O raio verde

Foto Matilde

Reza a história, ou a lenda, que eu sempre achei que era mais lenda que história mas isso sou eu que sou muito céptica, que na Figueira da Foz, nos fins de tarde em que nem uma nuvem se vê no céu, lenda, lá está, que céu sem uma nuvem é coisa nunca vista por lá, em que a linha do horizonte é um traço bem definido entre o mar e o céu, lenda!, a linha está sempre mais borrada que o meu risco dos olhos, e em que nem uma brisa corre, ora cá está a prova provada de que é lenda, se nos concentrarmos bem no pôr do sol haveremos de ver, no exacto momento em que ele se esconde nas profundezas, um raio verde a aparecer  do mar.

Há quem diga que já o viu, a minha mãe diz que sim, que o viu uma vez, mas eu continuo a achar que o raio verde é outro e que esta é, há muito, uma desculpa bem esgalhada para se ficar na praia quando já ninguém mais por ali anda excepto quem connosco ficou para ver o tal raio verde, que não foi dessa que apareceu mas já que por ali ficámos e não está mais ninguém que não se dê por mal empregue o tempo.

Este ano, num dos muitos fins de tarde em que se ficou pela praia à espera do raio do raio verde, que se algum dia o vi já nem me lembro e se me esqueci é porque não valeu a pena ser lembrado, não vi o raio verde mas vi uma outra luz. Contaram-me uma outra história, não a do raio verde, e eu percebi como tinha sido tão despudoradamente enganada durante tantos anos. Contaram-me, enquanto a iam traduzindo do alemão arcaico escrito pelas pouco delicadas manápulas dos irmãos Grimm, a história da Princesa e do Sapo.

Lembram-se da princesa boazinha que brincava no jardim, que deixou cair a bola de ouro ao lago, e do sapo que a apanhou e a quem ela deu um beijo de agradecimento transformando-se então o sapo num garboso príncipe? Errado, tudo errado, mas graças a isso andei eu, e muitas de nós, a dar beijos a sapos à espera que virassem príncipes. Ora lá está, quantas de nós já conheceram sapos? Muitas. Quantas de nós os trataram bem? Muitas. Quantas de nós viram o sapo virar príncipe? Han?!... Ouvi alguma coisa? Ninguém diz nada?!...

Pois não, nem há nada para dizer porque sapo algum vira príncipe assim, só os das histórias mal contadas. O sapo da princesa, tal como todos os outros sapos, não lhe pediu um beijo, pediu foi para ir para a cama com ela. A princesa, esperta, disse-lhe que sim mas logo que se apanhou com a bola na mão raspou-se para o palácio que com sapos ela não queria nada. A gaita é que o sapo foi atrás dela, fez queixa ao Rei e este obrigou a filha, promessa é promessa, mesmo feita a um sapo, a levá-lo para a cama. E ela levar levou mas na cama é que não o meteu, atirou-o para um canto do quarto e deixou-o lá. Qual quê, o gajo não se calava, queria cama, claro, e a princesa, a nossa princesa que sempre acreditámos ser tão boazinha, farta de o ouvir e não suportando mais o coaxar irritante, pegou nele e atirou-o à parede. Aí, e só aí, o sapo se transformou em príncipe. Acham que nessa altura ele olhou para a princesa e lhe disse ora adeus que és uma cabra e vou-me embora? Isso seria assim nas outras histórias porque na realidade o que aconteceu foi bem diferente que ele saltou-lhe para a cama e três dias depois, três dias depois!, saíram do quarto porque a princesa não era parva e dar beijos a um sapo é uma coisa mas ir para a cama com um príncipe é outra bem diferente.

E, ao contrário do costume, nem é preciso dizer qual é a moral da história já que todas a percebemos bem, o que não percebíamos era a outra que nos  impingiram, porque, tal como o raio verde, era mesmo só uma lenda traiçoeira.

6 comentários:

Mente Quase Perigosa disse...

Isto vindo da gaija que quase me matou quando eu expulsei um sapo gordo e feio da minha propriedade com uma pá do lixo em vez de o beijar...

Fusão do Atomo disse...

Mente, não era com a pá do lixo, era manda-lo contra a parede.......e era uma vez um sapo que se transformou em Principe, ao vê-lo a Mente perdeu a cabeça e deu-lhe um beijo...e assim viveram felizes para sempre

Mente Quase Perigosa disse...

Queres com isso dizer que eu corri com o Príncipe à pazada?

Bem me parecia que algures na minha vida, eu tinha feito uma escolha qualquer errada...

Teresa disse...

Peixa, eu na altura já sabia que os sapos não eram para correr à pazada só não sabia que o príncipe só aparecia se os tratássemos mal, ainda pensava que se deviam tratar bem

Teresa disse...

Fusão, tenho pena mas com a Peixa o final era outro. Ela atirava o sapo contra a parede, o sapo transformava-se em príncipe olhava para ela, atónita, e dizia-lhe:
- Eu já te explico.
E pronto, acabava ali uma história que podia ter sido linda se sapo não tivesse desaparecido no ar.

Mente Quase Perigosa disse...

Tás a ver?
Só saltei uma etapa!