Dos comboios que passam de quem os vê passar das leituras em tempo de férias e dos espelhos mentirosos


Era frequente, naquela altura, ficarmos parados dentro do carro à espera do comboio que iria passar até que de repente, cruzando um bocadinho de horizonte, lá aparecia ele para desaparecer do outro lado e era nessa altura, quando o comboio passava, que o meu pai nos voltava a ensinar, como se repetindo sempre o mesmo comboios sem conta houvesse a esperança de que não o esquecêssemos, que aquele comboio vinha de algum lado e seguia para outro, que dentro dele iam pessoas à janela, que nos viam aparecer e desaparecer tal como nós as víamos a elas e que as vidas continuavam para além daquele momento em que se cruzavam não havendo personagens principais e figurantes, porque se nós éramos só mais uns ocupantes de um carro parado numa estrada qualquer que depressa ficava para trás e eles passageiros de um comboio que passava rápido todos seguíamos um caminho e nenhum estava lá só para ser cenário do outro.

A praga, ou a regra, foi que este seria um Verão teenager e os deuses, que gostam de brincar connosco, ouviram e levaram a coisa a preceito porque se o que se estava a pensar era muito Grease com summer nights e um coro de Uh Well-a well-a well-a huh a mim, pelo menos, não me calhou o tal boy cute as can be mas um Verão inteirinho na velha Figueira com uma mãe que nos obrigava a sentar à mesa para um jantar que começava sempre com sopa ainda o Sol estava muito longe de se pôr, horas marcadas para chegar à noite porque ela não dormia enquanto eu não chegasse, erro meu, grande erro, quando há muito pensei que nunca mais ouviria esta frase, e, last but not least, Verão teenager no seu melhor, sem televisão e internet. Ora como cada mãe tem as suas regras e se a minha tinha estas a da minha filha finalmente teenager de pleno direito tinha outras um bocadinho, ligeiramente, diferentes, as minhas longas e quentes noites de Agosto foram passadas de olho aberto à espera que chegassem as 3 da manhã, vá, uma vez por outra as 4 da manhã, para abrir a porta à gaijinha mais nova. E que fiz eu nessas noites? Pois claro, reli dezenas de livros policiais mais umas dezenas de livros de ficção científica com que avisadamente, que eu já conheço a fera há muito, tinha enchido o maior dos sacos de viagem que encontrei.
Dos policiais não reza a história que quando já se sabe quem matou pouco fica mas a ficção cientifica voltou a levar-me aos outros mundos por onde gosto de deambular e foram eles os grandes responsáveis, mais a história do comboio que parece que não tem nada a ver com isto mas já vão perceber como cai aqui que nem rosas, para que ontem tenha chegado à varanda e ao ver a linha do horizonte tão bem recortada lá ao fundo no mar, o pinheiro grande aqui mesmo na frente e o céu lá em cima, pensasse de imediato como era tão impossível que tudo isto fosse só um cenário para eu ver quando chego à varanda porque se pensamos que todo este imenso universo está cá só para nós foi porque esquecemos a história dos comboios e das vidas que lá vão e que até podemos não ver por não irem à janela mas que também têm um caminho para seguir. E mais uma vez vi-me pequenina, um pontinho sem importância no meio disto tudo.

Faltam os espelhos,não faltam?
Que porra!, hoje chamaram-me egocentrista e se considero esse a babushka dos piores defeitos, que lá dentro cabe quase tudo, e se tenho que dar ouvidos a quem assim me crismou por lhe reconhecer capacidades para tanto, então os espelhos são mentirosos, coisinha que não é novidade, porque a imagem que nos dão de nós é sempre o inverso da que os outros vêem e eu vou ter de concluir que afinal o meu pai andou a gastar latim para quase nada e que na minha vida devia ter levado com muitas mais passagens de nível porque não é por saber a história dos comboios de cor e salteado e por achar que há mais vida lá em cima que eu deixo de viver à volta do meu umbigo.

Estou chateada comigo. Sim, eu sei que outros problemas me deveriam afligir de momento mas ser egocentrista é isto mesmo, não é?

(por outro lado, e fazendo outras contas, talvez só esteja a dar ouvidos aquela opinião porque eu a valorizo mas isso é voltar a pôr o fulcro em mim e portanto se aquela pessoa quiser que eu a oiça eu tenho de ser um bocadinho egocentrista, não é? Caramba, isto é muito complicado e já estou toda baralhada mas hei-de arranjar uma argumentação qualquer que prove provadinho que não sou egocentrista porque de mim quem sabe sou eu...Ou não devia ter disto isto?)

17 comentários:

Mente Quase Perigosa disse...

Tu anima-me e manda-me um mail a explicar isto que não percebi um boi!

Teresa disse...

Vamos fazer assim, logo à noite, quando estiveres a beber o chá com mel para a dor de garganta e eu uma águinha com gás e limão e até já poder dizer f***-** com todas as letras eu explico-te este evangelho porque até lá também tenho de perceber a palavra do senhor, ou de cristo, ou lá de quem é, que neste momento estou pouco dada à religião.

Mente Quase Perigosa disse...

Isso deixa-me aqui ao abandono numa sala com 9 gaijos e que agora devem ter decidido matar-me e ligaram o Ar condicionado nos 0º!!!

Teresa disse...

Queres que eu peça aos senhores para te aquecerem, é?

Sérgio disse...

Nove gajos numa sala com uma GAJA e ligam o Ar Condicionado nos 0º!?
Parece-me que querem tudo menos matar-te. :)

Teresa disse...

Sérgio, se quisessem que ela se despisse ligavam nos 40º...

Mente Quase Perigosa disse...

Não. Deixa lá isso.
E vai daí... Há ali um no canto...

Mente Quase Perigosa disse...

Já me despi mas já tive que me vestir.

Vicissitudes da vida...

Sérgio disse...

Tereza, eu não falei em despir.

Mente Quase Perigosa disse...

(eu não sei se é relevante, mas estou vestidinha, sim?)

Teresa disse...

Isso é mesmo uma coisa arbitrária, está visto... despes-te e vestes-te sabe-se lá porquê, não é?

Sérgio disse...

Mente, não só é relevante como essencial, desde que vestida com a roupa certa.

Mente Quase Perigosa disse...

É.

Basicamente é consoante está o vento!

Mente Quase Perigosa disse...

Sérgio, estou vestida com recato e bom gosto. Garantidinho. Para já.

Mas logo não garanto nada.

Sérgio disse...

Quanto ao bom gosto nunca tive dúvidas. Já a parte do com recato. Mas se garantes está garantido.

Anônimo disse...

egocentrismo é mesmo isso: preocupares-te se és ou não egocêntrica...quem é que se importa com isso? só tu, claro, que és a maior egocêntrica que eu conheço...a seguir a mim, claro!

Teresa disse...

És mesmo muito mais que eu que eu vou hoje para os copos e levo a Peixa comigo e tu bem que podias vir por aí abaixo e trazer o coxinho contigo...