A voice is a voice...

Há coisas que não se explicam.
Como esta espécie de pudor - não encontro outra designação para lhe dar - em falar de viva voz com pessoas que por vezes até conhecemos bem, mas com quem durante muito tempo alimentámos relações por escrito.
Desde que blogo - já fez quatro anos, três deles de forma intensiva - que me deparo com esta constatação inevitável. O pudor existe e a sua dimensão é proporcional ao tempo que dura a relação de palavra escrita abastecida. Tenho uma amiga enorme algures no Norte. Amo-a de paixão e sei que me retribui com intensidade. Conhecemo-nos há mais de três anos, através dos blogs e fomos enriquecendo a nossa amizade via email e sms ao ponto de quase adivinharmos os pensamentos uma da outra. Mas só uma vez lhe ouvi a voz e já lá vão quase os três anos que a nossa amizade tem. Ao longo do tempo coisas boas e más foram sucedendo a uma e a outra. Mas falar tá quieto. Nem mesmo quando a filha nasceu, quase em directo entre uma posta e outra. Nem mesmo quando se assustou com o teor de alguns dos meus escritos. Nem mesmo quando uma e outra nos suscitámos preocupações mutuamente. SMS pra cá SMS pra lá e vai disto. Absurdo. Porque chegam a ser muitos. Porque não é pergunta resposta, chega a ser um vai-vem decerto rentável para as operadoras mas que talvez decorresse de forma mais célere e prática se deixássemos as ondas sonoras transportarem as nossas vozes ao ouvido uma da outra. Mas não. Há um pudor que não se explica. E que é dificil de romper.

E lembrei-me da história das letras e do quanto elas dizem sobre nós. Sim, é verdade, muitos de nós que aqui andamos não conhecemos as caligrafias uns dos outros. Mas, mais importante ainda, não nos conhecemos as vozes. E, no entanto, sinto que vos vou conhecendo cada vez melhor. A vocês, aqui no Cabra e aos outros, às outras que, regularmente, me entram no outro tasco e vão mostrando aparentemente tão pouco de si. Que vou lendo e aprendendo a distinguir, a discernir, a inteligir, a sentir. Pelas palavras que escolhem, pela forma como se exprimem. Pela escrita quando postam, pelos comentos que fazem. Pelas postas que escolhem comentar e pela forma como o fazem. Pelo que os emociona ou os deixa (aparentemente) indiferentes. Pelo que os faz zangar, rir, enternecer-se, escarnecer, alterar-se.

Mas por detrás de todas elas, de todos eles, há uma letra e uma voz. Uma voz que nos pode até soar familiar, embora seja sempre uma surpresa, a primeira que a ouvimos. Como aconteceu com a Peixa, há 15 dias. Como aconteceu hoje, a primeira vez que ouvi a Voz da Dona. Ou melhor dizendo, da Chefa.

De modos que o que quero dizer com este blablabla e antes que isto se transforme num jogo de cama em dia em que o que apetece é uma toalha de praia à beira-mar e uma brisa suave é simples: o pudor é real e não se esgota numa experiência só. Há anos que ando nisto e repete-se a cada vez que um link html se converte numa modulação de frequência. Mas a magia, essa, permanece. E, sendo assim, há que dizê-lo com frontalidade: uma voz é sempre uma voz. Tem textura, densidade, temperatura. Tem registo, ondulação, espessura. Tem cor, luminosidade, brilho. E mesmo que me digam "vozes de burro não chegam ao céu", eu contraponho: vozes de cabra são música para qualquer ouvido. Não devia ser preciso partir pernas ou outras desgraças para nos decidirmos a partilhá-las...

35 comentários:

shark disse...

A minha nem precisas de ouvir. É igualzinha à do Sinatra...
:)

Boa malha, CJ. (A Chefa tem uma voz muito sexy, não tem?)

Unknown disse...

Boa CJ! Realmente neste nosso dia a dia há pequenos gestos, que faziam parte do nosso quotidiano, e que vão ficando ténues... até desaparecerem...

Unknown disse...

Canta lá pra nós ouvirmos, Tubarão...

calamity jane disse...

Cuidado, Ana T, olha que ele canta mesmo...

(quanto a ti, Tubas, já sabes: quando quiseres que eu faça alguma coisa, diz-me pra não fazer, como às crianças de dois anos)

Cristina disse...

É bem verdade... E pudor é mesmo a palavra certa!

Cristina

Visconde de Vila do Conde disse...

Calamity, li estas letras todas e a mensagem subliminar que retenho é: "Visconde, até se me dá umas tremuras só de pensar que um dia poderei escutar a sua voz máscula, sensual e tremendamente potente"

Unknown disse...

ahahah... será que o Visconde também canta? Assim faz um dueto com o Tubarão e se juntar o Santo, temos Trio...

Mente Quase Perigosa disse...

Já te ligo, mana. Tou só a acabar de tomar café e depois ligo.

Sim, que apesar dos comentários extremamente másculos e viris, nós sabemos quem aqui no Cabra tem uma voz de fazer delirar qualquer imaginação... (cof cof cof... isso deve mesmo ser gripe do leitão...)

Mente Quase Perigosa disse...

AnaT, tu não lhes dês ideias, amor... Por favor, não dês...

sem-se-ver disse...

ora, visconde, e eu a pensar que ia falar da minha...

shark disse...

Canto sim senhoras! E não me safo mal como músico. :)

(já tomei nota, CJ.)

Unknown disse...

Boa!!! Qualquer dia temos o Tubarão a fazer concorrência à Susan Boyle!

shark disse...

Ao Bono!

Unknown disse...

Concorrência ao Bono?! Ena, é assim tão boa essa tua voz?...

shark disse...

É o canto da sereia, Ana, em versão máscula, viril e poderosa ou lá como o Visconde diz...
:)

Unknown disse...

Ficamos à espera de ouvir o registo!

Eli disse...

Compreendo esse pudor que relatas. Através do mundo cibernético conheci um rapaz à cerca de 2 e meio, falávamos todos os dias, trocávamos confissões, basicamente partilhávamos o nosso dia-a-dia na integra. Mas sempre em forma de palavras e raramente através de vídeo, mas sem nunca trocarmos uma única palavra. O estranho foi à cerca de 15 dias o ter encontrado por acaso e não termos conversa. Conhecemos-nos tão bem um ao outro e como é possível não haver assunto? E não, não era vergonha. Pelo menos da minha parte não era, era um pudor que não consigo explicar. E são estes o novos temas de estudo dos nossos psicólogos. :D

Joaninha disse...

Eli, o frente a frente é sempre diferente, seja qual for a situação, profissional ou pessoal!
Para duas pessoas que se comunicavam tanto e de repente não terem assunto... existe sempre um ouco de vergonha, intimidação (penso eu).

Joaninha disse...

Quer dizer, só agora é que me dei ao trabalho de ler o teu post completo (sorry)!
Gostei imenso do que escreves-te e concordo!
Eu talvez já tenha alguns 7 anos de "amizades virtuais" e acho que é tudo muito giro e tal, fazer determinados comentários, dizer umas chalaças, desabafar, fazer umas jantaradas para a malta se conhecer. Mas acho que em regra geral deverá ficar por aí, (já ví tanta coisa!) porque se duas pessoas se conhecerem pessoalmente e se realmente gostarem dessa pessoa que conheceram (amigos ou namorados)vai ficar para sempre!

Bia disse...

Nem mais...
Engraçado, sinto o mesmo.
Não sei se alguns dos meus seguidores gostam de mim ou da minha escrita, mas eu começo a gostar genuinamente da pessoa que está por detrás daquilo que escreve.

E entendo isso do pudor. Tens toda a razão no que dizes.

Bia disse...

Nem mais...
Engraçado, sinto o mesmo.
Não sei se alguns dos meus seguidores gostam de mim ou da minha escrita, mas eu começo a gostar genuinamente da pessoa que está por detrás daquilo que escreve.

E entendo isso do pudor. Tens toda a razão no que dizes.

gaija do norte disse...

quando entrei para o cabra não conhecia ninguém da casa e passaram-se alguns meses até que por fim conheci o santo (inolvidável!!!) e um dia falei com a chefa. certo fim de tarde deu-me uma coisinha qualquer e rumei a sul onde encontrei pessoas que nunca tinha visto mas que conhecia desde sempre... e a conversa instalou-se até ao nascer do sol! pudor não, nunca senti. mas gostei muito da tua prosa :)

Anônimo disse...

A partir do momento em que se ouvem as vozes ou se conhece a pessoa, parte-se a magia, acaba o encanto.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mente Quase Perigosa disse...

Nao concordo, Lucinda.

Perdemos as nossas ilusões, isso sim. As pessoas tornam-se reais, fisicas. Levamos as coisas ao nível seguinte, pos assim dizer.

M disse...

n acho q haja um padrão...pd acontecer ou n...

eu gtei da tua voz [e da tua presença] cj'zinha ;)

bj meu

calamity jane disse...

Ainda me hás de explicar como fazes tu para estar em todas, melher!

:-)))

bjs pra ti tb

calamity jane disse...

Visconde, ainda bem que apanhou a mensagem. Receei que não estivesse bem claro...

calamity jane disse...

Ana, o Bono não é assim tão bom cantor...
(e se eu gosto de U2...)

calamity jane disse...

Eli, acredito que ainda vais ultrassar esse bloqueio. Aí há outras coisas a ter em conta, para além das questões de que fala a posta, penso eu de que...

calamity jane disse...

Cristina, Bi: é bom saber que não estamos sós naquilo que sentimos ou pensamos...

Joaninha, o depois é sempre uma incógnita. Não me tenho desiludido com as pessoas que conheci na blogosfera. O que por vezes acontece é que deixamos de nos comentar tanto quando passamos a falar mais ou a estar mais vezes juntos(as). Mas pelo que vejo aqui no Cabra, isso não é regra.

calamity jane disse...

Gaija, estou à espera dessa noitada em breve!

Anônimo disse...

cj, mais por defesa que por pudor, não?
a voz expõe-nos mais. pelo tom, pela densidade, pelo compasso, pelos impasses... obriga-nos a maior espontaneidade. torna-se por isso mais intimista.

do formal para o íntimo...


não se parte da cama para as sms’s, certo?

Ooops...
(lá se foi a teoria)

Anônimo disse...

e já te disse que gosto da tua escrita?




(a miuda escreve com alma, pá!)

calamity jane disse...

Lucinda, não tem de ser assim! Depois da paixão pode ou não nascer (ou consolidar-se) o amor.

Elle, já te disse que és uma querida?