Desde o dia em que, acabadinha de me conhecer, entrou porta de hospital adentro sacou da mala de porão do costume, tirou dela uma parafernália de vernizes e me convenceu que perna partida tem de ter unhaca vermelha, que eu soube que depois da Peixa a minha vida nunca mais seria a mesma. Só não soube, e gostaria de ter sido avisada, que até as minhas filhas, tão bem criadinhas até aí, iriam também passar a ter um furacão na vida delas.
Ainda não eram oito da manhã. Ainda não tinha tomado um café que fosse. O cigarro filho único, resquício de uma noite difícil, estava a ser poupado até poder ser devidamente apreciado quando, de repente, ela larga a bomba e eu percebo que preciso rapidamente de muita cafeína, muita nicotina e calma, muita calma, para pensar.
- Pergunta à Peixa. Ela conhece bem a problemática dos anões.
Caramba, eu não estava a pedir um cataclismo, eu estava só a sugerir à minha filha mais nova que agora que já é amiga do menino do lado podia aproveitar e vir com ele da escola.
Não é que o Pergunta à Peixa me tenha perturbado porque se houve coisa que entretanto aprendi é que se não se sabe pergunta-se à Peixa, o que me deixou com a tremedeira foi a problemática dos anões. É que eu, até eu, que nunca na minha vidinha me tinha preocupado com medidas, dei por mim num passado demasiado recente a fazer a pergunta peixiana, aquela que nunca me tinha passado pela cabeça fazer, aquela que para além do normal ponto de interrogação no fim leva um estranho quanto é que medes no princípio.
Eu, felizmente, desconheço completamente a problemática dos anões. Talvez não tenha vocação para olhar para baixo ou talvez seja algo mais comezinho, talvez o meu tamanho de boa sardinha nunca me tenha feito passar por especiais agruras, mas começo a ficar assustada, tão assustada que, como disse, já dou por mim a pedir medidas.
Sempre me lembro de ter de olhar para cima, normalmente até bastante para cima, muito mais para cima até do que é lá em cima. Não por andar muito cá em baixo, que até nem ando, mas por me fugir sempre a mão para a rifa maior. É certinho, se no cesto há anões nunca me saíram em sortes que eu acerto sempre nos gigantones e afinal até o meu melhor amigo se chama Miguelão e não Miguelito. Eu sei que a vida é injusta, que eu nem precisava de XXL porque qualquer M já me daria muita largueza, e que os tamanhos maiores deviam ser guardados para quem deles mais precisa, mas é sina minha e desventura delas, só pode. Agora o que me aflige é que a miúda ande preocupada com estas coisas e remeta para a Peixa mais esclarecimentos. É que eu não lhe auguro um grande futuro de cabeça levantada porque se ela sai à mãe em muita coisa não é no tamanho de certeza que eu nem com aqueles saltos de 10 cm lhe consigo ver o cocuruto da cabeça e ainda só tem 12 anos, mas também não convém começar já a assustá-la. Eu não posso fazer nada porque até acredito firmemente que podemos ser muito felizes mesmo que os nossos olhos encontrem um imenso espaço vazio pela frente ao invés de uns ombros ou até um botão de casaco mas isso é só de ouvir dizer, não é um daqueles saberes de experiência feito. Eu sei que a Peixa resolve, eu sei que a Peixa lhe explica, mas eu não sei é se a Peixa será a panaceia mais indicada para estas dores do crescimento. É que a Peixa continua a insistir na personagem errada e toda a gente sabe que o Popeye, alto grande e espadaúdo, escolhe a Olívia Palito para namorada e nunca, mas nunca, a Branca de Neve e já estou a ver a minha rica filha com a capinha pelos ombros e a blusa branca com folhos na gola, tal qual a guru dela insiste em usar, no bar da faculdade a tentar escolher entre o Sneezy e o Grumpy porque toda a gente sabe que Príncipes Encantados já foi chão que deu frutos e assim como assim é melhor escolher entre os sete ali à mão. Ou, considerando as alturas, ali ao joelho.
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