Já lá vão quase 15 anos mas lembro-me perfeitamente do cartaz. Tinha-me andado a aguentar a manhã inteira mas ali, na frente daquele cartaz com letras enormes a dizerem "Casamento", chorei tudo o que ainda não tinha chorado.
Estava colado na parede ao lado da porta do meu quarto, em frente à janela. Na cama a Clara dormia embrulhada na manta cor de rosa. Tinha-a estado a embalar a ela e à notícia. Estávamos as duas sozinhas e eu parecia uma barata tonta de emoções, dividindo-me entre a estranheza de ter começado a ser mãe e a estranheza ainda maior das palavras que aquela médica me tinha dito e que metiam facies diferente, prega na mão e olhos afastados como se eu não lhe tivesse logo feito a pergunta de que não queria, não queria mesmo, ouvir a resposta.
"Casamento". A minha filha não se iria casar. A minha filha não iria ser mãe como eu. Eu não ia ser avó. As lágrimas rebentaram sem as conseguir segurar enquanto a cabeça anotava o rídiculo da situação. Eu, que nunca me quis casar, que nunca sonhei casar-me, chorava por a minha filha não se poder casar.
Acho que chorei por esse não poder à partida, por pensar que a corrida que ela estava a começar seria sempre limitada, por a vida que eu lhe tinha dado ser menos vida que as outras.
Decidi deixar de chorar poucos dias depois. Também me lembro bem. Desta vez estava sentada no banco corrido do corredor do hospital e jurei a mim mesma que não ia deixar-me arrastar, e muito menos arrastá-la a ela, para dias miseráveis e tristes onde o coitadinha e a pouca sorte seriam os nossos cartões de visita.
A Clara tem 14 anos. Quase 15. Ontem, a caminho da escola, contou-me que a Marta tinha chorado. Foi desenrolando a história como só ela sabe e consegue desenrolar as histórias. O Marco tinha-a ajudado a descer do autocarro. E tinha-lhe carregado a mochila. E estavam a fazer máscaras de Carnaval. E tinha lanchado, tinha comido tudo. Ela era uma princesa. A Marta era namorada do Marco. Quando chegasse à escola ia dar o meu recado à professora Fátima. O Marco tinha-a beijado e a Marta tinha chorado. Vai chover mamã, o céu está preto.
Cá para mim, muito para mim, pensei que não ia chover, já estávamos era no meio de uma carga de água com relâmpagos e tudo.
Fui buscá-la à escola com a irmã, à escola onde está há menos de dois meses. Eram 5 horas, hora de saída, havia miúdagem por todo o lado, eu tinha o carro em segunda fila como de costume e a Clara fazia o seu passeio habitual pelo meio da populaça, não deixando um Olá Clarinha, Até amanhã Clarinha, Tchau Clarinha por responder. A Xica, bom feitio, resmungava ao meu lado que não tinha paciência para pop stars. Achei que era a altura certa para largar a bomba e deixei cair, assim como quem não quer a coisa, a história do Marco que era namorado da Marta mas que tinha deixado de ser.
E agora estou aqui de sorriso de orelha a orelha enquanto volto e revolto a lembrar a conversa das minhas filhas adolescentes. As perguntas que uma fez e a outra respondeu e de que eu me recusei a ouvir as respostas - como diz a Peixa há perguntas para as quais não queremos saber as respostas... - mas que metiam beijos e os sítios onde os beijos foram dados, conselhos - acho que ouvi qualquer coisa sobre namorados de outras serem intocáveis mas não percebi bem... - os telefonemas da Clara para a grande amiga a contar as novidades, tudo tudo tudo o que a cartilha traz. E aqui, neste cantinho, volto a lembrar o estupor do cartaz que me fez chorar, passo a mão pela cabeça daquela eu perdida no corredor da maternidade e digo-lhe baixinho o que acho que ela já sabia na altura. Tonta, estás a ser tonta.
Só mais um pequeno pormenor. O Marco tem sardas. A Marta, bem, a Marta gosta de actores e actrizes e chama palhaça à Clara. A Clara? A Clara é gira, e tem sentido de humor, e é divertida e tem olhos verdes e, como diz a Xica com algum ressabiamento, um gajo com sardas não resiste a uma loira de olhos verdes.
* R. Tagore
Há 2 anos
12 comentários:
Tonta... Muito tonta...
(isto quer dizer que já não preciso explicar aquela coisa dos namorados das outras? É que juro-te juradinho que ainda não arranjei um argumento que essa xavala não rebatesse em 20... Vá... 10 segundos...)
P.S.: A tua mãe? Já a descobriste????
A xavala anda a entalar-nos, essa é que é essa...
E tonta, claro, tinha trinta e poucos anos e como sabes nessa idade somos tontas por definição...
Peixinha, tu não me traumatizes mais....
Podemos ser tontas aos 30 e poucos anos, mas não falhamos uma previsão ao contrário das cotas pré-blogosfera...
Pois... um um gajo preso nos tacos de partida para uma separacao anunciada a muito mas inevitavel, amedrontado como caracas pelos dias que ai veem, com a princesa colada as pernas e ao coracao e a cabra da mae a fazer figas para ela na descolar, le um texto destes e fica... olha na sei que escrever mais... nem devia escrever era nada porque o que falta em cedilhas e tiles sobra de agua salgada a escorrer pela barba.
Olha, diz a Clara que os gajos com sardas tb choram...
Peixa, tens previsões? Gaija, tu acalma-te que não te dava jeito nenhum seres santa.
Jácome, desde que não deixes de ver as estrelas, com sardas ou sem elas chorar só faz bem.
Santa não me dava, de facto, jeito nenhum. Já adivinhar os números do euromilhões dava-me um jeito do caraças...
Porque me dás metade, a mim que não tenho poderes adivinatórios, não é Peixinha?
:) delicioso :)
cada vez gosto mais dessa Clarinha que nunca vi mais gorda, provavelmente nunca verei mais magra, mas que consigo imaginar :)
e já agora... oh srª homonima... explique-me lá para que raio quer alguém casar? sabe que os divórcios são 1 bocado caros?! :P
Escarlate, a Clarinha está muito para além da imaginação apesar de eu própria também nunca a ter visto mais gorda... (mais magra já são outros quinhentos.)
E agora, ó homónima, eu disse nalgum lado que me queria casar???? Credo....
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