gaija? só em sonhos encontravas o meu chocolate na despensa!
(pensam que o naboeiro me distrai...)
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