AS BRUXAS DE EASTWICK

Aqui há muitos, muitos anos, numa galáxia distante (as histórias boas começam sempre assim, eu sei, mas não tenham grandes esperanças que esta é fraquita), eu e a minha amiga do creme do cabelo (para referência chamemos-lhe Eugénia) fomos para os copos com um mocinho que ambas conhecíamos. O mocinho por sinal era muito jeitoso (que para referência passaremos a designar como Mister X) e ambas concordávamos com essa premissa. Copos para aqui, copos para ali, brinca daqui, brinca dali, a Eugénia vai ao bar e o moço tasca-me um beijo. Jusqu’ici tout va bien, como diria o outro. Ora, eu estava cansada, peguei no carro e fui para casa (a Gaija deve estar orgulhosa desta minha saída airosa aos pormenores). Passado umas horas (vulgo de manhã) arrastava-me eu alegremente (vá, talvez não tão alegremente quanto isso que há manhãs mais difíceis que outras) pela cozinha, namorando fervorosamente a máquina do café na esperança que o liquido saísse mais depressa, quando se me entra a Eugénia na cozinha. Pão para torradas, blá, blá, blá e ela sai-se com um “tenho que te contar uma coisa”. Pois que venha de lá ela, não é verdade? Embrulhei-me com o Mister X. Eu olhei para a máquina do café, olhei para a torradeira onde ela enfiava as fatias de pão e pensava cá com os meus botões: “a miúda acabou de sair de uma relação de merda, o gaijo é um gaijo porreiro, haverá mesmo necessidade de lhe dizer que ele me beijou quando ela foi ao bar, antes de se embrulhar com ele? Qual é a relevância para o caso, afinal? Será que a sinceridade justifica, em certas circunstâncias? (o que daria um tema para um excelente post, mas não é o tema deste. Eu bem avisei que isto era menos interessante do que poderia parecer à primeira vista)” Porque ao fim ao cabo, o que temia era que ela, eventualmente, pensasse que tinha sido uma segunda escolha. Que se eu lá estivesse, talvez as coisas fossem diferentes. Lá está, se… Se… Se…

(E agora vou fazer um parágrafo que até eu já estou cansada daquela mancha de texto. Que ao fim ao cabo, é mais ou menos dar tempo para que o café e as torradas acabem de fazer…)

Ora, com o pequeno-almoço posto à frente, quem é que me dizia a mim que a torrada se comia? Isto foi mesmo há muitos anos, que eu hoje sou muito menos escrupulosa (e vai daí talvez não). Mas, naquela altura, ainda acreditava na tal da sinceridade e que as relações, sejam elas de que tipo forem, nunca se podiam basear numa mentira. Eu sei que não era nada do outro mundo, mas já vi incidentes diplomáticos começarem por questiúnculas que não lembram nem ao Menino Jesus. E pensava também que ele lhe podia dizer e  quando nós sabemos estas coisas por terceiros nunca acreditamos na boa vontade de quem as omite. Por muito boas que fossem as intenções que essa pessoa tivesse, vão sempre para o lugar que lhes está proverbialmente destinado: para o Inferno!

Pus a torrada no prato e as palavras na boca e contei-lhe. Ela ficou calada. Eu pensei: querem lá ver que temos a burra nas couves? Quando, finalmente, falou foi para me dizer: “Cabrão! Mas beija bem comó caraças, não é?” Desatámos a rir e eu soube que aquilo era para toda a vida. Não o Mister X, mas eu e ela. Se alguma dúvida houvesse, ter-se-ía dissipado ali mesmo. Escusado será dizer que o Mister X não comeu nenhuma das duas, mas conseguiu ficar nosso amigo devido ao bom humor com que encarou o facto de ter o pequeno-almoço [ele afinal dormia no sofá da minha sala e eu nem tinha dado conta (não, não era um palacete. Eu é que não vejo mesmo nada de manhã sem beber, pelo menos, 1/2 litro de café) servido pelas 2 gaijas que havia beijado na noite anterior, em trajes de noite, esclarecendo-o que A já sabia de B e vice-versa.

Porque é que eu estou a falar disso agora? Porque olho à minha volta e as mulheres com quem me relaciono, casadas inclusive, adoram competir. Se um homem interessante aparece (vão-me desculpar a expressão) mas é tratado como um naco de carne, um troféu a adquirir. Isso faz-me espécie. É que os senhores vão-me desculpar a franqueza, mas se eu tiver que escolher entre uma amiga (ou até mesmo conhecida) de longa data ou o gaijo giro que apareceu agora, eu nem sequer penso nisso. Como não pensava há muitos anos atrás. Ok, ele até pode ser giro e saber quem é a Marguerite Yourcenar (isto é uma mera hipótese académica, claro) mas e daí? Eu não vou atropelar tudo e deitar por terra os meus princípios para levar o troféu para casa. Mesmo que seja a favorita no campeonato. Uma vez disseram-me que era porque eu tinha medo de competir e perder. Eu limitei-me a sorrir e a concordar. A verdade? É que há coisas que não sacrifico nem pelo maior troféu do mundo. Uma delas é a minha paz de espírito. Não a sacrifiquei naquela manhã em frente a uma torrada e não a sacrifico hoje. Se essas pessoas merecem essa consideração? Talvez não. Mas eu durmo muito bem. Por outro lado, conheço muita mulher que se queixa de insónias…

E, pronto, é isto. Eu bem disse que era menos interessante do que poderiam pensar.

16 comentários:

CybeRider disse...

Que rico post de Natal, falas no menino Jesus, mas também incluíste o Inferno. O Saramago ficaria orgulhoso, eu fiquei, que gostei da franqueza. Uns dias presa noutros caçador, mas o clã é sempre intocável, ainda que andem aos tiros à mesma lebre. Bonito!

Mente Quase Perigosa disse...

Antes fosse intocável, Cy, antes fosse... Mas a dura realidade é que na caça e na guerra - para alguns - , vale tudo!!!

(olha que ver este post como natalicio é ter uma elasticidade mental do camandro, amigo!!!!)

Anônimo disse...

também és muito inteligente, porque ao manteres a integridade tornas-te rara e assim cobiçada, o que é uma chatice por causa do assédio.

é verdade que penso que vocês mulheres dizem muito mal umas das outras a terceiros mas afinal é para esconjurar o mal, porque são muito mais solidárias na hora, quando é preciso. Acho bonito e acho bem.

eu tenho que me safar sózinho, eu a Natureza, porque sou bicho selvagem solitário & é o meu fado

mas dou uma lambidinha

Anônimo disse...

ah, mas isto tudo foi por causa da Yourcenar, tenho de reler as memórias de Adriano, boa idéia!

a Obra ao Negro não esqueci

vitriol

Anônimo disse...

post giro, vivo...
retratador nossa realidade humana e nossa geometria variavel
interessante
abraço

Mente Quase Perigosa disse...

Bom dia, Z!

Não é uma questão de inteligência - até porque essa raridade não é conhecida do mundo.

E acredita que muitas vezes me sinto burra que nem uma bota da tropa!

Andas tu com a Yourcenar e eu com a Duras: ando cá com uma vontadinha de reler o Marinheiro de Gibraltar...

Mente Quase Perigosa disse...

Aires, agora está explicado porque é que às vezes me sinto quadrada!!!!!!!!!!!

;o)

Anônimo disse...

"Mente quase"...

falei de nossa geometria variavel,

exactamente pensando em nossas ideias e tb palavras

e seu contexto de vida real que se nos proporciona a cada um de nós,

cabras ou cabrões - isto para aligeirar texto...

qtas vezes nossas quadraturas não o são assim tantu....

costumo dizer que a luta continua
face nossas questões problemas, duvidas insuficencias

abraço "mente"

Anônimo disse...

pois, era inteligência nesse sentido mais lato em que ela própria se dissolve, mas eu vinha mesmo era dar uma lambidinha, a singularidade do vertical é elegante ponto final e segue-se em frente,

eu ainda tenho o coração partido até hoje coladinho a camadas seguidas de supercola por causa de uns olhos azuis cabelos negros da Duras, só espero que tenham conseguido ser felizes apesar de tudo e eu rendo-me não sei a quê,

écharpe de seda negra, ainda tenho ali

aires: andas aqui de mota?

Anônimo disse...

imagina no que andamos... Bem, vou esticar as patas ao solzinho.

Mente Quase Perigosa disse...

Aires, compreendi-te bem. As questões da geometria é que muitas vezes se baseiam na (ego)centridade que leva à quadratura círcular que nos mantem refens da nossa própria finitude.

Mas lá está, eu de ciências exactas não percebo nada...

;o)

Mente Quase Perigosa disse...

Z, os olhos azuis cabelo negro trazem-me tantas, mas mesmo tantas recordações que poderíamos estar horas nisto.

Remte-me para palcos, camarins, vidas simples e compostas que se pontilhavam com sonhos e esperanças. Mas tal como a história do post, isso foi há muitos, muitos, muitos anos numa galáxia distante...

E diz-me lá quem é que não tem o coração todo partidinho e inúmeras vezes recolado?...

Só mesmo quem nunca viveu...

Mente Quase Perigosa disse...

Esse artigo assusta, Z. Para se ser gaija já não bastava a luta diária na sociedade e ainda temos que lutar connosco mesmo nas entranhas???

E ainda falam do mau feitio das mulheres?????

Anônimo disse...

Mente:

a geometria que falo são as posturas que se adoptam, connosco e com outros...

a egocentricidade é enfim uma caracteristica de nós todos,

mais ou menos controlada e controlavel, em casos particulares de afectos, raciocinios

já quanto à quadratura circular que citas,

penso que seja no sentido do contrario do espirito refens - senhores,

que tradiconalmente marcaram as nossas relações, existências

e que de certo modo, nos tentamos libertar nas relações sociais actuais,

das mulheres connosoco, homens,

numa base da consciencia e vontade de sermos conjuntamente melhores e mais uteis reciprocamente

e á sociedade ambiente,

abraço

Anônimo disse...

amanhã venho cá, agora vou xonar que estou com o rabo em cima das patas para ficarem quentinhas. Amanhã também falo do artigo dos sexos.

peguei a ler o olhos azuis cabelos negros estava em escala no aeroporto de Singapura...

Anônimo disse...

então sobre o artigo aqui vai um comentário, quando existe interacção entre coisas, tanto podem ser vistas numa lógica de conflito como de cooperação, o pensamento científico dominante é masculino e preferencia o primeiro, no entanto o segundo também lá está.

Esta é mais gira