Nunca eu, gaija senhora do meu nariz, pensei que iria passar pela suprema humilhação de ter de surripiar as chaves do meu próprio carro, mas foi o que aconteceu. Palmei as chaves, saí de casa pé ante pé - quer-se dizer, pé ante bengala… – e aproximei-me do bicho sem demonstrar grande agitação. Afastei o banco que estava colado ao volante, atirei as canadianas para o lugar do lado, liguei a ignição e pus o pé no pedal da embraiagem.
Pus o pé. E ele ficou lá, posto. Nunca, em tantos quilómetros feitos, tinha percebido a força imensa, quase sobre humana, que é necessário fazer para que aquele pedalito cumpra a sua função. Estranho, porque com o pé direito o tipo mexia mas com o esquerdo nem pensar, ficava ali, quedo, a gozar comigo. Ainda tentei uma manobra alternativa e cruzei as pernas, esquerda para acelerador e travão, direita para embraiagem. Possível é, mas torna-se um nadica complicado.
O carro mantinha-se parado mas o mau humor, esse, estava a acelerar desenfreadamente e já seguia largado estrada fora quando se depara com uma curva em gancho que obrigou a uma redução in extremis, travão de mão, guinchar de pneus e uma saída de lado que fez disparar gravilha para todos os cantos. A minha mãe e as minhas filhas cercavam o carro querendo, ansiosamente, saber o que se passava, porque razão estava eu ali.
Nada. Não se passa nada. Pensei que tinha deixado cair o isqueiro para baixo do banco e vim procura-lo.
Não, isto não é nada frustrante. Quero lá bem saber das dores, das costuras com agrafos, do pé que parece um presunto, das canadianas que não me largam. Tudo isso são pormenores comparados com a minha súbita falta de autonomia. E percebi, nos últimos dias, que não sou só uma nómada, sou uma nómada carregadeira. Tenho necessidade de me deslocar e de carregar coisas comigo. Um telefone (vários telefones…), uma chávena de café, um copo, uma embalagem de Hagen-Dazs e respectiva colher de sopa, uma mini, coisas, muitas coisas, mas todas absolutamente imprescindíveis e que não podem deixar de me acompanhar cada vez que mudo de sítio.
Impossível. Deixei de me poder dedicar a essas minhas pequenas idiossincrasias. Agora vejo-me na contingência de ter de me deslocar sem nada levar atrás. A famosa Tereza Caracol que para onde ia carregava a casa, cognome esse de que muito me orgulhava, transformou-se numa Tereza Franciscana, de mãos vazias agarradas às varas ou, em alternativa, numa Tereza Paxá, sentada num sofá, de perna estendida, e a quem só falta uma campainha de bronze para chamar a criadagem – um copo de água, um Mars, o jornal, o comando da televisão, tragam-me, tragam-me aqui e já!
Digam-me, isto passa, não passa? E, até lá, consigo manter a minha sanidade mental, não consigo?
16 comentários:
tu não me digas nada, eu não parti nada mas sou eu que vou partir, olho para as coisas e penso é amanhã que penso, e pelo meio até fui arranjar lexothan,
tudo o que temos nos prende, daqui para a frente fica só o que é portátil mesmo, o portátil, o cartão de crédito, que é uma navalha, e os anéis que restam ainda vá,
ai meu Deus tenho de tomar uma aspirina também e eclipsar-me outra vezzzzzzzzz
(e por falar nisso vou comer rojões com migas de espargos para acalmar)
z, até me babo!
(cá por casa é "massa de tum-tum au mionés" para despachar... (buááá))
tenho a certeza que a mobilidade e consequente capacidade para carregar tralha voltam. quanto ao resto, quem sou eu...
passa qd ja n precisares das canadianas. ate lá, vai ser sempre pior. toda essa irritação pela perda de autonomia.
(falo com conhecimento de causa. foi o pior mes da minha vida)
(e coitados dos desgraçados que tiveram que lidar comigo nessa ocasiao. ainda dizem, os recentes, que eu tenho mau feitio. eu bem lhes digo que estou uma sombra de mim, mas devem precisar que eu parta uma perna - lagarto lagarto lagarto - para me terem inteira)
Passa. Acredita que passa.
Passa... A sério (tem que ser a sério, certo?) Tereza... Com um carro automático não tens que meter mudanças... :)
Lamento não ter boas notícias para ti, Chefa... Ou melhor, tenho boas e más notícias: as boas é que sim, isso passa. As más dizem respeito à tua sanidade mental e, já agora, à da malta que te rodeia ("sai de baixo"!!!...)
consegues Teresa, claro que consegues :) estás melhor???
(esta e daquelas alturas que um gajo devia saber estar calado)
tenta a embraiagem com a muleta
(e a familia longe)
Essa também me ocorreu, a da bengala na embraiagem. Podes arranjar uma saca para pendurares ao pescoço e levares os telemóveis e minis e cigarros e isqueiro. Não me agradeças, eu sou assim, prática.
Um carrinho daqueles que se usa prás compras...(não dá, precisas de uma das mãos para o puxares) a ideia da Gabs não é má, ou então um daqueles cabides (tipo sapateira) cheio de bolsas...:o)
Mas passa Tereza, fica descansada que sim (não sei é dizer-te qdo...) :o(
Deve passar daqui a um mês. (diz ela que só partiu uma vez a ponta do dedo do pé direito e também só podia poisar o calcanhar, tinha só uma canadiana e por sorte calhou nas férias Parecia era aqueles do Tintin quando estão com gota a gesticular com a bengala.)
Aquelas sacas do hippies, só com uma alça, são boas, cheiram é a serapilheira.
Obrigada, vocês são todos muito amigos... basicamente estão a dizer-me que passar passa mas ainda tem tendência a piorar...
pois é, mas está a melhorar... hoje até já tive autorização médica para começar a conduzir, já só preciso de força para o pedal!
Cyber, essa do carro automático é demonstrativa de como "pela boca morre o peixe"...
sempre detestei carros automáticos mas nos últimos dias bem que me tenho lembrado deles...
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