Mas porque raio uma investigação do Ministério Público na Alemanha há-de ser levada mais a sério que uma nacional?
"O Partido Socialista concorda com a decisão tomada pelo Governo de suspender o cônsul alemão na medida em que a honorabilidade do exercício das funções públicas deve ser insuspeita", declarações de hoje do deputado socialista Ricardo Rodrigues à Lusa.
(mas também vou ficar sentadinha à espera que o Sol faça primeiras capas com peças do processo em segredo de justiça)
Eu sei que sempre venerámos o direito alemão
O outro lado deles.
Nunca fiz esta análise em voz alta, muito menos por escrito, mas talvez seja a hora de a fazer e este parece-me um sítio tão bom como outro qualquer.
Ali em baixo, na caixa de comentários do outro post, fala-se em diferenças, mentalidades, mundo, mas eu, aqui, vou falar do tal outro lado. Vou falar de mim, só de mim, porque eu, afinal, também sou diferente e acredito que é por aí, por aceitarmos a nossa própria diferença, que tudo começa.
Não vale a pena, logo agora que me apetece chamar os bois pelos nomes, pintar o que seja com cores que não tem. Quem teve um filho deficiente, sim, é isso, deficiente, percebe o que vou dizer. Se for mãe percebe ainda melhor.
Culpa. A primeira coisa que sentimos é culpa, vergonha, falhanço. Nós não fomos capazes. Nós, mães, podemos estar conscientes de tudo, dos acasos, da ciência que não explica, da sorte e do azar, de não termos feito aquele filho sozinhas mas ali, no momento da verdade, depois de o termos carregado aqueles meses todos, nós, só nós, nos damos imediatamente por culpadas e perguntamos qual foi o nosso erro. Olhamos para o nosso filho e pensamos que a primeira coisa que nos foi pedida que fizessemos por ele fizemos mal, porque nós não fomos capazes de fazer um filho, o nosso nasceu com defeito. E começamos, logo ali, a pedir-lhe desculpa. E tentamos, logo ali, que a prova viva da nossa incapacidade não tenha de pagar ainda mais pela nossa imperfeição. E começamos a protegê-lo, e começamos a proteger-nos.
Não é fácil carregar essa culpa e menos fácil ainda é libertarmo-nos dela. Nada ajuda, nem mesmo quem quer ajudar. São poucos, muito poucos, os que conseguem dizer-nos qualquer coisa que não aumente ainda mais a nossa miséria. Por essa altura chegam as palavras de conforto, mas será que queremos ser confortadas?, o conforto implica a existência de um desconforto, culpa portanto, chegam as perguntas inocentes "fizeste amniocentese?" que nos apontam dedos sem querer, o cruel "a menina já não era assim tão nova devia ter tido cuidado", o coitada dito entre o mar de lágrimas de um amigo qualquer - não, nós não queremos ser coitadas, nós queremos ser espancadas porque somos culpadas. Todos os que nos rodeiam passam para um lado que já não é o nosso e tratam-nos como se nós, de repente, nos tivessemos tornado cicerones de um mundo que não conhecem. Sai-lhes tudo boca fora, porque estão, eles, a viver uma experiência diferente, mas nós, as mães, as responsáveis por toda aquela confusão, temos de ter respostas para dar. "Coitado do pai, tens de perceber que está transtornado", "na nossa família é a primeira vez que acontece". "não vamos dizer já, temos de dar tempo às pessoas", "foi Deus que assim quis (o tu pecadora tiveste o que merecias fica escondido com o rabo de fora..)".
É naquela altura, debaixo de fogo cerrado, a espetarmos facas em nós mesmas e a querer perceber criticas veladas em tudo o que nos dizem, que temos de tomar a grande decisão da nossa vida - vamos carregar a nossa culpa e esconder as provas ou vamos tentar virar o jogo e fazer da nossa derrota uma enorme vitória?
Acham que estou a exagerar? Acham que não é assim? Acham que as mentalidades, e o direito à diferença, e o somos todos filhos de deus nos servem para alguma coisa quando estamos lá, sozinhas, frente a frente com o fruto do nosso ventre que nos esfrega na cara o nosso enorme falhanço, que nos faz sentir que somos menos mulheres e piores mães?
Não sei, já não me recordo, como se dá o salto para este lado onde agora estou mas sei que a descida aos infernos é violenta e sei que a subida é difícil e se faz sozinha. A tentação de passarmos o resto das nossas vidas, e da deles, a pedir desculpa, a pedir-lhes desculpa, é muito grande e percebo que a tentação de vivermos essa culpa escondidas do mundo, nós e eles, é ainda maior. Os outros talvez possam ajudar, os outros talvez possam facilitar, as mentalidades diferentes talvez tornem menos íngreme a subida, mas nada, nunca, vai impedir que a primeira batalha seja travada sem outras armas que não as nossas e seja uma batalha solitária. E quer se queira quer não, quer o digamos em voz alta ou o tentemos esconder no nosso fundo mais fundinho, vai deixar sempre cicatrizes. Se as mostramos ou as escondemos é o que faz a diferença na nossa vida e nas vidas deles.
(eu gostava de ser uma pessoa perfeita e de não ter sentido nada disto, mas não sou. acredito que pode haver quem seja mas também acredito que nunca é muito diferente)
Não me sai da cabeça
É só porque nunca calhou, nunca se tinham cruzado, andavam por sítios diferentes, mas pela primeira vez a Clara tem dois amigos com sindrome down, tal como ela. Sendo amigos dela, e havendo festa de anos, é normal que tenham sido convidados. Até aqui, tudo normal portanto.
"Fica um bocadinho e já venho buscar".
Como?!... Um bocadinho? Mas um bocadinho porquê se até vou fazer lasanha para o jantar?, ficam como os outros, até ao fim, e o fim é quando eles assim o decidem. Eu depois telefono, como é costume.
Ar de espanto e tentativas para me explicarem que isto e aquilo e se se portassem mal....
O Marco e a Marta ficaram. Parece que são namorados, mas isso ainda é assunto a decidir. É que o Marco tem sardas, é giro que se farta, a Clara morre de amores por ele e a Marta só o maltrata portanto, e no que eu puder fazer, a Marta, temos pena, mas já era. Mas pronto, por enquanto a Marta e o Marco ainda são namorados e não sairam um de ao pé do outro o tempo todo. O Marco sempre atento às precisões da Marta (é um cavalheiro, vi logo, que bem que estaria com a minha filha...), a Marta (gaja, sem "i") a chamar-lhe parvo (raio da miúda, dois lambadões e estava o assunto arrumado). Soube hoje que a única amiga que a Marta fez na festa foi a Francisca e foi porque a Francisca lhe foi à cara. Tudo certo e tudo a continuar dentro da maior normalidade, como nem podia deixar de ser.
Não sei que horas eram quando vieram buscar a Marta. A tia e uma prima. A Marta estava ao lado do Marco, a gajinha não desgruda, a lambuzar-se em lasanha tal como todos os outros. Foi embora antes do gelado, que eu acabei por nem provar (ainda!) porque entretanto fizeram-me gelar sem precisar do carapinhão e da emanha (sim, tenho gelado da Emanha no Algarve porque sim, a Peixa conhece meio mundo e o outro).
Foi pouco tempo depois da Marta ter saído que o telefone tocou. Era a mãe da Marta. Pus-lhe a vista em cima duas vezes e nem me caiu muito no goto mas o estupor do telefonema deu cabo de mim. Queria agradecer-me. Estava comovida. A voz tremia. A filha tinha chegado a casa feliz por ter ido a uma festa de anos.
E é esse telefonema que não me sai da cabeça e que ainda não consegui digerir.
Porra! E outra vez, Porra!
A Marta tem 16 anos e apesar de eu estar prontinha para ajudar a Clara a sacar-lhe o Marco, por que raio é que a Marta, com 16 anos, nunca tinha ido a uma festa de anos de uma amiga?
Não sei se os vossos filhos, ou sobrinhos, ou enteados, ou o que seja, conhecem alguma Marta mas importam-se de a convidar para as festas de anos? As mães delas vão reclamar um bocadinho, achar estranho, dar muitos conselhos, mas passa-lhes depressa e mesmo que a Marta seja namorada do Marco, seja uma chata, e o Marco tenha sardas e seja a paixão da Clara, a Marta não tem de estar 16 anos à espera para ir a uma festa de anos de uma amiga, pois não?
Gaijas, se fosse a vocês fazia greve
Depois de quase 24 horas em duras conversações a Peixa continua a não me deixar pôr a aqui a fotografia para poder ser devidamente apreciada.
Minha querida Peixa,
Acabada de chegar a casa, depois de umas retemperadoras horas de praia, apressei-me a abrir a tua missíva e a visionar o pequeno pormenor que lhe vinha agarrado e que justificava o seu envio.
Sim, tens razão em tudo. Tal como já me tinhas descrito em traços largos mas precisos, "aquilo só pode ser uma criação dos americanos" e sim, "Deus existe", mas, infelizmente, não tem milagrado muito aqui pelas vizinhanças ou o semblante desta tua amiga andaria muito mais radioso que o habitual.
Tanta perfeição é-me desconhecida e qualquer gaija com os dois pés assentes nesta terra madrasta te dirá, sem hesitar, que um gaijo lindo de morrer como aquele (Santo, tu desculpa, mas aquilo é mesmo de morrer, não é de se ficar doente), inteligente, com bom gosto e sentido de humor tem de ter, que nós sabemos que sim, qualquer defeitozinho.
(Caso não tenha, que ainda sou de acreditar em milagres longínquos, saca morada e número de telefone, 'tá bem? Agradecida)
Ralações
Quando nos apanham distraídas e nos envelhecem uma hora durante a noite que quantidade de creme anti-rugas temos de pôr a mais de manhã?
CLARA’S HEART
Há um ano atrás, o Shark fazia sexo interminável. A Gaija fazia o tradicional post de parabéns, secundada pela Gabs que também falava com o Napoleão. O Visconde partia para um daqueles sítios terminados em Onix com a promessa de voltar. O Santo devia andar atrás de algumas gémeas como é seu apanágio. Eu e a CJ iríamos continuar a ser virgens e puras por mais 24 horas.
Entretanto, mais um ano decorreu. Como em qualquer épico que se preze, houve encontros e desencontros, tragédias, funerais, viagens, risos e lágrimas, vitórias e derrotas.
Há um ano atrás, eu nunca tinha visto a Clara. Sabia-a aqui ao pé de mim e hoje pergunto-me quantas vezes não nos teremos cruzado no supermercado como acontece agora. Se a tinha visto antes? Não faço a mais pálida ideia. A culpa disso é mesmo da Carla. A Carla foi minha colega desde o 7º ano até ao 12º. A Carla tinha um irmão com paralisia infantil. Confinado a uma cadeira de rodas e com muitas limitações de movimentos e de fala, o R tinha o sorriso mais lindo do mundo. Um dia, a Carla contou-me que na Associação do irmão, havia muitos meninos que não podiam ir para a piscina porque à hora da piscina, os pais estavam a trabalhar e não tinham com quem entrar na água. Aos 16 anos, nós vamos mudar o mundo, não é? E abominamos injustiças, certo? Então na quarta-feira seguinte, lá me tinham à porta da instituição, de fato-de-banho na mochila, a voluntariar-me para entrar na piscina com um dos meninos. Sem qualquer formação, sem treino, sem preparação, sem nunca ter tido qualquer contacto com meninos ‘diferentes’ além do R. Nas primeiras semanas, saia de lá de coração estraçalhado e tinha que fazer um esforço sobre-humano para disfarçar qualquer olhar que demonstrasse a pena, compaixão, fosse lá o que fosse. Passado umas semanas, eu entrava e eles chamavam-me pelo nome e faziam algazarra para ver quem seria o sortudo que ia comigo para dentro de água (eles eram tantos, nós éramos tão poucos) eu apercebi-me que já não tinha que fazer esforço nenhum para disfarçar fosse o que fosse. Para mim eram meninos. Meninos que como qualquer menino, tudo o que queriam eram ir brincar na água. Já não lhes via a diferença. Eu já sabia ler-lhe o olhar e mesmo que não falassem, conseguia descortinar se estavam bem ou mal. Se o dia ia correr bem ou mal. Eram meninos e tal como qualquer menino queriam brincar e sentir-se seguros e era para isso que eu existia no mundo deles: para brincar e para não deixar que mal nenhum lhes acontecesse enquanto estavam nos meus braços. E no inicio, eles não confiavam. Olhavam-me de lado. Fingiam não me ver. Ficavam tensos quando lhes pegava. E depois deixavam-se ir. E eu sentia-me vitoriosa.
No Verão antes de entrar para a faculdade, os 3 meses de férias na casa da praia reduziram-se a 1. Os outros 2 foram passados a levantar-me às 6 da manhã para levar os meninos à praia. Os dias passados a levar e a trazer meninos da água. A servir lanches e sumos. A rir à sombra e a combater as paixonites dos mais velhos. E a certeza de que nunca mais iria ver meninos diferentes. Apenas meninos. E a cena que mais me marcou passou-se alguns anos depois, num supermercado, na secção da charcutaria, quando vi uma menina linda numa cadeirinha, a cabeça de lado e os olhos brilhantes a olhar para mim. Irresistível. Aproximei-me e fiz-lhe o mesmo que tantos já fizeram ao meu filho: meti-me com ela. Quando me endireitei para ir à minha vidinha, a mãe de pacote de fiambre na mãe olhava para mim e chorava. Agradeceu-me porque, pela primeira vez na vida, alguém se tinha metido com a filha num supermercado. Que, normalmente, as pessoas viravam a cara ou, pior, olhavam com pena. Que aquele tinha sido o primeiro momento de ‘normalidade’ que ela tinha tido desde que a filha nasceu. Conversámos durante um tempo e depois fui à minha vida.
Portanto, se eu encontrei a Clara antes de me ser formalmente apresentada e não dei por ela, a culpa é do R. O R. por causa deu quem eu aprendi o verdadeiro sentido de ‘diferente’. Não são os meninos que são diferentes. O que nós sentimos por eles é diferente. Por exemplo, eu nunca vou exigir da Clara o que exijo da Xica. Eu nunca vou sentir necessidade de proteger a Xica como sinto em relação à Clara. Eu vou olhar sempre para a Clara como um bem a proteger. Inclusive, do meu próprio filho o que eu sei que é ridículo. Ela tem o dobro do tamanho e da força dele, mas que querem? Eu olho para eles e vejo-os iguais. A mesma obrigação de protecção para com os dois. Logo aquele que estiver a arrear o outro leva o raspanete. Com a Xica nunca será assim. Essa vou eu mesmo arreá-la se for preciso!
E quando comecei a escrever, eu sei que isto tinha um sentido supremo e uma moral como ‘punch line’ para além dos inevitáveis “Parabéns, Clara”, mas experimentem lá escrever isto tudo com um mini gaijo pendurado ao vosso pescoço? Pronto, esqueci o final.
A virar-me do avesso
Um dos meus livros preferidos é A Peste do Camus. É um livro que se desenrola em círculos concêntricos. A peste começa lá longe, nada tem a ver connosco e só quando nos toca de perto é que percebemos, finalmente, que o mundo dos outros é também o nosso mundo.
Há 14 anos que passo este dia de neura. Foi o último dia de uma vida que eu conheci e nunca mais voltei a encontrar. Não é que me faça falta é só porque ainda não me habituei a esta nova eu porque 15 anos, na minha vida toda, não é assim tanto tempo.
Lembro-me bem de mim. Cheia de certezas, chavões, certa que era quase imbatível, que a vida, a mim, não me trocava as voltas. Uma enorme arrogância, uma absoluta falta de humildade, a sensação de que vivia num mundo diferente do mundo dos outros.
Há 15 anos, por esta hora, estava entalada entre a parede da sala e uma estante gigantesca a martelar furiosamente os pregos que lhe iriam segurar o fundo. Três módulos de prateleiras, um metro de largura cada um, e por baixo um móvel corrido com gavetas no centro e portas duplas dos lados. Ainda sei as medidas, 3,05 m de comprimento, 2,73 m de altura. Do meu lado esquerdo tinha a janela sem cortinas ou portadas e mais longe mas ali tão perto, o Tejo. Estava mais gente na casa mas não me lembro onde estavam nem o que faziam. Eu sei o que fazia, montava a estante. Não era a melhor altura para montar um móvel daqueles mas eu queria e portanto, sem hesitações, eu podia. Lembro-me que me era complicado arranjar espaço para meter a barriga naquela pequena fresta, que tinha conquistado à custa de muito empurrar, pés fixos no chão e força nas omoplatas, entre as prateleiras e a parede. Lembro-me também que tinha vestidas umas jardineiras de ganga e tinha metido os pregos e os parafusos nos bolsos da frente e as chaves de fenda e martelo nos bolsos de trás.
A Lina e a Maria José tinha-as encontrado uns tempos antes. Não muito. Não a via desde que a Maria José tinha nascido porque nessa altura eu já vivia em Lisboa e elas viviam na terra. A conversa com a minha mãe foi na cozinha lá de casa, o lá de casa como era na altura, como ainda é hoje, porque lá em casa será sempre ali, mesmo que pouco tempo lá tenha vivido. Falei-lhe do encontro e de como achei a Lina mais triste do que a Lina que eu conhecera e de como devia ser difícil ter uma filha como a Maria José. A barriga, a mesma barriga que me incomodava a montar a estante, já ali estava, bem visível, quase a rebentar. Nem por um momento pensei nela. A Lina era a Lina, eu era eu, e a mim, como disse, a vida não me trocava as voltas.
Amanhã faz 15 anos que a Clara nasceu. Amanhã faz 15 anos que fui mãe. Amanhã faz 15 anos que a vida me ensinou a maior lição de todas e me apanhou, pela primeira vez, completamente desprevenida. Já não me atrevo a montar estantes só porque quero, porque já sei que o eu quero nem sempre me abre as portas do eu posso. Já não olho para a Lina e a vejo triste porque já sei que não há razões para estar triste mas também já sei, sei muito bem, que a vida é um dia atrás do outro e os planos que temos hoje podem ruir amanhã por mais que vivamos na ilusão que a nossa vida somos nós que a controlamos e a decidimos.
E com direito a ligar o pinónim
Quando uma gaija toma a decisão de largar tudo o que não está a fazer, marimbar nos dois anos de agonia em que o foi vendo lentamente, muito lentamente, tomar formas e jeitos até aí desconhecidos só porque talvez fosse boa ideia variar, e decide pegar num telefone, chamar o Francisco e dizer-lhe as palavras que há muito se lhe enrolavam na língua sem conseguirem sair, a última coisa que quer ouvir é que se era para hoje, agora, devia ter telefonado antes.
“Quero cortá-lo curto”. Caramba, eu acho que qualquer pessoa entende que um querer destes não é compatível com agendas, horas marcadas, decisões a longo prazo. Isto é daquelas coisas que ou é para já ou já não é. Para mim um cabeleireiro é uma espécie de urgência hospitalar onde só vou se preciso mesmo e como tal assim devia estar organizado. Ninguém no seu juízo perfeito precisa de fazer uma permanente, muito menos com urgência, portanto pulseira azul ou verde e esperem que não morrem por isso. Um brushing, que penso que é aquela coisa que se faz em casa, com um secador, nos dois minutos a seguir ao duche, é mais ou menos como uma toma de paracetamol mas se querem ir à urgência eu até posso entender que escusam de andar a fazer figuras tristes pelas ruas com a cabeça cheia de rolos, mas então pulseirita amarela e está a andar, ou melhor, está sentada e espera. Cortar as pontas já me parece mais urgente que ponta espigada é pior que sapato cambado e justifica o laranja. Cortar curto é caso mais que emergente, ou é logo ou a vontade morre na praia, código vermelho sem qualquer tipo de dúvidas.
Mas isto era num mundo perfeito, num mundo que, hoje especialmente, acredito não ser possível, e portanto vou ter de me resignar a esquecer o cabelo curto que me iria resolver de imediato o mau humor galopante e tentar descobrir se não andará por aí alguém esquecido com quem possa acertar contas e descarregar este nervoso miudinho que me está a deixar inquieta.
A vingança dos duendes
Só pode ser isso porque eu, na plena posse de todas as minhas capacidades, nunca enfiaria o telemóvel dentro do armário das chávenas do café e menos ainda o deixaria ficar sem bateria.
A bem da Nação
Há coisas que estão muito para além da minha compreensão e uma delas é como é que há gente que acorda e começa a falar. Assim, falar, frases inteiras seguidas, frases complicadas que implicam raciocínios e, pior, muito pior, frases que terminam com pontos de interrogação como se esperassem que lá por nos enfiarem perguntas ouvidos dentro nós tivéssemos respostas para dar.
Eu concedo que de manhã se emitam alguns sons, poucos. Palavras desarticuladas, monossilábicas, alguns grunhidos, pequenas onomatopeias e tudo isso num volume civilizado que é como quem diz ligeiramente sussurradas e devidamente espaçadas para que não se perturbe o dia que começa, mas se falar é insuportável cantar é pecaminoso.Cantar de manhã é uma afronta, é uma provocação perigosa, é um pedido para que sejam cometidos crimes vários que podem ir desde a agressão com a escova de dentes até ao afogamento no copo do leite.
Ando há quase quinze anos a tentar explicar isto às duas criaturas que vivem comigo e se elas já perceberam que eu não sou daquelas mães que fica feliz quando lhe entram de manhã no quarto e a acordam com um lindo tabuleiro de pequeno almoço – isto, os tabuleiros de pequeno almoço que nos enfiam cara dentro enquanto sensatamente dormimos e tresandam a ovos e à manteiga das torradas tem relevância suficiente para ser melhor desenvolvido mais tarde – ainda não estão suficientemente condicionadas, acho que foi falta de bofetadas mas tive de desistir desse eficaz instrumento educativo porque a seguir teimavam em berrar o que ainda era mais insuportável, e de vez em quando elas falam comigo quando acordo e, mais de vez em quando ainda, elas cantam. Hoje foi manhã de cantorias e eu estou perturbada, estou bastante perturbada. Tão perturbada que nem consegui chegar a casa e me vi obrigada a parar no caminho em busca da cafeína redentora. Erro, grande erro.
Uma pastelaria de manhã é uma antecâmara de tortura. Gente, muita gente, e todas aquelas bocas daquela gente a debitarem palavras a uma velocidade vertiginosa. A gaja da mesa do canto, essa mesma, parecia um daqueles tornos inquisitoriais com que se esmagavam os ossos do crânio e o efeito era o mesmo. Tinha escolhido a mesa mais afastada de todas, sentou-se sozinha e mantinha várias conversas com todas as galinhas das outras mesas. Uma voz estridente, mais fina que uma agulha, com um volume adequado para chamar nomes ao árbitro num estádio cheio. Queixava-se dos filhos, tinha dois, o que foi logo estranho para mim, acho que estava a mentir, um ainda dou de barato que ninguém tem obrigação de saber ao que vai, mas dois é impossível, ninguém sobrevive a uma manhã com uma mulher daquelas, e, imaginem, estava indignada porque os miúdos andavam os dois num psiquiatra e mesmo assim ela não via melhorias.
Eu não falo de manhã. Pedir um café se faxefavor já é complicado e é por isso que reponho os níveis de cafeína em casa, mas se tal como hoje a urgência me leva até um balcão normalmente nem preciso de abrir a boca que qualquer empregada, mesmo ucraniana, olha para mim e percebe de imediato que estou ali para um café e rápido, mas falasse eu e tinha uma palavrinha para o papagaio da mesa do canto, uma palavrinha que lhe iria mudar a vida e trazer saúde aos filhos – Cale-se!
Bolas, será assim tão complicado não me violarem os ouvidos quando acordo e manterem esse registo na hora a seguir?
Carcassonne
A quem não conhece, e não sabe o que perde, explica-se bem. Peça a peça, jogador a jogador, vai-se desenhando o mapa de Carcassonne. Nunca é igual, que a única regra para colocar as peças é a do dominó, os lados têm de bater com o que está à volta, mas seguramente que não irão faltar castelos, estradas, mosteiros e muitos muitos campos verdes. Cada um de nós, jogadores, tem sete homens coloridos (aviso desde já que os vermelhos são meus) que vai colocando, ou não, em cima da peça por ele jogada para reclamar como seu o futuro castelo, a estrada, o mosteiro. Ou, e este ou é o busílis do jogo, os tais campos verdes que dão animação à coisa. Homem posto no campo é homem perdido até ao fim do jogo, que dali já não sai. A agricultura é assim, para a vida. Castelos, estradas e mosteiros são mais versáteis que assim que estiverem terminados libertam o seu construtor para ir carregar tijolo para outro lado ou dedicar-se à agricultura, enquanto que o irmão mais novo, o oitavo homem, avança umas casas no tabuleiro dos pontos depois de se fazerem as continhas aos ganhos imediatos por mais uma obra terminada.
Qualquer principiante, ou até jogador batido mas garganeiro, atira-se a construir grandes castelos, longas estradas, mata e esfola por mais uma pecinha que lhe irá dar um mísero ponto num mosteiro e encosta-se na cadeira, com olhar de gozo, vendo o seu homem avançar desalmadamente no tabuleiro deixando os outros para trás como se o jogo ganho fossem já favas contadas. Não são, faltam os pontinhos dos campos e esses só se contam acabado o jogo. São os campos que decidem tudo porque agricultor pode não ser castelão mas não tenha o castelão que comer que bem pode fazer-se à vida. O intuito do agricultor é ocupar campos onde irão ser construídos, por quem quer que seja, muitos castelos, porque são o castelos que lhe dão os decisivos pontos, mas ganhar os campos é difícil e trabalho para especialistas. Eles têm de comunicar entre si e qualquer estrada ou esquina de castelo pode deixar o pobre lavrador encerrado num cantinho de onde já não pode sair ou a servir de estátua no meio de uma bela rotunda. E depois há os outros agricultores. Campo que já tenha um não pode ter outro mas com muita perícia e alguma estratégia pode-se sempre tentar unir, peça a peça e sem dar nas vistas, um campo nosso a um campo do vizinho e passar a dividir com ele os castelos que já tinha. Ou, melhor ainda, pela surrelfa e sem grandes alaridos, podemos juntar vários dos nossos campos aos campos do vizinho e os nossos agricultores, em maioria, abarbatam-se com as culturas que tanto trabalho deram aos outros. Os campos. O jogo ganha-se e perde-se nos campos.
Gosto de jogar Carcassonne com a minha amiga Peixa. Conversamos, comemos, bebemos, rimos, como amigas que somos, claro, mas nem por um momento, um mísero segundo, tiramos os olhos do jogo ou baixamos as defesas, batendo-nos nos campos até ao fim e conservando o sorriso nos lábios sempre que a outra, em linguagem técnica, nos froquilha a jogada. Passamos horas nisto e nem piamos. A técnica da Peixa é conhecida, espalha agricultores pelos campos mais remotos e pacientemente vai-se dedicando a juntar aquilo tudo. Eu sou mais concentrada, junto os meus homens e tento bloquear a passagem dos outros. Umas vezes ganho eu, outras vezes ganha ela.
E agora, explicado que está o Carcassonne, vamos à vida. É que Carcassonne é jogo de gaija. Nunca, até hoje, um gajo nos ganhou o jogo, a não ser uma ou duas vezes e porque tiveram ajuda, e gajas então, daquelas sem “i”, é melhor nem tentarem - muito gritinho, muita palminha, muito castelinho mas sem verem um boi do que estão a fazer. Os homens são diferentes, eles tentam, eles esforçam-se, mas a não ser que tenham passado à categoria de ex’s eles são muito bonzinhos, muito delicados, ajudam-nos a acabar os nossos castelos, acrescentam-nos as estradas, perguntam se por acaso a peça que lhes saiu nos dá jeito para qualquer coisinha, e não conseguem perceber, nunca, que lá longe, nos campos, as gaijas estão-lhes a froquilhar o jogo todo sem perderem a compostura e nunca deixando de os tratar por meu amor. E no fim, feitas as contas decisivas, amuam, fazem beicinho, sentem-se prejudicados e não conseguem perceber que jogo é jogo e que uma gaija, por muito querida que seja, nunca tira os olhos do tabuleiro, mesmo que continue a servir as tapas e a encher os copos, e nunca, mas nunca, perde a oportunidade de lixar a jogada de quem esteja mais distraído ou a de quem não lhe chegam os neurónios para perceber o que está a acontecer por ali.
Vamos jogar um Carcassonne?
E sim, podem considerar este post ligeiramente, mas só ligeiramente, metafórico.
(espaço publicitário: parece que se vende na FNAC e na Bertrand, custa menos de vinte euros e vale cada cêntimo gasto)
HORTON E O MUNDO DOS QUEM*
“And so, all ended well for both Horton and Who's, and for all in the jungle, even kangaroos. So let that be a lesson to one and to all; a person is a person, no matter how small.”
(Horton Hears a Who)
Eu não sou mulher de grandes blind dates. Penso que ao longo da minha vida, terei tido uma meia-dúzia sendo que cada um deles daria posts tão hilariantes quanto o que aqui descrevi há uns dias. Há, porém, um que assume contornos de Twilight Zone misturado com Twin Peaks e Ilha da Fantasia. Num primeiro encontro com alguém que, apesar do seu 1,80, insistia em tentar convencer-me antes de nos encontrarmos que era anão daqueles à séria e tudo e tudo e tudo.
Sim, porque aquilo que a Chefa disse é verdade: eu pergunto. Eu pergunto tudo. Se eu tenho uma dúvida ou preciso de uma informação ou por mera curiosidade, eu pergunto. O pior que pode acontecer é não me responderem mas nesse pé já eu estava antes! Ora, não me venham cá com teorias que ninguém tem curiosidade e que não fazem perguntas. Não têm é coragem de o fazer. Porque têm vergonha, porque ficam nervosos, porque… porque… porque… Bolas, se querem saber, perguntem! Nem que seja à Peixa que eu já tenho mesmo fama de Liedson: A Peixa Resolve! (E, ultimamente é mesmo o que acontece, não é? Mas não me vou aqui alongar que eu trabalho ao abrigo de um Código Deontológico rigorosíssimo que me obriga a levar os segredos para a tumba e não há prescrição do crime que me safe.)
Mas estava eu a dizer que o senhor me tentava convencer que era, de facto, anão. E fez-me aquela pergunta que nós rezamos a todos os santinhos que nunca nos façam porque toda a gente sabe que há perguntas para as quais não queremos saber a resposta: E se eu for mesmo anão? Já não jantas comigo?
Arre, porra! Mas esta gente não percebe que quem faz perguntas aqui sou eu? E que se responde neste caso? Também sei que vocês estão mesmo a interrogar-se: mas porque raio fala ela com eles antes do blind date? Mas eu respondo-vos: é que eu sou distraída mas não sou parva! Eu não arrisco (por muito bem recomendado que venha, que isto são muitos anos a virar frangos) a partilhar uma mesa com alguém com quem eu não tenha a certeza de que gosto de falar. Desculpem lá, mas não. É que se há coisa que me faz espécie são aqueles homens com quem não consigo falar e aqueles que são incapazes de me arrancar um sorriso. (É tão fácil fazer-me sorrir…) Nem que seja o próprio Clive Owen, eu arrisco tal coisa! Arrisquei na 1ª vez porque fui enganada por uma velhinha de 80 anos e correu bem. Arrisquei na última vez porque fui enganada por uma coxa e já sabemos o que aconteceu, certo? (Basicamente, eu deixo-me enganar por pessoas pseudo-frágeis que usam a sua condição para me levar à certa. Mental note to self: Evitar pessoas frágeis!)
Mas onde ía eu?... Ah pois, a pergunta… E é nestas alturas que notamos que somos preconceituosos e temos raiva de nós. Eu, pelo menos, tenho. E se fosse um anão? Qual era o problema? Era um fulano divertido que sabia falar, escrever e fazer-me rir. Mas o nosso cérebro pré-formatado rejeita à partida o não convencional. E por muito que neguemos ser preconceituosos e nos declaremos espíritos abertos e livres e todos para a frentex, nestas alturas olhamos de frente a nossa mesquinhez e o nosso preconceito e vimos os quanto somos pequeninos (isto não é um trocadilho)… Eu vejo…
No entanto, toda a gente sabe que eu sou como a Chefa e a Chefa é como o São Tomé: ver para crer! Até porque o meu faro nestas coisas nunca me engana… Jamé! O senhor não era anão como toda a gente já percebeu e o jantar correu bem e ainda saímos no dia a seguir e divertimo-nos bastante.
(A Chefa nesta altura está à espera que eu conte a história do verdadeiro anão e do cavalo que aconteceu nessa mesma noite. A tal que parecia uma cena saída do Twin Peaks, mas como eu acho que isto merece ser um post educativo, mudei de ideias e vou deixar para outro dia. Se ela, entretanto, não me despedir…)
Basicamente, e porque a Xica tem uma fé em mim que só meninas de 12 anos têm nos seus mentores, eu vou-me dar ao trabalho de explicar aquilo que ela sabe mas que a mãe dela receia saber. Não há alturas ideais. Há pessoas que nos fascinam, que nos encantam. E isso acontece, independentemente, do tamanho e do aspecto da embalagem. O homem que eu mais amei fazia-me olhar bem para cima, tinha mais 15 anos que eu, era feio como uma bota da tropa e toda a gente dizia que eu merecia melhor. Desfez-me o coração em tantos pedaços que acho que ainda hoje me faltam peças. O fascínio não escolhe formato e, portanto, se o furacão Peixa tiver que dar um conselho à Xica será para lhe dizer que alto ou baixo, gordo ou magro, bonito ou feio, o que importa é que lhe desperte borboletas no estômago. Que ela sinta que ele lhe diz alguma coisa e a deixa sem resposta, desorientada, corada. E se nada lhe disser, se isso a fizer amaldiçoar e praguejar, nada terá a ver com o facto de ela olhar para ele de baixo para cima ou de cima para baixo. E repetir-lhe-ia aquilo que lhe disse no 1º dia do ano: que nunca se envergonhe ou deixe que alguém goze ou humilhe uma pessoa de quem ela gosta. Quanto à mãe da Xica, o que o furacão Peixa tem para lhe dizer é que ela há umas semanas conheceu um senhor – que muito a impressionou – e como deve ter reparado, era bem mais baixo que eu. O que a mãe da Xica não sabe é que a mulher dele, além de gira comó raio, é bem mais alta que eu. Estão casados há mais de 35 anos. As convenções somos nós que as fazemos. O que fica bem ou mal somos nós que decidimos. Assim como somos nós quem decidimos quem nos faz feliz e para nos fazer feliz, como dizem os brasileiros, tamanho não é documento.
Não há fórmulas, nem formatos, nem padrões certos e errados. Há aqueles que nós achamos que são expectáveis. Mas se há coisa que eu aprendi desde cedo, é que a vida é uma deliciosa dança com o imponderável e que nunca nos devemos esconder no canto do salão de baile com medo de trocar os passos. O melhor que nós temos a fazer é bailar até ao nascer do sol porque essa dança improvável pode ser o mais belo momento da nossa vida.
Os sailormen e os… outros.
Desde o dia em que, acabadinha de me conhecer, entrou porta de hospital adentro sacou da mala de porão do costume, tirou dela uma parafernália de vernizes e me convenceu que perna partida tem de ter unhaca vermelha, que eu soube que depois da Peixa a minha vida nunca mais seria a mesma. Só não soube, e gostaria de ter sido avisada, que até as minhas filhas, tão bem criadinhas até aí, iriam também passar a ter um furacão na vida delas.
Ainda não eram oito da manhã. Ainda não tinha tomado um café que fosse. O cigarro filho único, resquício de uma noite difícil, estava a ser poupado até poder ser devidamente apreciado quando, de repente, ela larga a bomba e eu percebo que preciso rapidamente de muita cafeína, muita nicotina e calma, muita calma, para pensar.
- Pergunta à Peixa. Ela conhece bem a problemática dos anões.
Caramba, eu não estava a pedir um cataclismo, eu estava só a sugerir à minha filha mais nova que agora que já é amiga do menino do lado podia aproveitar e vir com ele da escola.
Não é que o Pergunta à Peixa me tenha perturbado porque se houve coisa que entretanto aprendi é que se não se sabe pergunta-se à Peixa, o que me deixou com a tremedeira foi a problemática dos anões. É que eu, até eu, que nunca na minha vidinha me tinha preocupado com medidas, dei por mim num passado demasiado recente a fazer a pergunta peixiana, aquela que nunca me tinha passado pela cabeça fazer, aquela que para além do normal ponto de interrogação no fim leva um estranho quanto é que medes no princípio.
Eu, felizmente, desconheço completamente a problemática dos anões. Talvez não tenha vocação para olhar para baixo ou talvez seja algo mais comezinho, talvez o meu tamanho de boa sardinha nunca me tenha feito passar por especiais agruras, mas começo a ficar assustada, tão assustada que, como disse, já dou por mim a pedir medidas.
Sempre me lembro de ter de olhar para cima, normalmente até bastante para cima, muito mais para cima até do que é lá em cima. Não por andar muito cá em baixo, que até nem ando, mas por me fugir sempre a mão para a rifa maior. É certinho, se no cesto há anões nunca me saíram em sortes que eu acerto sempre nos gigantones e afinal até o meu melhor amigo se chama Miguelão e não Miguelito. Eu sei que a vida é injusta, que eu nem precisava de XXL porque qualquer M já me daria muita largueza, e que os tamanhos maiores deviam ser guardados para quem deles mais precisa, mas é sina minha e desventura delas, só pode. Agora o que me aflige é que a miúda ande preocupada com estas coisas e remeta para a Peixa mais esclarecimentos. É que eu não lhe auguro um grande futuro de cabeça levantada porque se ela sai à mãe em muita coisa não é no tamanho de certeza que eu nem com aqueles saltos de 10 cm lhe consigo ver o cocuruto da cabeça e ainda só tem 12 anos, mas também não convém começar já a assustá-la. Eu não posso fazer nada porque até acredito firmemente que podemos ser muito felizes mesmo que os nossos olhos encontrem um imenso espaço vazio pela frente ao invés de uns ombros ou até um botão de casaco mas isso é só de ouvir dizer, não é um daqueles saberes de experiência feito. Eu sei que a Peixa resolve, eu sei que a Peixa lhe explica, mas eu não sei é se a Peixa será a panaceia mais indicada para estas dores do crescimento. É que a Peixa continua a insistir na personagem errada e toda a gente sabe que o Popeye, alto grande e espadaúdo, escolhe a Olívia Palito para namorada e nunca, mas nunca, a Branca de Neve e já estou a ver a minha rica filha com a capinha pelos ombros e a blusa branca com folhos na gola, tal qual a guru dela insiste em usar, no bar da faculdade a tentar escolher entre o Sneezy e o Grumpy porque toda a gente sabe que Príncipes Encantados já foi chão que deu frutos e assim como assim é melhor escolher entre os sete ali à mão. Ou, considerando as alturas, ali ao joelho.
Relato de uma náufraga
Ontem fizeram-me a pergunta do milhão de dólares. A pergunta que eu evito fazer a mim mesma porque me embrulho toda nas respostas e acabo no mesmo lugar de onde parti.
“Não te imaginas a viver noutro sítio?”
Pois eu imagino, até porque a minha imaginação é um bicho muito desassossegado, eu imagino tudo e mais alguma coisinha, só ainda não consegui arranjar um GPS que me leve direita até lá e portanto, pelo sim pelo não e tendo em conta que o norte já o perdi há muito, vou ficando por aqui.
Mas a pergunta, a tal pergunta, fez-me pensar nas minhas mudanças todas. Os sítios por onde já passei, os sítios onde já fui feliz, os que me deixaram saudades, os que nem por isso.
O primeiro de todos é a minha terra. Descobri que tinha uma terra quando fui viver para Lisboa, porque lá toda a gente tem uma terra. Primeiro estranhava aquela coisa da terra, imaginava-me sempre a voltar de lá carregada de bilhas de azeite e résteas de cebolas, mas o hábito, o hábito é terrível, conseguiu com que até desse respostas sérias quando me perguntavam se ia à terra no fim de semana. E voltando à terra, que é como quem diz deixando de tergiversar (como gosto desta palavra) e pondo os pés naquele chão onde cresci, quatrocentos e alguns quilómetros lá para Norte daqui, penso se gostava de voltar a viver na terra. Os tremores e as gotas de suor frio que subitamente me escorrem da testa devem querer dizer alguma coisa.
E eu até gosto da terra. Gosto muito da minha terra. Não gosto de viver na minha terra mas esse é um luxo que só pode ter quem tem uma terra.
Na sexta-feira em que decidi, mais uma vez, sair da minha terra e procurar o sul mais Sul de todos tive uma conversa com o meu pai. Ele sabia que eu preciso de mudanças mas também sabia que preciso que me sacudam de onde estou e essa sempre foi a função dele. Foi ele quem me sacudiu de casa e me pôs a viver em Coimbra, quem depois me sacudiu de Coimbra para Lisboa, a seguir voltou a sacudir-me para casa, a minha terra é sempre a minha casa, e naquele dia tornou a sacudir-me dali para fora porque lá por eu tomar as decisões preciso das sacudidelas. Sabíamos os dois que essa ia ser a mudança mais difícil porque para além da bagagem do costume tinha dois novos embrulhos e esses diziam frágil em todos os lados, mas também sabíamos os dois que posso abanar mas não quebro nem deixo quebrar.
Foi na terça-feira a seguir, durante o funeral dele, que pela primeira vez tive medo de partir. Olhava para a terra, para aquele monte de terra rodeado de um mar de gente, e pensava que aquela era a terra que iria querer para mim e que aquela gente era a minha gente. Era ali que se enterravam os meus mortos e era ali que mesmo sentindo-me tão perdida e tão sozinha como me estava a sentir podia olhar à volta e ver portos de abrigo em tantos olhos.
Demorei mais três meses a descolar os pés que teimavam em não sair daquele chão e no dia em que me sentei no carro e finalmente rumei a Sul deixando para trás a terra, as gentes e os dois embrulhos frágeis com a promessa solene e cumprida de voltar todos os fins de semana até conseguir forrar de algodão qualquer esquina nova onde se pudessem magoar, liguei os limpa para-brisas convencida que a água que me toldava a vista era chuva lá fora.
Vi o arco-íris corridos poucos quilómetros, muito antes da auto-estrada que me ia trazer direitinha até aqui. Sei agora que no fim dos arco-íris não há potes de ouro mas também sei que se esta não é a minha terra e estas não são as minhas gentes este é o céu dos arco-íris e eu gosto de poder olhar para cima, de ver todas aquelas cores e imaginar os sítios onde me poderiam levar houvesse alguém que me voltasse a saber sacudir.
Até lá, até esse dia que pode nem chegar, continuo a ter a minha terra longe, o meu sítio aqui e uma imaginação desenfreada que me leva até onde nem quero ir.
O ALFAIATE DO PANAMÁ
Pois é, meus amigos, 222 visitas numa segunda-feira e quantos comentários de gaijas?
Vão lá contá-los, vão…
No finalzinho da noite, já começámos a vê-las a regressar mas até lá, entravam, metiam uma abaixo e seguiam directas para onde a Chefa apontava.
Sr. Alfaiate, parece-me que se impõe um agradecimentozinho à Cabra-Mor. É que, pelo menos, 150 saíram daqui disparadas depois de ver a sua(s) foto(s). Os restantes 72, ficaram mesmo por aqui a remoer a qualidade do ‘post’ da Tereza.
Eu? Eu é que nunca mais mostro o caminho das pedras a ninguém. Quero lá saber se é Quaresma!
Gente mete nojo
Há gentinha que nunca muda, têm como fado nascer mete nojo e hão-de continuar a ser mete nojo toda a vida. Já há muito que não me cruzava com um espécime desses, também fiz questão de sair do seu habitat natural e vir para onde não abundam, mas hoje voltei a tropeçar num.
Há uns tempos, dois ou três meses, num acesso de fraqueza, inscrevi-me no Facebook. A minha impressão daquela coisa era das piores mas contra todas as minhas expectativas afinal até funciona. Sem saber como nem porquê tenho reencontrado amigos com quem tinha perdido o contacto há tempo demais e mesmo aqueles que só se conheceram de raspão os anos que passaram transformam o reencontro numa festa. Até agora foi sempre assim e já conto muitos. Hoje, pela primeira vez, tropecei num mete nojo. Mais precisamente, numa mete nojo.
A gaja era horrível e a gaja ainda hoje é horrível. Carrega um daqueles apelidos sonantes que faz vergar espinhas mais débeis e um nariz que a torna inconfundível até num quarto escuro. Fomos colegas de turma no 12º e se não me esqueci dela tenho a certeza que também não se esqueceu de mim, mas adiante. Separámos-nos na Faculdade, eu fui e ela não, que o único defeito não era só a fealdade gritante, e um dia destes tropecei nela no Facebook. Inconfundível como sempre e apesar dos anos que às vezes até têm a gentileza de limar algunas arestas mais asíninas.
Simpaticamente, porque posso ser cabra mas sou simpática, mandei-lhe uma mensagem, com o meu nome todo, que tem também a característica de não ser assim tão vulgar, e dizendo-lhe que tinhamos sido colegas de liceu e não nos víamos desde aí. Por acaso até sou amiga do irmão dela, e com esse tenho alguns contactos, e ela é amiga do meu irmão, mas eu e ela há quase 30 anos que não nos viamos (já disse que continua feia como sempre?).
Hoje, quase quinze dias depois, tive resposta. Um curto, simples e arrogante "Sim. É possível".
Fuuuuuuiiiiiii...... apanhou-me mesmo mesmo num dia bom. É que para acabar em beleza só me faltava esta armada em mete nojo. Ora portanto, respostinha de imediato que isto tem de se malhar o ferro enquanto está quente - "Pois, também não tenho a certeza. Lembro-me vagamente de ti mas talvez esteja enganada por não ter ideia nenhuma de te ver na Faculdade e a turma estava lá toda."
Trunchas.
E agora, acham que demorou quinze dias a responder? Nadicas, nem quinze minutos. É que de repente fez-se luz naquele cérebro amorfo e veio-lhe tudo à memória, tudinho. E não é que até se lembrou de mim e tudo e tudo?
Gente mete nojo, já disse, não já?
E até parece que o fato foi feito à medida para mim
Afinal eles andam por aí. Depois de tantas queixas é sempre reconfortante encontrar um gaijo cheiinho de qualidades. Não sei se toca piano e fala francês mas habilidade para a costura não lhe falta, ou não fosse ele alfaiate, e escreve coisas assim:
(adenda 3 curtas horas depois – não sei porquê, deve ser só a qualidade da escrita, mas não pára aqui nenhuma e tem sido um corridinho para o blog do senhor…)
Será que com o dia do pai a acabar isto já são sugestões para o dia da mãe?
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Eu também quero brincar ao Pai Natal
Porque se é para publicar listas de presentes acho que o senhor arquitecto podia começar pelos da casa e anunciar ao mundo o que o Expresso deixava nos sapatinhos quando ele era director.
Esqueceu-se? Quer ajuda? Lembro-me de alguns.
DIÁRIO DA NOSSA PAIXÃO
Querido Diário,
Aqui há uns tempos, vem uma suposta ‘amiga’ minha com a brilhante ideia que tem um mocinho mesmo, mesmo, mesmo bom para me apresentar. Toda a gaija acima dos 30, solteira, conhece este filme. É fatal comó destino. Eu, que sou moça educada, ‘ah e tal, tu vê lá no que me metes…’. Ela, boa amiga, ‘não te preocupes, aliás, vou já ligar para ele e até vos apresento por telefone’. Eu, muitos anos a virar frangos, ‘ah e tal, tu vê lá no que me metes…’. E ela, boa amiga, liga. Eu falei com o senhor (lá está, moça educada). Depois da conversa, na cabeça dele, ‘a gaija está no papo’. Na minha cabeça, que já ando cá há uns anos, ‘isto vai dar merda’. Ela, boa amiga, decide que devemos conhecer-nos. Eu, já aprendi há muitos anos que não vale a pena marrar com muros de pedra, mas como de parva tenho pouco, acedo a jantar com ele na casa dela. Entrementes, ela, boa amiga, dá-lhe o meu número de telefone, assim a modos que tipo ensaio para o derby. A cada telefonema, na cabeça dele, mais se se forma a ideia de que eu estava numa excitação só para o conhecer. Eu - já sabem que eu sou assim, excitável - só pensava: ‘isto vai dar merda’.
Chegados ao dia, o senhor não só me achava nas nuvens e píncaros e mais além, como também favas contadas. Eu, excitadíssima (leia-se not), depois de tanto galanteio digno de qualquer aluno do 1º ano do 2º ciclo, só pensava que ele merecia mesmo que eu fosse vestir um fatinho de treino e calçar umas crocs daquelas felpudas para fazer uma grande entrada no jantar. Ela, boa amiga, estava em pânico com a perspectiva de que eu, de facto, o fizesse. E esteve por um triz, querido diário, quando ele me liga ao final depois de um dia (parafraseando um grande pensador da nossa época) com os níveis de fodibilidade elevados ao expoente máximo, já de casa dela, com voz melada a perguntar onde ando e se fui a casa vestir uma roupinha especial, foi preciso toda a minha força de vontade para resistir ao fatito de treino. E não era daqueles justos e giros. Era mesmo daqueles de bradar aos céus e fazer os cães da vizinhança uivarem de horror. Mas pensei, Mente Maria, tu vais seguir o exemplo da tua grande Chefa e vais ver quanto é que este carro dá! Vais abrir-lhe a avenida, quatro faixas inteirinhas, tudo livre, trânsito parado nas perpendiculares, piso perfeito e boa iluminação. E depois veremos até onde é que o carrito vai. Eu até dei de borla, atestar-lhe a viatura e verificar óleo, pastilhas e travões.
Claro que a corrida refeição foi um sucesso. Logo ao minuto 10 ou 12, o senhor tentou ligar o carro com o comando do portão com a tirada fabulosa e que costuma resultar lindamente quando queremos comer conhecer alguém, que é aquele clássico que derrete os corações mais empedernidos e solta a cueca mais justa e que se resume a responder a um comentário da outra parte com: ‘Não é nada disso! Tu não sabes, eu é que sei!’. Querido Diário, o esforço que eu tive que fazer para manter as calças vestidas! Obviamente, como estava perante uma inteligência superior, encostei às boxes e decidi que agora conduzia ele. Até mandei vir uma escolta policial e tudo e tudo e tudo. Deixei-o, basicamente, a falar com ela, a boa amiga.
Diário, eu sei que a Chefa anda a tentar ensinar os senhores deste mundo e arredores como não inserir a extremidade inferior nas superfícies côncavas repletas de água no que concerne as relações com o sexo fraco e, talvez fosse boa ideia, ela ensinar-lhes que se vão a um jantar propositadamente para conhecer uma pessoa e se essa pessoa não tuge nem muge, esse é um claro sinal de que algo está podre no reino da Dinamarca. Não é, definitivamente, um sinal de que devam encetar uma dissertação sobre a ex-mulher e todas as minudências do processo de divórcio. Não é! Além disso, outra coisinha que a Chefa podia ensinar aos senhores, é que se eles se referem à ex-mulher com sinónimos de prostituta, isso tira-nos as predisposição de alguma vez chegarmos a menos de 10 metros de distância desse senhor. É que nas costas dos outros, nós vemos as nossas. E está-se mesmo a imaginar que hoje é ela, amanhã, se algo correr mal, a puta seremos nós! Mas isto foi um aparte…
Como vês, Diário, isto estava a correr bem. O carro não arrancava, mas a avenida toda iluminada estava linda! Depois da dissertação sobre a ex, passamos a uma explanação dos filhos. Os dele, claro, que toda a gente sabe que é de mau tom deixar as outras pessoas falarem, nestas coisas. De salientar, que eu, pessoa burra, já tinha o cérebro em off há muito tempo e me limitava a ‘humm’s’ e ‘pois’. Entretinha-me a pensar nas minhas coisinhas para evitar adormecer com a quantidade de informação relevante debitada por segundo. Como é que eu fazia isso? Comecei por galar o sofá que até tinha uma mantinha e tudo. Não resultou que me deu mais sono. Amaldiçoei o facto de não ter ido vestir o fato de treino. Estava mais quentinha e tirava a predisposição para tanta conversa, de certezinha. Isso já me despertou mais que eu sou energética quando me repreendo mentalmente. Por fim, quando a coisa já estava a atingir níveis épicos, dediquei-me a imaginar o senhor numa cena de sexo escaldante. O máximo que consegui, foi mesmo imaginá-lo de cueca (sim, cueca mesmo) e peúgas a fazer uma check list mental “2 linguados. Check. Agora beijo no pescoço enquanto apalpo a mama esquerda. Check. Passagem de mão a sul do Equador. Check. Truxas. Truxas. Foi bom, não foi, querida?”. E assim me entretia e conseguia manter um sorriso nos lábios. Sim, que a Chefa também lhes devia ensinar que podemos ter aquele ar de quem bebe cada uma das suas sábias palavrinhas e estarmos a pensar estas coisas. E fazemos tudo isto de saltos de 9 cms e de cueca enfiada no rabo! Acaso, pensam que a senhora da imagem está a rezar Avé Marias mentalmente, não?
O que eu não sabia é que o melhor ainda estava para vir. Ah, pois estava… No meio de uma discussão qualquer sobre qualquer coisa que como deves imaginar eu não estava nem aí, ele começa a falar dos olhos e que tinha uma coisa qualquer nos olhos e os olhos e não vai de modas, espeta-me o dedo e diz: "’E tu também tens! Tu tens hiperteloirismo! E é uma merda’. Primeira hipótese: isso explica os meus lapsos! Devo ser loira nos olhos! Mais do que isso. Sou hiper-loira! Segunda hipótese: ‘Eu tenho o quê??????"’ Ar sábio e circunspecto: ‘hiperteloirismo’. Revirada de olhos loiros: ‘sim, mas isso é português é mesmo o quê?’. E a tirada que me fez quase lançar aos seus pés e jurar a minha eterna devoção: ‘tens os olhos muito afastados’. Digam-me, a sério, expliquem-me porque raios eu nunca tinha pensado em dizer isto a alguém num blind date? É que é óbvio!!!! Nada diz ‘quero-te’ como hiperteloirismo! Nada diz ‘és uma mulher fantástica’ como ‘tens olhos muito afastados’.
E já é tarde, Querido Diário, vou-me deitar e, antes de ter sonhos molhados e eróticos e pornográficos com ele, vou ali ler umas páginas de um livro que eu penso que me será muito útil nos próximos tempos: “Como ser mulher e satisfazer outra mulher em 10 simples lições”!
Isto parece a Rua Sésamo, temos de os ensinar com música ou não aprendem
Está tudo dito, foi tudo escrito, até cantado, mas como diz uma grande pensadora do nosso tempo nós abrimos-lhes a avenida, quatro faixas inteirinhas, tudo livre, trânsito parado nas perpendiculares, piso perfeito, boa iluminação e eles, gaijos, espetam-se contra o único candeeiro logo nos primeiros metros.
Quero acreditar, preciso de acreditar, que não é inépcia mas distracção, que somos nós, gaijas, que os transtornamos e lhes toldamos a razão e os sentidos, mas infelizmente isto já nem é uma fé, passou, por mérito desmérito deles, à categoria de fézada.
Ali para baixo, numa caixinha de comentários qualquer, anunciei a realização próxima de uns cursos de formação que nós, gaijas deste blog, estamos dispostas a realizar em prol do sossego e felicidade próprios e alheios, porque estamos fartas de gajos que insistem em trautear os primeiros versos sem terem tido o cuidado de perceber que há uma estrofe, e que essa, só essa, é a nossa, a das gaijas.
A canção chama-se, como não podia deixar de se chamar, Terezinha. Ouçam-na com atenção, leiam o poema que tenho o cuidado de transcrever na esperança, aposto que vã, de melhor entenderem as palavrinhas todas, pensem nele, deitem-se e levantem-se com ele, façam dele a vossa bíblia, a vossa religião, e em exercícios de auto análise perguntem-se porque raio andarão há tanto tempo a baterem-se por serem o primeiro ou, quanto muito e na pior das hipóteses, o segundo.
Em caso de dúvida, perguntem-nos que estamos aqui para vos esclarecer. Se acharem que sozinhos não chegam lá, já disse, a acção de formação é uma promessa a cumprir.
O primeiro me chegou como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio, me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada que tocou meu coração
Mas não me negava nada, e assustada, eu disse não
O segundo me chegou como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente tão amarga de tragar
Indagou o meu passado e cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada, e assustada, eu disse não
O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro dentro do meu coração
Para acabar de vez com os mal entendidos
Há coisas com que não se brinca. Não por terem um qualquer estatuto de superioridade intocável mas por serem tão repelentes que nem para fazer graçolas servem, quanto mais gracinhas.
Imaginemos a seguinte situação. Eles estão os dois deitados, acabaram de acordar, o choco ainda é bom. O braço dele passa-lhe por detrás das costas e ela afaga-lhe o pescoço com o cabelo.
Ela: Estou a magoar-te o braço?
Ele: Não. Se estivesses a magoar já tinhas levado duas estaladonas.
Gaijas, todas nós sabemos que este é um diálogo possível, que nos deixa bem dispostas, que nos leva a enroscar ainda mais um bocadinho e a desligar a porra do alarme do telefone.
Agora ponhamos a coisa assim.
Ela: Estou a magoar-te o braço?
Ele: Não. Se estivesses já tinhas levado tau tau.
Digam-me, gaijas, quantas de vocês não saltariam imediatamente da cama, lhe atirariam os truces à cara – sim, um tipo destes usa truces e camisola interior com alças – e não lhe indicariam a porta da rua com ordens expressas para esquecer o vosso nome?
Gaijos, não brinquem com coisas sérias. Não nos obriguem a desprezar-vos porque assim como assim nós até gostamos de braços pelas costas e choco de manhã. Nem todos vocês podem ser giros e ter o sentido de humor do Ricardo Araújo Pereira, e se não sabem o que dizer, se têm dúvidas sobre a piada, mantenham-se caladinhos que vos fica sempre bem e vos dá um ar de mistério que até nos agrada, mas não arrisquem. Depois do mal estar feito já não há regressão possível e nem que tenham o charme do Clooney nós voltaremos a olhar-vos libidinosamente.
Há mais umas gracinhas que nos gelam for ever and ever mas como a mente ainda não escreveu sobre elas e como já foi avisada pelas chefias deste estabelecimento que é melhor não o fazer porque só vos dá ideias estranhas, este era mesmo o esclarecimento mais urgente. Outros se seguirão já que me parece que ainda há um longo caminho a percorrer nesta estranha educação de Rita que virou Rito.
A tal Lei de Lavoisier é que nos trama
E eles transformam-se, é claro que se transformam.
Andava para aqui a pensar que éramos nós que estávamos mais exigentes, mais saídas da casca, com vontade de aplicar uma vingança de séculos que nos levava a olha-los com uma certa complacência, quase como se de seres menores se tratasse, mas afinal é tudo uma questão de energia.
Toda a gente sabe que nos últimos tempos nós gaijas andamos mais mexidas, respiramos mais ar, fazemos mais exercício, tomámos conta do nosso nariz e não lhes damos sossego. Depois de sermos presas durante séculos virámos caçadoras mas estas caçadas não dão gozo nenhum. A eles falta-lhes o fôlego, não têm pedalada, encostam num canto à primeira flechada e olham-nos cabisbaixos pedindo misericórdia. Enfim, os homens, quase todos os homens, estão uma seca, não dão pica, fogem à luta, parecem umas meninas.
Se fosse só eu a notar o fenómeno podia considerar que estava enganada, embora só hipoteticamente que eu sou como o outro, mas as queixas são muitas e chegam das mais variadas proveniências. Eu acho que nesta coisa da igualdade as voltas trocaram-se num caminho qualquer. Nós quisemos ser como eles, eles resolveram ser como nós e lá andamos trocados outra vez. Todos os dias me chegam mais provas da aberração, com descrições verdadeiramente inverosímeis. Elas contam que os arrastam pela gravata mandam-os calar, despacham-os a seguir e eles nem piam, eles maçam-nas com longas conversas recheadas de pormenores de que nem uma gaija nos bons velhos tempos se lembraria, chegando a descrever com precisão a cor da camisolinha que ela vestia naquele dia como, e só pode, todas as noites dos últimos anos confiassem os seus segredos ao querido diário tão menineiro, eles amuam, ficam ofendidinhos se nos esquecemos de uma data qualquer daquelas que não lembram nem ao menino jesus, têm horas de recolher, desunham-se em desculpas esfarrapadas e justificam-se todos que morrem de medo de mal entendidos, umas florinhas, eles viraram umas florinhas de estufa.
Eu andava intrigada, confesso que andava, não via razão para tamanho descalabro, até que percebi que a ciência explica tudo e o bom do Lavoisier já tinha avisado. Nós, gaijas, andamos a consumir muito mais energia, toda a gente sabe que ela tem de vir de qualquer lado que o fiat lux já foi chão que deu uvas, e o qualquer lado é deles que estão à mão de semear e não custa nada antes pelo contrário.
Minhas queridas, tenho muita pena de ser o arauto de tão más notícias, mas ou passamos a respirar mais devagarinho ou vamos ter de nos habituar a este circo que nos atira para o colo meninas barbudas.
E vergonha na cara também era bom, não era?
Ontem ouvi uma teoria interessante. Durante a Guerra Fria os americanos conseguiam prever o que os russos estavam a preparar já que normalmente era aquilo que os acusavam de estar a fazer.
Hoje lembrei-me disso quando vi as notícias da lei da rolha do PSD. Asfixia democrática, portanto.
Pedro e o Lobo
Tenho a ligeira sensação que esta história anda a ser mal contada desde o princípio e que o tal de bulliyng tem costas muito largas.
Mirandela: Buscas terminaram sem encontrar corpo da criança desaparecida no Tua.
Se podem ser vítimas porque não hão-de poder ser vilãs?
Fico com a impressão que se O Exorcista fosse um filme brasileiro teríamos um nêgão no papel principal…
Sempre quis ser uma grande líder
Cabras subalternos, comentadores, leitores e público em geral, a chefia desta casa, imbuída de um espírito democrático up to date, decidiu convocar eleições para de hoje a 60 dias.
E estamos conversados!
Este gajo sabia-a toda
“É difícil não sermos injustos com aquilo que amamos”
Oscar Wilde
Percebe-se bem, explica-se como?
Já não há cu
Assim mesmo, curto e grosso – não há cu.
Só me consigo lembrar daquele joguinho do passa ao outro e não ao mesmo. Já não há um único pecador que se confesse porque a culpa mora sempre ao lado. Um professor mata-se a culpa é dos alunos, um miúdo atira-se ao rio a culpa é dos colegas, o PS sobe nas sondagens a culpa é da oposição que não existe, os putos baldam-se às aulas a culpa é dos pais, estamos todos tesos a culpa é da crise, levam um pontapé nos fundilhos porque são muito maus a culpa é do Governo, a Madeira passa a ilha rodeada de água por todos os lados incluindo por cima a culpa é do aquecimento global, o Haiti treme que nem gelatina a culpa é dos americanos, anda uma pila sem cabresto a violar miúdas a culpa é da mãe, passo meses sem escrever a culpa é da net.
Na parte que por aqui me toca, aponto já a dedo o único culpado - eu. Não escrevi porque não me apeteceu e pouco mais tenho a justificar. Faltou-me a pachorra, a paciência, a vontade, a necessidade, o querer. A culpa não é da net, das mudanças, do portátil avariado, do cão da vizinha que não me dá sossego, do tempo de chuva, do diabo a quatro. A responsabilidade é minha e só minha porque se há uma coisinha que me irrita é que neste empurra empurra nos tentem transformar num vegetal sem qualquer possibilidade de tomar decisões e fazer escolhas. Eu, Tereza, assumo todas as minhas culpas e não tenciono prescindir nunca da imensa liberdade de poder escolher. Para o bem e para o mal.
A MISSÃO
Jesus pediu aos adeptos do Benfica que mostrassem o Inferno ao Marselha.
Este é o treinador da mesma equipa que conta com o Alan Kardec.
Admiram-se com os bons resultados? Eu não. Eu diria que é mesmo a única equipa a jogar em todas a frentes!
THE DATING GAME
Hoje disseram-me que um dos sonhos de vida que tinham, era saberem-me sossegada e pacientemente à espera do final de um jogo do Benfica para poder falar com um homem.
Eu – que toda a gente sabe que sou obediente e bom feitio – ficaria num sossego só e a jorrar paciência por todos os poros.
Eh pá, que um homem me diga que quer ver um jogo, oh meu amigo, ide e levai aqui 3 minis para o caminho. Ou, se estiver para aí virada, ‘bora lá nessa.
Agora, sentar-me sossegada com o único intuito de esperar o final do jogo para poder falar com alguém? Já agora é esperado que faça ‘o comer’ do homem para quando o jogo acabar? Vocês ajudem-me que eu ainda sou do tempo em que, parafraseando um grande pensador dos nossos dias, os homens “lhes seguram a porta, que as levam a casa e não forçam a subida” (se bem que esta última parte é discutível porque há uma coisa chamada agressividade-passiva ou vice-versa que nunca sei).
Será que é isto que é esperado das mulheres no século XXI? Que continuem na caverna à espera que os homens venham da caça? E depois vêm-me com quilómetros de textos do dia da mulher! Quer-se dizer, ao bater da meia-noite do dia 8 de Março voltámos aos dias da sopeira, não?
A gaija que me disse isto merecia definitivamente levar um tau-tau naquele tutu que a deixasse toda negra! Sinceramente…