Logo nas primeiras linhas sabemos de imediato que Santiago Nasar vai morrer.
Descoberta a desonra de Angela Vicario na sua noite de núpcias e devolvida pelo marido ultrajado à casa dos pais, ela aponta o dedo a Santiago Nasar.
Santiago é amigo de Pedro e Pablo, os gémeos irmãos de Ângela.
Na verdade, Santiago é amigo de toda a gente da povoação e toda essa gente está na rua, nesse alvorecer, dirigindo-se ao cais onde o barco do Bispo vai atracar.
Pedro e Pablo atravessam a multidão e a todos anunciam que vão matar Santiago. Primeiro de mãos vazias e, depois de terem ido ao talho buscar as facas de desmanchar a carne, com elas na mão, bem à vista de todos e vistas por todos.
Vão ao contrário do povo, dirigem-se à casa da mãe de Santiago. Todos ouvem anunciar a tragédia e todos continuam a caminhar para o cais.
Ninguém quer que Santiago morra, ninguém acredita na acusação infame, ninguém faz nada para parar os assassinos ou avisar Santiago Nasar.
Duas pessoas, no final, tentam evitar a tragédia, mas são os últimos a terem dela conhecimento. A mãe de Santiago e o melhor amigo. Nenhum consegue.
O amigo chega no momento em que Santiago morre esfaqueado de encontro à porta de casa que tentou abrir, numa fuga desesperada, e que a mãe tinha acabado de trancar, porque devia ser por essa porta que a morte iria entrar para encontrar o filho que ela pensava estar a dormir. Ouve-o ainda dar os últimos estertores do outro lado.
Isto é um muito pequeno resumo da Crónica de uma Morte Anunciada, de Gabriel Garcia Marquez.
Ao longo dos anos já li este livro muitas vezes e a sensação com que fico é sempre a mesma - ninguém, de entre toda aquela gente, queria que Santiago Nasar morresse. Nem Angela Vicario, nem Pedro e Pablo, nem todos aqueles que dela souberam, porque foi anunciada por todos antes de acontecer. Aquela era uma morte impossível, era uma morte anunciada e Santiago Nasar foi escolhido por Angela porque nao seria possível conseguirem matá-lo. Ninguém o permitiria, os irmãos não o fariam. Alguém os iria parar. O caminho era longo e estava toda a gente na rua.
Aconteceu. Ninguém a queria, mas era tarde demais quando duas únicas pessoas a tentaram evitar.
Hoje, por aqui e por aqui, fui parar aqui. Este último aqui é o blog, a estrear, de Fernando Nobre, e se tenho heróis ele é um deles. O blog chama-se "Contra a Indiferença" e Fernando Nobre explica porquê. A Indiferença e a Intolerância são, para ele, médico, as duas piores doenças do mundo.
É nestas alturas que me lembro da Crónica de uma Morte Anunciada.
Aquela gente era indiferente? Não, não era, todos eles se preocuparam com o anúncio da morte de Santiago Nasar, nenhum deles queria que acontecesse. Nem os seus assassinos, que tentaram até ao fim que alguém os agarrasse e evitasse a tragédia. Mas não foi assim que a história acabou, ou melhor, começou. Santiago Nasar morreu.
Não somos indiferentes, somos ignorantes.
As tragédias anunciadas perturbam-nos, fazem-nos chorar lágrimas de telejornal em cima de pratos de sopa, mas não nos levantamos da mesa. Indiferença? Não. Irresponsabilidade, imaturidade, infantilidade e a tal ignorãncia. Nós pensamos como toda aquela outra gente pensou - se eu sei todos sabem e se todos sabem alguém deve estar já a fazer alguma coisa. Eu, aqui, a jantar em casa ou no cais à espera do Bispo, não posso fazer nada.
Engano. Não devemos, não podemos, ficar sentados à espera que alguém com mais competência, ou mais poder, ou mais bem apetrechado, ou mais bem posicionado, faça alguma coisa por nós. Faça alguma coisa melhor que nós.
As mães e os melhores amigos podem chegar tarde demais. Santiago Nasar morreu assim.
Há 2 anos
15 comentários:
Chefa, é este tipo de posts que me faz ter imensa vaidade pelo dia em que te desafiei para tentares quatro seguidas.
E eu, que faço, quase sempre, tudo o que me dizes, dei. E hoje voltei a dar outra vez...
Colosso!
Onde?
(e sabes, vou contar-te um segredo, gaijo - topa o "i"... Este blog vai fazer um ano daqui a uns dias e eu recuperei o prazer, e a necessidade, de escrever nele.)
Teresa, ía aqui dizer-lhe que este post é do melhor que já vi aqui, que é brilhante a associação que faz.
Depois arrependi-me de quase ter escrito isso. Porque este post é para nos levantarmos. E é tempo de nos levantarmos. Começo eu.
Está brutal Teresa, parabéns. Fico sem palavras mas é só até amanhã,
beijo
hoje é dia, chefa, de te dizer que me sinto feliz por te conhecer.
bom dia, Cazuza:
http://www.youtube.com/watch?v=IH3CD2lEUcI&feature=related
portanto: pelos vistos Nasar continua vivo porque faz escrever estas histórias, morreu no livro, nasceu na net
se calhar está perto da máxima de Sócrates: a morte é a libertação da alma
http://www.youtube.com/watch?v=-vWy7SwgP84&feature=related
Podes comprar o CD que gravaram para resgatar as crianças no Gana, que quer saibam nadar quer não, são atiradas ao lago para desnbaraçar as redes de pesca. E são vendidas pelos pais.
Fiquei tão babada que não respondi a ninguém... ainda não me passou o babanço por isso continuo sem responder...
(mais informamos que, depois de esgotados todos os lençois lá de casa, passou às toalhas e já vai nos panos de cozinha...)
Está bem e o Tony Carreira também entra em dueto com a Popota no CD do continente para dar dinheiro aos velhinhos. Podes juntar o útil ao agradável.
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