Confundir alhos e bugalhos.

Uma miúda de 14 anos está sozinha no campo de basquete de uma escola. Aparecem vários colegas que a cercam, começam a chamar-lhe nomes e a bater-lhe.
Razões para isso? Sei lá, podiam ser inúmeras - não iam com a cara dela, não os deixava copiar nos testes, não lhes emprestou a bola, era magra, gorda, alta, baixa, branca, preta, usava saias como as da Floribela ou cantarolava as músicas do José Castelo Branco.
Sei, e é isso que interessa, que o resultado final foram várias nódoas negras, dois dentes partidos e um enorme enxovalho. Também sei, porque a notícia o diz, que a miúda fez queixa ao conselho executivo da escola. Queria um pedido de desculpas e que lhe fossem pagas as despesas de dentista. A escola nada fez e foi apresentada pela mãe, em nome dela, uma queixa na polícia contra os colegas agressores. A queixa seguiu para Tribunal e a miúda ganhou o processo.
Certo? Sim, certo. Há uma agressão, a vítima apresenta queixa e os agressores são condenados. Se a miúda gostava do Castelo Branco, de saias à Floribela ou de pezinhos de coentrada e se foi por causa disso que lhe bateram é o que menos interessa. Não quero saber das razões, não há razões melhores ou piores, há violência física e verbal, dentro de uma escola, e essa tem de ser castigada e foi só essa que o Tribunal puniu. Os motivos são fúteis? Sim, podem ser, mas ela não se queixou por ter sido discriminada, o que também poderia ser crime, queixou-se por ter sido agredida.
Podem, então, explicar-me este título do Diário de Notícias? É que me parece que isto (também) é discriminação, apesar de ter a cobertura polida das boas intenções...

Tribunal dá razão a aluna lésbica vítima de agressão.

Ela foi agredida, diz no título, mas o Tribunal podia não lhe dar razão, era?
Imaginemos este título Tribunal dá razão a aluna sardenta vítima de agressão.
Estranho, não era?
Se se dissesse que uma miúda, numa escola, foi agredida por colegas por ser lésbica isso teria relevância, o enfoque estaria a ser posto nos motivos, agora dizerem que foi agredida, que o Tribunal lhe deu razão e que ela é lésbica parece-me um pouco disparatado. Ofensivo, até. Mas talvez seja um defeito meu, que tenho a pele muito fina e me arrepio com coisas de nada.

20 comentários:

Visconde de Vila do Conde disse...

Teresa, o problema é que as miúdas (e os miúdos) são agredidos porque usam óculos, porque são gordos, porque são nerds, porque são altos demais, porque são baixos, porque são diferentes do resto da manada, porque têm bigode antes do tempo ou porque ainda não têm bigode e já é tempo.

Já era assim no seu tempo e já era assim no meu tempo (trinta anos antes do seu tempo, portanto). Porque é que só nos chocamos quando se trata de orientações sexuais diferentes?

(Disclaimer: O que se passou com esta miúda é miserável e terá que ser punido. O que quero dizer é que o dia-a-dia dos miúdos há confronos violentos todos os dias. E sempre foi assim, que eu bem me lembro do que fiz umas vezes e do que me fizeram, outras)

Teresa disse...

Por eu saber isso é que fiz o post. a orientação sexual da miúda não tem qualquer importância excepto o dar um bom título de jornal. E é esse aproveitamento gratuito que me choca.

(o meu ódio de estimação era a "boca de pescada". Levei e dei-lhe muita vez...)

Anônimo disse...

O meu filho era o «ramelas» porque tinha problemas nos olhos e só se safou com uma operação no Instituto Gama Pinto. Acontece isso porqeu as crianças têm uma tendência nata para «picar» os diferentes. a) JCFrancisco

Teresa disse...

José Francisco todos sabemos que as crianças são cruéis na sua quase ingenuidade mas eu acho que acabam por ter mecanismos de compensação.
Sou mãe de um criança diferente e nunca tive grandes problemas nas escolas por onde ela passou. Também sei que ela própria se encarrega de "acertar o passo" aos mais atrevidos mas se, por acaso, fosse cercada no recreio lhe chamassem monga e lhe batessem eu ficaria furiosa se visse num jornal o titulo Tribunal dá razão a aluna mongolóide vítima de agressão. Continuo a perguntar, o mongolóide acrescenta o quê? Peninha??

Anônimo disse...

pois mas o que era bom, não digo eliminar a conflituosidade, ela faz parte da aprendizagem e da vida, mas minorá-la, integrando as diferenças como riqueza e diversidade, essa é a grande lição da Ecologia e só agora está a ser transposta para a conviviabilidade,

haja mais humanidade, a quantidade de miúdos que se suicidam são as minhas marcas,

aquilo que é entropia e incerteza na teoria da informação é diversidade na Ecologia, exactamente a mesma quantidade medida pela mesma fórmula,

viva o cão anónimo chileno, o meu maior herói!

o Douglas morreu naquela noite porque não encontrou o amigo, e se calhar o amigo era eu, ou um assim que estaria lá gratuito sem mais em vez de estar a xonar,

patiente dans l'azur

(esticar patas)

Teresa disse...

as diferenças até têm vindo a ser integradas pelas novas gerações. o problema somos nós, os que já por aqui andam há mais tempo e que continuam a ver diferenças onde elas não existem.

Anônimo disse...

a diferença antecede a identidade, não há problema em reconhecer diferenças, problema há em hierarquizá-las numa relação de ordem, inferior, superior, isso é economia de pensamento cretina,

tal como os genes homo não foram eliminados pela selacção natural também a trisomia do par XXI o não foi e a Natureza terá as suas razões, quem sabe é aí que está a saída para esta crise civilizacional que ando no ar, os mongos são portadores de uma afectividade absoluta e foi da descompensação afectiva que o capitalismo e consumismo e a ganância fizeram praça,

bem, agora é que vou

Anônimo disse...

Como portador de uma carteira profissional de jornalista considero que a notícia nada ficou a ganhar com a referência. Pelo contrário, ficou a perder. a)JCFrancisco

Teresa disse...

Foi isso que também, como simples leitora, me pareceu.

Marias disse...

Gostava de saber quem inventou o título, deve ter sido na edição, se eu fôsse o jornalista e me fizessem isso... Não acredito que a notícia fosse sobre isso, devia ser mesmo sobre a agressão de uma aluna (que por acaso era lésbica,os motivos para bater são inúmeros, e os recreios têm falta de pessoal a vigiar).

Teresa disse...

Por acaso o artigo era sobre homofobia mas acho que confundiram as duas coisas - a discriminação e as agressões

Teresa disse...

z o gene a mais não é uma evolução, é mesmo e só uma partida da natureza.
As diferenças só existem se existirem iguais, de outra forma nunca se notariam, e é esse conceito de igual que tem sido aproveitado para isolar o diferente

sem-se-ver disse...

a mim o que me chocou foi ter sabido (por ti) que o conselho executivo não deu seguimento á queixa da aluna.

isso é que é gravíssimo.

qt ao resto, subscrevo inteiramente a tua análise e indignação.

Teresa disse...

Mas isso espantan-te, ssv?

Isabel disse...

O conselho executivo, para além de não ter agido, ainda se "riu" na minha cara e deu a entender que "o menino é de bem, os paizinhos são importantes, não podemos fazer nada".

Sim, o título mete dó. Sim, a notícia foi deturpada. Não, não se falou de homofobia em tribunal, apenas houve uma queixa de agressão.

Teresa disse...

Isso foi o que me pareceu, Isabel,e por isso mesmo ainda mais me chateou, e isto é ser meiga, a notícia.
Não foram agressões num recreio, mas acho que foi uma outra forma de agressão.
Quanto à atitude do CE eu iria até ao fim, mas esses iriam perceber o que fizeram. Ou não fizeram.

Já agora, bem vinda e espero que a vida não te traga mais amarguras. Mas apanhaste-me num dia mau para te dizer que é fácil lidar com a discriminação dos outros. Não é, mas a maior parte do tempo nem se nota.

Teresa disse...

Isabel, se quiseres contar a tua história, ou dizer de tua justiça, tens espaço no blog para o fazeres. Manda para o email do Cabra - cabradservico@gmail.com - que eu publico.

Isabel disse...

Teresa,

Obrigada.

Decidi não levar as coisas até ao fim porque queria era esquecer o sucedido. Pensei em fazer queixa da escola à DREN, mas achei que mais valia dar o assunto por encerrado. Não sei se fiz bem, se mal.

As coisas naquela escola eram bastante complicadas e, supostamente, até é uma escola decente. É incrível a maneira como os seres humanos interagem uns com os outros. Mas lá está, também depende da forma como se lida com esse tipo de coisas. Na altura conseguiam deitar-me a baixo, agora já nem tanto. Parece que cresci um bocadinho com a experiência... Afinal, é assim que tudo funciona!

Isabel disse...

Ah, e os meus parabéns pelo blog, já está nos favoritos!

Teresa disse...

Obrigada eu, Isabel.
E não, não é assim que as coisas funcionam, ou pelo menos não é assim que todas funcionam.
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