Pneu sobresselente

Infelizmente não faço parte daquela extensa lista de pessoas, normalmente do sexo feminino, que não faz a miníma ideia como se muda um pneu de um carro. Sei exactamente como se faz e já mudei vários pneus e nas circunstâncias mais complicadas. Mudei o de um velho Portaro debaixo de um nevão, que parecia ainda mais antigo que ele, e depois de ter mandado parar um autocarro para pedir o macaco emprestado, um outro às quatro da manhã em cima da Ponte 25 de Abril, ainda um outro a contra relógio, tal qual um mecânico da Ferrari em pleno Grande Prémio, com o sol de um Agosto algarvio a bater a pique e um avião para apanhar, e tantos mais outros que já nem me lembro. Nenhum destes era de um carro meu.
No meu carro tive dois furos, mas nem as mãozinhas sujei. A idade aprimora a cabronice e agora percebo que um ar de mulher desvalida consegue o milagre de pôr dois pedreiros a mudarem uma roda ou o de parar uma Brigada de Trânsito e passar o macaco para as mãos de um GNR que se não era simpático, passou a sê-lo.
Não me assustam estas coisinhas do dia a dia porque sei que, de uma forma ou outra, as consigo resolver. Mas assusta-me não ter pneu sobresselente. A estatística até pode dizer-me que provávelmente não terei qualquer furo naqueles poucos quilómetros que vou ter de fazer com um pneu furado no sítio onde devia estar o que roda na estrada, mas eu tenho medo.
Nos últimos tempos, e deve ser isso a velhice, tenho sentido a falta de muitos outros pneus sobresselentes.
Já não me chega saber que se quiser sou capaz. Percebi que nem sempre depende do querer e que o não poder é que me tolhe os movimentos. Sempre achei que isso de sobresselentes ficava demasiado caro e que a maior parte das vezes eram um enorme flop. Pior do que não ter o pneu ali mesmo à mão de semear era ir buscá-lo e estar completamente em baixo, sem um cheirinho de ar, e incapaz para qualquer serviço. Eram as falsas expectativas, as ilusões, os desencantos que custavam muito mais, porque me apanhavam de surpresa. Roda no chão, macaco instalado, chave de porcas pronta a usar e um sobresselente inútil a olhar para mim.
Desisti de tentar e tenho andado em viagem a confiar que se estiver um prego na estrada vai ser mesmo em frente de uma oficina. Mas o medo tem vindo a aumentar e já não consigo ir para muito longe. Vou mesmo ter de pensar em pneus sobresselentes. Talvez da Pirelli e com jantes especiais. Parece que são bons e bonitos e pode ser que não falhem se um dia precidar deles. Carotes, mas talvez haja mesmo que pagar um alto preço por algum descanço.

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