Um post lamechas

Uma vez por semana a minha filha Clara sai de casa para a escola com um sorriso ainda maior do que o habitual. Vai de botas altas, jeans entaladas, colete almofadado e ar de amazona. É o dia dos cavalos, como ela diz.

A pequenina escola onde ela anda, que de pequenina só tem mesmo o tamanho, entre as aulas regulares, as do curriculum alternativo, a ginástica vocacionada, a terapia da fala e as muitas outras actividades que criaram só para ela, conseguiu arranjar maneira de a Clara ter Hipoterapia. E assim, uma vez por semana, lá vai ela até ao picadeiro ali para os lados de Silves e delicia-se a dar voltas no cavalo grande, preto e de patas brancas, pelo que ela conta, que a seguir desaparelha e escova.
E este picadeiro é de uns bifes, é assim que lhes chamamos, não é?, que nem são de cá porque se fossem não eram bifes, que nem se deviam chatear com estas coisas, mas que abriram as portas à Clara Down e ao Miguel autista e à Patrícia  "retard" e a muitos muitos outros meninos com muitos muitos outros problemas, sem medo que eles lhes estragassem a decoração ou lhes maltratassem os cavalos ou lhes assustassem os clientes.
Aqui, neste Algarve que às vezes tanto vilipendio, há gente, muita gente, que faz a diferença. Habituados a viver longe de quem decide e de quem abre os cordões das bolsas da mama do Estado os caminhos foram sendo feitos de outras maneiras e se uns não ouvem outros há que estão prontos para ajudar.

Foi em Novembro que a Clara chegou com a novidade que só o era para ela - tinha ganho o prémio Jack Petchey. 
Jack Petchey, o Jack Petchey, é um velho inglês, nascido e criado no East Side londrino que ganhou dinheiro, muito dinheiro, em investimentos imobiliários e algum dele também aqui por estes Algarves. Fez de Albufeira a sua segunda casa e criou uma Fundação que, como diz o slogan, Apoia Gente Jovem. Todos os miúdos das escolas de Silves, Loulé e Albufeira conhecem o Jack Petchey e todos eles sabem que é ele quem paga os "luxos". 
Eu?... Eu sei que é o Jack Petchey quem paga as aulas de hipoterapia da Clara, do Miguel e da Patrícia e sei que, infelizmente, não há muitos Jack Petchey por aí. E sei que nós (e deve ser a primeira vez que uso um nós para falar de nós, de nós que aqui estamos) temos a sorte de vivermos numa ponta deste país pequeno e de muita gente pequena mas que cá, neste pedacinho um bocado mouro que é quase território internacional, vai respirando outros ares e aprendendo com outras gentes. 
E, já agora, pode até nem ser muito importante, e sim, eu sei que a votação estava viciada e que todos os miúdos da escola já sabiam que era na Clara que tinham que votar, mas babo-me toda cada vez que abro o site e vejo o nome dela como vencedora do Prémio Realização Jack Petchey de Novembro.

17 comentários:

sem-se-ver disse...

:))

muitos parabéns à clara.

muitos muitos.

(e ao jack petchy, cuja obra não conhecia, o meu agradecimento)

escarlate.due disse...

não vejo nada de lamechas!
o que eu vi foi um G de grande e um E de enorme...

Teresa disse...

Sabes, ssv, nem eu conhecia muito bem. Sabia que lá na escola todos os meses votavam num aluno para receber o prémio e que o dinheiro era para actividades da escola (para a biblioteca foram € 2,500 de livros...) mas só depois de a Clara ter sido metida ao barulho é que fui espreitar.
E ela anda tão feliz, mas tão feliz, com a história dos cavalos...

Teresa disse...

É um bocadito, escarlate. Mas sabes,é como o povo diz, quem os meus filhos mima minha boca adoça.

Anônimo disse...

Acho uma maravilha. São estas pequenas coisas que nos fazem acreditar na Humanidade em decadência...
JCFrancisco

cereja disse...

Um beijinho de parabéns à Clara e um grande abraço para ti.
Não conhecia essa fundação Jack Petchey, como afinal conheço muito pouco do que há pelo país. Creio que nem conheço bem sequer o que há em Lisboa... A verdade é que somos tão chocados pelo que NÃO HÁ que acabamos por esquecer aquilo de bom que existe.
E estimular uma criança (e não só uma criança, é claro) com estímulos destes que afinal custam tão pouco é tão importante e tão esquecido...

Unknown disse...

É bom saber que há pessoas que se destacam pelos momentos de felicidade que proporcionam...
Parabéns à Clara, à Mãe Babada e ao Jack Petchey!

Vera disse...

Pois é Tereza. É uma pena que aqueles que constam da lista das maiores fortunas do Mundo, e que até são portugueses, não se lembrem de aplicar uns pózinhos dos seus milhões de euros em território nacional, apostando em melhorar a vida de muitos...que não constam da lista das maiores fortunas do Mundo. A solidariedade é uma palavra muito pouco conhecida em terras lusas. A caridadezinha é, infelizmente, mote para alturas próprias como o Natal...
Parabéns à tua Clara :)
Um abraço apertado a Ti.
E sim, aproveita o bom que é viver numa terra que outros tentam fazer melhor :)!

gaija do norte disse...

não é nada lamechas, chefa! não tens que ser cabra todas as horas do dia...

ecila disse...

Nao achei nada lamechas, achei bonito e esperemos que mais pessoas com dinheiro sigam este exemplo. Parabens à Clara, ao Miguel, à Patricia e ao Jack Petchey pela iniciativa :)

Teresa disse...

Sabem, no meio disto tudo é interessante verificar que nós por cá, como diz a Veikiki, gostamos mesmo mais da caridadezinha. É tão raro ver Fundações destas em português.

Visconde de Vila do Conde disse...

Que me desculpe o bom velho Jack (hi Jack, how are you, old chap? Nice to see you again, do you remember your old friend Vyscond from Cond Village?), mas não posso deixar por cima de algo que é essencial para que as obras fantásticas dos Jacks deste mundo tenham razão de ser. E, a meu ver, a parte mais importante desta equação são as mães das Claras Down e dos Miguéis Autistas que não os guardam em casa e fazem deles crianças iguais às outras, que os tratam como crianças capazes de nos dar afecto (e como nos dão afecto as Claras Down), capazes de ser capazes. Este sim, é o verdadeiro mérito, o mérito de ser capaz de tornar simples algo que pode ser complexo se tivermos medo, vergonha ou o que quer que seja.

Nota: Este comentário não merecerá a concordância da Tereza, a Tereza não precisa que lhe afaguem o ego neste aspecto e sei que o espírito da Tereza a escrever este post não foi a mesmo que eu tive quando o li. Ainda assim, fica aqui o meu comentário (e por acaso é mesmo um comentário meu, o Visconde foi descansar um bocadinho).

Teresa disse...

Guardar a Clara em casa, Visconde? Isso é que é difícil!...

Anônimo disse...

A sua pereocupação com a lamechice do post parece-me escusada, percebe-se que esteja encantada e babada com a sua filha, não é nada de mais, apenas humano. O que é demais, isso sim, é a quantidade de pormenores que você tem tanta necessidade de juntar quando fala das suas filhas e que identificam locais, pessoas, percursos, horas, circunstâncias, enfim, tudo aquilo que pode pôr as meninas e até a si própria em perigos vários. E isso sim, já me parece motivo de séria preocupação, mas que pelos vistos você não sente, o que é muito estranho, não acha? Ou então que sente mas não valoriza, porque afinal o mais importante é contar a toda a gente quão maravilhosa você é como pessoa e como mãe, não será assim? Ai, Tereza, Tereza... ainda não consigo defini-la, mas vai desculpar que lhe diga: há em si muita coisa que não bate certo, definitivamente. Seja como for muitos, mas mesmo muitos parabéns à Clarinha, sim? E para si também, claro.

Teresa disse...

Se ler bem o post os pormenores não são assim tantos, mas mesmo que o fossem sabia que mais de 80% dos perigos que as crianças correm vêm das pessoas que lhe estão próximas?

Agradeço a preocupação com elas e comigo e deixe lá, mesmo que haja muito que em mim não bate certo há pelo menos algo que eu faço e pessoas como o(a) pesporrento(a) anónimo não fazem - dou a cara!

Anônimo disse...

Não, não sabia os números percentuais, fiquei agora a saber; mas Tereza: era exactamente isso que eu estava a dizer a respeito da sua Clarinha e é esse perigo mesmo que eu acho preocupante para as suas crianças...

Teresa disse...

E eu mais uma vez agradeço tanta preocupação anónima e quase me imagino num filme da Disney onde de repente aparece um super herói de mascarilha e com uma linda capa azul a arrasar com os maus e feios.