A Peixa tem olho para os gajos

- Como é que se chama o anão?

- Carlos.


Assim, sem hesitar, sem piscar o olho, sem derrapar nas palavras, atirando com a resposta sem fazer perguntas desnecessárias e mantendo o mesmo ar sereno de sempre.


A vida na cidade é difícil. É pelo menos mais difícil que a vida no campo. Enquanto vivi no campo sabia que tabaco e café só na Lurdes mas pelo menos tinha tabaco e café e baile ao fim de semana e isso era certo. Agora, na cidade, a coisa é complicada. Tabaco já sei que têm mas o café está difícil e não é por falta de tentativas. Volta e meia, é só mesmo mais meia, lá aparece a Peixa por aqui e a dúvida é sempre a mesma e agora, que fazemos? e se fossemos tomar um café ali à esquina? e nós lá vamos mas nunca conseguimos tomar um café, o que é estranho, não sei porque não servem cafés, vê-se gente com copos na mão mas chávenas nada. Pelo menos têm tabaco e se não servem cafés e em Roma temos de ser romanos nós, com grande sacrifício, lá pedimos um copo com qualquer coisinha.

E é lá, nesse sítio onde não servem cafés e onde têm um gigante à porta, que anda o anão. Ele não é assim bem bem um anão, ou um midget, ou um dwarf, é só um ser pequenino com ar de duende, que ciranda lá pelo meio sempre de auricular no ouvido e que com um ar sério e mau comanda aquele mundo de gigantes. E eu e a Peixa temos medo, muito medo, que ele olha para nós e até já nos faz assim uns sorrisos e nós temos medo que um dia nos salte para dentro de um bolso sem darmos conta e lá vimos nós com o anão para casa e portanto temos sempre o cuidado de não levar malas grandes e antes de sairmos até os bolsitos das moedas nas jeans nós viramos do avesso.

Café não tomado atrás de café não tomado o anão foi entrando no nosso dia a dia, que é como quem diz nas nossas noites lá de vez em quando, e nós tínhamos pena, muita pena, de não sabermos como se chamava o anão que ele lá por nos sorrir tem cara de mau e não iria gostar se um dia lhe disséssemos olha lá, ó anão,  já que não servem café pelos menos podiam pôr vodka a sério nos sumos de laranja que isto assim não está com nada e se é para beber um suminho ficamos em casa, o nome era mesmo um problema mas da última vez que fomos beber um café ficou determinado que o meu objectivo seria saber o nome do anão, o que não era fácil, que não me dava muito jeito chegar ao pé dele e perguntar ó anão como é que te chamas? porque eu até já expliquei que ele é anão mas manda naquilo tudo e nós temos esperança de um dia ainda conseguirmos beber o tal café. 


Foi então, quase em desespero de causa e assumindo a derrota, que na última noite, já de casaco vestido e abotoado que cá fora faz frio, me abeirei do porteiro latagão que faz origamis e a seco, sem pré aviso ou rodriguinhos, lhe atirei com a pergunta. Como é que se chama o anão? E ele respondeu. Desde aí a minha consideração pela Peixa aumentou bastante. É que ela tem bom olho para gajos, ela sabe escolhê-los, que fosse outro e ainda agora estava a tentar perceber o que lhe teria eu perguntado.E eu gosto de pessoas assim, que as apanham no ar sem precisarem de explicações e agora até podia dizer que tirando o porteiro latagão da Peixa conheço poucas, muito poucas.


E eu tenho de reconhecer que lá por aquilo não ser o sítio da Lurdes, que bem que podem ter tabaco e baile mas não servem café, o porteiro faz a casa e até até agora já mostrou que para além de saber fazer origamis também é rápido no gatilho. Como já disse, a Peixa tem olho para os gajos. Deve ser pelos dentes que lhes tira a pinta.

Um comentário:

Mente Quase Perigosa disse...

Eu podia comentar isto que podia mas a única coisa a reter aqui é mesmo que a Peixa é gaija que sabe fazer as coisas, logo a Peixa é a maior, logo a Peixa é a tua heroína.

Basicamente, a Peixa é que sabe.

(Isto é mesmo uma ode a mim, Cool...)