E mais uma vez guardei aquela camisola que pouco uso já tem mas de que sou incapaz de me desfazer. Não há razões para não a vestir, até gosto mais dela que da nova que comprei, mas está tão datada, foi tão vista que me sinto desconfortável com ela. Um dia talvez volte a estar no topo da pilha mas por enquanto fica guardada para não se estragar.
Um pé aqui outro ali
Mónica e David - I
Passou ontem à noite no Canal 2. Quem quiser saber mais pode ir aqui. Por enquanto não me apetece dizer mais nada mas tenciono voltar à Monica e ao David.
O direito do mais forte à liberdade
Chama-se Maricica Hahaianu mas podia chamar-se Franz Biberkopf porque tal como a personagem de Fassbinder está estendida no chão de uma estação de metropolitano e quem passa não olha e se olha não pára. Franz tinha-se suicidado, Maricica, uma enfermeira de 32 anos, tinha sido agredida estava em coma e ainda não se sabe o que lhe vai acontecer.
A realidade, a puta da realidade, a tão bem imitar a ficção.
Se há alguma coisa de que agora me arrependo...
... é de não ter comprado um destes quando fui ao supermercado.
A Peixa tem olho para os gajos
- Como é que se chama o anão?
- Carlos.
Assim, sem hesitar, sem piscar o olho, sem derrapar nas palavras, atirando com a resposta sem fazer perguntas desnecessárias e mantendo o mesmo ar sereno de sempre.
A vida na cidade é difícil. É pelo menos mais difícil que a vida no campo. Enquanto vivi no campo sabia que tabaco e café só na Lurdes mas pelo menos tinha tabaco e café e baile ao fim de semana e isso era certo. Agora, na cidade, a coisa é complicada. Tabaco já sei que têm mas o café está difícil e não é por falta de tentativas. Volta e meia, é só mesmo mais meia, lá aparece a Peixa por aqui e a dúvida é sempre a mesma e agora, que fazemos? e se fossemos tomar um café ali à esquina? e nós lá vamos mas nunca conseguimos tomar um café, o que é estranho, não sei porque não servem cafés, vê-se gente com copos na mão mas chávenas nada. Pelo menos têm tabaco e se não servem cafés e em Roma temos de ser romanos nós, com grande sacrifício, lá pedimos um copo com qualquer coisinha.
E é lá, nesse sítio onde não servem cafés e onde têm um gigante à porta, que anda o anão. Ele não é assim bem bem um anão, ou um midget, ou um dwarf, é só um ser pequenino com ar de duende, que ciranda lá pelo meio sempre de auricular no ouvido e que com um ar sério e mau comanda aquele mundo de gigantes. E eu e a Peixa temos medo, muito medo, que ele olha para nós e até já nos faz assim uns sorrisos e nós temos medo que um dia nos salte para dentro de um bolso sem darmos conta e lá vimos nós com o anão para casa e portanto temos sempre o cuidado de não levar malas grandes e antes de sairmos até os bolsitos das moedas nas jeans nós viramos do avesso.
Café não tomado atrás de café não tomado o anão foi entrando no nosso dia a dia, que é como quem diz nas nossas noites lá de vez em quando, e nós tínhamos pena, muita pena, de não sabermos como se chamava o anão que ele lá por nos sorrir tem cara de mau e não iria gostar se um dia lhe disséssemos olha lá, ó anão, já que não servem café pelos menos podiam pôr vodka a sério nos sumos de laranja que isto assim não está com nada e se é para beber um suminho ficamos em casa, o nome era mesmo um problema mas da última vez que fomos beber um café ficou determinado que o meu objectivo seria saber o nome do anão, o que não era fácil, que não me dava muito jeito chegar ao pé dele e perguntar ó anão como é que te chamas? porque eu até já expliquei que ele é anão mas manda naquilo tudo e nós temos esperança de um dia ainda conseguirmos beber o tal café.
Foi então, quase em desespero de causa e assumindo a derrota, que na última noite, já de casaco vestido e abotoado que cá fora faz frio, me abeirei do porteiro latagão que faz origamis e a seco, sem pré aviso ou rodriguinhos, lhe atirei com a pergunta. Como é que se chama o anão? E ele respondeu. Desde aí a minha consideração pela Peixa aumentou bastante. É que ela tem bom olho para gajos, ela sabe escolhê-los, que fosse outro e ainda agora estava a tentar perceber o que lhe teria eu perguntado.E eu gosto de pessoas assim, que as apanham no ar sem precisarem de explicações e agora até podia dizer que tirando o porteiro latagão da Peixa conheço poucas, muito poucas.
E eu tenho de reconhecer que lá por aquilo não ser o sítio da Lurdes, que bem que podem ter tabaco e baile mas não servem café, o porteiro faz a casa e até até agora já mostrou que para além de saber fazer origamis também é rápido no gatilho. Como já disse, a Peixa tem olho para os gajos. Deve ser pelos dentes que lhes tira a pinta.
IN BRUGES
Chloë: He doesn't like being called a midget. He prefers dwarf.
Ray: This is exactly my point! People going around calling you a midget when you want to be called a dwarf. Of course you're going to blow your head off."
E a outra é que é a selecção de todos nós? Somos uns tristes, é o que é...
Dos comboios que passam de quem os vê passar das leituras em tempo de férias e dos espelhos mentirosos
Era frequente, naquela altura, ficarmos parados dentro do carro à espera do comboio que iria passar até que de repente, cruzando um bocadinho de horizonte, lá aparecia ele para desaparecer do outro lado e era nessa altura, quando o comboio passava, que o meu pai nos voltava a ensinar, como se repetindo sempre o mesmo comboios sem conta houvesse a esperança de que não o esquecêssemos, que aquele comboio vinha de algum lado e seguia para outro, que dentro dele iam pessoas à janela, que nos viam aparecer e desaparecer tal como nós as víamos a elas e que as vidas continuavam para além daquele momento em que se cruzavam não havendo personagens principais e figurantes, porque se nós éramos só mais uns ocupantes de um carro parado numa estrada qualquer que depressa ficava para trás e eles passageiros de um comboio que passava rápido todos seguíamos um caminho e nenhum estava lá só para ser cenário do outro.
A praga, ou a regra, foi que este seria um Verão teenager e os deuses, que gostam de brincar connosco, ouviram e levaram a coisa a preceito porque se o que se estava a pensar era muito Grease com summer nights e um coro de Uh Well-a well-a well-a huh a mim, pelo menos, não me calhou o tal boy cute as can be mas um Verão inteirinho na velha Figueira com uma mãe que nos obrigava a sentar à mesa para um jantar que começava sempre com sopa ainda o Sol estava muito longe de se pôr, horas marcadas para chegar à noite porque ela não dormia enquanto eu não chegasse, erro meu, grande erro, quando há muito pensei que nunca mais ouviria esta frase, e, last but not least, Verão teenager no seu melhor, sem televisão e internet. Ora como cada mãe tem as suas regras e se a minha tinha estas a da minha filha finalmente teenager de pleno direito tinha outras um bocadinho, ligeiramente, diferentes, as minhas longas e quentes noites de Agosto foram passadas de olho aberto à espera que chegassem as 3 da manhã, vá, uma vez por outra as 4 da manhã, para abrir a porta à gaijinha mais nova. E que fiz eu nessas noites? Pois claro, reli dezenas de livros policiais mais umas dezenas de livros de ficção científica com que avisadamente, que eu já conheço a fera há muito, tinha enchido o maior dos sacos de viagem que encontrei.
Dos policiais não reza a história que quando já se sabe quem matou pouco fica mas a ficção cientifica voltou a levar-me aos outros mundos por onde gosto de deambular e foram eles os grandes responsáveis, mais a história do comboio que parece que não tem nada a ver com isto mas já vão perceber como cai aqui que nem rosas, para que ontem tenha chegado à varanda e ao ver a linha do horizonte tão bem recortada lá ao fundo no mar, o pinheiro grande aqui mesmo na frente e o céu lá em cima, pensasse de imediato como era tão impossível que tudo isto fosse só um cenário para eu ver quando chego à varanda porque se pensamos que todo este imenso universo está cá só para nós foi porque esquecemos a história dos comboios e das vidas que lá vão e que até podemos não ver por não irem à janela mas que também têm um caminho para seguir. E mais uma vez vi-me pequenina, um pontinho sem importância no meio disto tudo.
Faltam os espelhos,não faltam?
Que porra!, hoje chamaram-me egocentrista e se considero esse a babushka dos piores defeitos, que lá dentro cabe quase tudo, e se tenho que dar ouvidos a quem assim me crismou por lhe reconhecer capacidades para tanto, então os espelhos são mentirosos, coisinha que não é novidade, porque a imagem que nos dão de nós é sempre o inverso da que os outros vêem e eu vou ter de concluir que afinal o meu pai andou a gastar latim para quase nada e que na minha vida devia ter levado com muitas mais passagens de nível porque não é por saber a história dos comboios de cor e salteado e por achar que há mais vida lá em cima que eu deixo de viver à volta do meu umbigo.
Estou chateada comigo. Sim, eu sei que outros problemas me deveriam afligir de momento mas ser egocentrista é isto mesmo, não é?
(por outro lado, e fazendo outras contas, talvez só esteja a dar ouvidos aquela opinião porque eu a valorizo mas isso é voltar a pôr o fulcro em mim e portanto se aquela pessoa quiser que eu a oiça eu tenho de ser um bocadinho egocentrista, não é? Caramba, isto é muito complicado e já estou toda baralhada mas hei-de arranjar uma argumentação qualquer que prove provadinho que não sou egocentrista porque de mim quem sabe sou eu...Ou não devia ter disto isto?)
MISERY
Socorro!, querem-me comer.
E eu estou a rir-me.
Por vezes, mas mesmo muito de vez em quando, tenho de dar a mão à palmatória e reconhecer que os homens são bichos estranhos, soltam-se-lhes assim uns apetites repentinos que nos deixam quando meninas a tremer que nem varas verdes e quando mais burras velhas a soltar gargalhadas que nem eu.
Não o vejo vão bem mais de vinte anos se bem que o vi tanto nessa altura que se passassem outros tantos não me iria esquecer dele. Era eu e ele e mais o outro e mais a outra e aquela e os outros dois e éramos alguns e durante cinco anos vivemos agarrados uns aos outros. A minha casa e a casa dele, uma de cada lado da rua como nos namoros sérios, eram as casas de todos e devo-o ter visto mais vezes nu do que vi o meu irmão, que ele também não era rapaz de muitos resguardos e o que tinha mostrava, fosse onde fosse e a quem fosse, parecendo-me até, assim quase que a modos de certezinha, que o chaveiro dele era mais conhecido que o guarda da porta férrea. Não havia queca que desse que não nos viesse contar, com todos os pormenores e os requintes da malvadez que nos fazia a nós, as da malta, rir a bom rir, salvaguardadas que estávamos de ser vítimas daquele predador a quem a proximidade das vidas impedia os apetites das carnes. Nunca nenhum de nós cruzou o risco que nenhum de nós desenhara mas que lá estava, marcado a tinta que se julgava indelével e que era se não isso fluorescente de certeza já que nem as bebedeiras mais devastadoras que acabavam na manhã de um dia qualquer, com tudo ao molhe, num quarto desconhecido, nos fizeram quebrar a regra que era sagrada e nunca, nem nos mais longos Invernos, nos comemos uns aos outros.
Mas isto era dantes, quando as pradarias estavam cheias de gazelas e as feras ainda tinham pernas para correr que agora as barrigas já pesam e a fruta só mesmo a do sítio do costume. Então não é que o cabrãozinho, e cabrão é nome terno, me reencontrou hoje nestas coisas dos faicibuques e vai daí somos amigos, e isso não é de estranhar que amigos nunca deixáramos de ser, e logo de seguida, seguidinha, sem tempo para respirar nem para um olá por aqui e que fazes?, vem com ai continuas tão boa e se a malta coiso e tal e ninguém sabia e bebíamos até cair e acordávamos num sítio qualquer?
E agora, se fosse fim de semana, eu desceria à estrebaria, que estrebaria só abre aos fins de semana, feriados e sérias precisões dos caralhinhos todos do menino jesus, e soltava duas ou três do vernáculo mais profundo enquanto continuava a rir desbragadamente a lembrar-me do gajo no dia em que lhe desliguei o esquentador e lhe atirei com um litro do azeite lá da quinta por cima da cortina do duche porque olha lá, tu põe-me juízo nesses cornos, tu não achas que nem todo o álcool do mundo me impediria de desatar à gargalhada assim que tu pusesses a mão na braguilha para qualquer outra coisa que não fosse para um xixi em arco em cima de uma ponte qualquer?
E é por estas e outras que às vezes, muito às vezes, penso que os gajos são mesmo diferentes de nós, aliás, são mesmo diferentes de tudo o que é conhecido, é que não há força da gravidade que lhes valha e a pila, bem bastas vezes, sobe-lhes até à cabeça.
Como é que é?
A clientela está a reclamar, e com razão, mas isto está enferrujado. Foram muitos meses sem pôr óleo nas mãozinhas e agora os dedos ensarilham-se nas teclas. Mas isto vai lá...