Aqui há umas semanas, eu escrevi um post sobre memórias no tasco ao lado. Claro que tudo o que escrevemos acaba por ser uma memória de algo que nos interessou num determinado momento, mas aquele post era mais sobre memórias antigas. Coisas que temos cá dentro e nos dizem muito. Hoje decidi dar-lhe continuação aqui por motivos que vocês vão entender daqui a pouco.
Há dois anos, numa manhã normalíssima, igual a todas as outras, ia a sair de casa com o meu filho (na altura, com um ano e meio), como em tantas outras manhãs. Só que nessa manhã, eu não saí do alpendre da casa. Um pé mal posto no degrau, um crack bem audível, a aterragem de cara no chão, ditaram imediatamente a sentença. Lembro-me de naquela fracção de segundos que levou a entender o que tinha acontecido, decidi que aquele pé ia para o lugar e era já, que ninguém me ia pôr ossos no lugar a frio. E sem pensar, fi-lo. Tudo isto foram segundos. Acho que nem chegou a um minuto… Mais tarde, tive consciência que podia ter feito ali uma grande bosta, mas correu bem (tão bem que a fractura mal se via no raio-x e foram precisos 2 ortopedistas para a localizar e alguns testes dolorosos para acreditarem que de facto a cena estava partida e aquilo não era a marca de uma fractura antiga).
Claro que aquela manobra, me causou a pior dor da minha vida (antes ter trigémeos sem epidural, digo-vos eu). Quando acabei, sentei-me no degrau do alpendre, cabeça entre os joelhos e um pensamento na cabeça “tu não podes desmaiar e faças o que fizeres, esse sorriso não sai dos teus lábios!”
Sim, o sorriso que afivelei assim que tirei a cara do chão e senti, acto contínuo, nela uma minúscula mãozinha e ouvi uma única palavra: “mãe”.
O sorriso que mantive durante toda aquela operação, enquanto repetia: “está tudo bem, filho”.
E ele sossegado, com nunca o tinha visto, sempre do meu lado, sempre com a mãozinha a tocar-me e sempre a repetir: “mãe”.
E ele sossegado, com nunca o tinha visto, sempre do meu lado, sempre com a mãozinha a tocar-me e sempre a repetir: “mãe”.
E depois dos telefonemas feitos para que o viessem buscar e para que me viessem buscar, iniciou-se uma meia-hora de espera. Uma meia-hora que me fez recordar todos aqueles programas do National Geographic que ele sempre adorou. Me fez lembrar aquelas cenas em que a fêmea é ferida e a ninhada se junta de roda dela, imóvel e silenciosa.
Foi uma meia-hora em que deixei de perceber a revolta das pessoas quando lhes dizem que são animais porque somos. No fundo, nascemos selvagens. Somos instintos e nada mais. Porque eu olhava o meu filho e não via um menino, via uma criatura com o seu instinto de protecção a todo o vapor e via em mim a progenitora disposta a tudo para lhe poupar o sofrimento e o medo.
Durante aquela meia-hora, eu fui a leoa ferida na savana africana com a cria encostada a si, em silêncio, com a patita na minha patita.
Naquela meia-hora, eu compreendi que nunca mais na vida estaria sozinha e tive a certeza que nunca mais na vida eu quereria estar sem aquela mão na minha mão.
Quando ele nasceu, eu escrevi que não sabia o que era o instinto maternal porque não sentia que algo tivesse mudado na minha vida ao ponto de eu lhe dar essa designação, mas naquela meia-hora, eu entendi finalmente o que era e o que era o amor incondicional de alguém que nem o próprio nome conseguia, ainda, pronunciar.
Foi uma má meia-hora, dolorosa. Mas foi, talvez, a meia-hora mais fantástica da minha vida.
42 comentários:
Aaaah Leoa!!!! Aaaah Pantera!!!!
(ainda ontem a minha filha, vendo-me desatar a chorar por uma parvoíce, suspendeu todos os disparates que estava a fazer - e que não eram poucos - para me meter os dois bracitos em torno do pescoço e me perguntar ternamente: "O que foi mãe?". E depois de eu balbuciar umas desculpas sem sentido: "Mas eu não quero que estejas triste..."...
Mas que belo post.
E gostei do instinto de cabra quando dizes que as pessoas não se devem revoltar quando lhes dizem que são animais.
De cada vez que conduzo farto-me de chamar bois, vacas, camelos e assim aos condutores azelhas e eles nunca percebem o alcance do elogio...
:)
Ás vezes temos que partir uma perna para perceber certas coisas ...
Adorei este teu texto, até se me vieram as lágrimas aos olhos.
O meu filhote é um "pestinha" mas há uns dias, lá iamos nós naquela rotina matinal de o levar à ama e ele a fazer birras malucas dentro do carro, até que de repente, o carro faz um barulho esquesito e puf, começou a deitar fumo. (Nem imaginas a minha aflição) Saio do carro a correr, tiro de lá o filhote... depois do fumo passar sentámo-nos dentro do carro, e eu com aquela cara "*****", ele mete a mão no meu braço e disse: Mamã, estás triste? Olhei para ele e disse-lhe, não te preocupes, a Mamã já resolve...
É que somos mesmo. E cada vez o entendo melhor...
CJ, todas nós somos dessas bicharocas furiosas!
Shark, é que as pessoas ainda não entenderam que as estás a tratar com carinho...
O meu também é. Hoje por exemplo, acordei com enxaqueca. Ele ficou a manhã toda a brincar na sala e a falar com a empregada e deixou-me ficar na cama sossegada.
Quando me levantei, andou de roda de mim mas muito calminho. Depois a empregada foi embora e ele diz-me: "põe o filme e anda descansar o teu dói-dói"
E esteve a ver a idade do gelo toda e nem disse nada.
Quando finalmente se me aliviou a cabeça e eu lhe agradeci por se ter portado bem, começou logo o chorrilho de disparates do costume. Mas só depois de me perguntar 2 vezes se a cabeça ainda doía e de eu ter dito, não.
Eh eh filmes, tá bem tá!
O meu não sabe o que é ver um filme nem conhece o significado de "descansar"
(confesso que eu tb já não seio o que isso é :))
Ó Mente isto não se faz a uma pessoa/animal! Colocares-me de lágrima no olho! São uns ternurentos estes nossos filhos (moem-nos o juízo, mas são donos de um coração maior que o universo...) Parabéns Peixa/Mulher pela coragem que tiveste! E Parabéns especial pelo Lindo Filho que tens!
Mas diz-me, o instinto maternal tem de se manter para o resto da vida? A minha mãe tem de ir atrás de mim sempre que vou à casa de banho?
Oh Chefa, se uma das tuas crias tivesse ferros e parafusos enfiados na perna há menos de uma semana, como agirias tu?
ohhh peixinha linda, fica lá com mais um projecto de lagriminha. que post tão lindo!
Quero ver quando chegares à idade da tua Mãe e tiveres os mesmos cuidados se te lembras do que pensaste quando era contigo...
:o)
(e o gaijito hoje só me fazia pensar em ti cada vez que me dizia: "Queres ber, mamã? Bamos ber os dois?"
O Gaijo é do Nuorte, carago!)
(não é nada! falta-lhe o "e" no fim. teria que dizer bêre...)
(vou reparar da próxima vez que ele disser para ver se está lá o 'e' ou não...)
Mas pronto, confesso que cá por casa as coisas também funcionam assim com as minhas filhas. No dia que cheguei uma delas magoou-se e desatou aos berros e eu quase que larguei as canadianas e desatei a correr. E a Clara viu-me pôr o banco da casa de banho debaixo da mesa para apoiar a perna e agora quando põe a mesa põe logo também o banco...
E Peixa, o post é uma delícia, obrigada pela dedicatória (mas eu estou numa mala do carro de quem???)
De nada, Chefa. Quanto à mala do carro, ou lês os comentos dos 2 posts anteriores ou falas com a CJ que eu não posso dizer nada porque vai ser usado contra mim, de certezinha!!!!!
(puseste-me de lágrimas nos olhos)
(pelos vistos - dp de ler os coments - não fui a única. é natural. um beijo para ti)
SSV, foram danos colaterais.
;o)
Bjs
Mente, este seu post está do mais bonito que já vi.
(mas não chorei)
(os homens não choram)
(choram sim, visconde. tenho a certeza que o sabe)
Obrigada, Visconde.
(Pode não ter chorado com o post, mas eu sei que chora e que é homem portanto... é terminar o silogismo)
Choram só um bocadinho, vá...
(e só às vezes)
(quase nunca)
Assim, sim. Já está a falar como um grande homem.
(sim, sim...)
(claro, óbvio...)
(eu nunca vi nenhum, lá está...)
(mas parece que há)
Eu acredito que há mais do que aquilo que as pessoas pensam.
Mas lá está, eu sou jovem e idealista...
Pois eu, por acaso, lembro-me de um certo post, assinado por um certo Visconde, onde se constatava esse facto dos homens, alguns, chorarem, mas posso ainda estar toldada pela anestesia...
Deve ser a anestesia, Tereza.
Eu também me lembro de qualquer coisita mas como tomei os comprimidos da sinusite, também posso estar toldada...
F-SE !
gostei muito
:)
estou contigo,é nessas coisas que se vê os nossos verdadeiros instintos.
Passei por algo parecido, tinha o meu filho uns 4 anos, a reacção foi exactamente essa, a minha e a dele.
Eu não terida dito melhor, Artur!!!!
:p
Obrigada, Rita.
ptc, somos todas leoas!!!!
;o)
bonito, sim
belíssimo post, Peixa.
(lagrimita de saudades...)
aproveita bem essa tenra idade.
o meu tem 19 (apetecia-me dizer meses) anos!
Ganda Peixa :)
E depois queres convencer-nos de que és só batons e brilhos e mai não sei o quê...
MORENA!!!
Bom, mas bom texto, prometo o meu regresso mais assíduo a esta barraca.
Eternamente e como venho a disser de boca e peito cheio a mulher é sem dúvida o animal mais belo á face da terra.
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