Durante muito tempo fui contra. Não por questões morais, ou religiosas, ou éticas, ou sociais, mas simplesmente por razões lógicas – um direito, para ser justo, terá que poder ser universal e este, teoricamente, nunca o poderia ser. Se, de repente, todas as pessoas do mundo decidissem formar pares homossexuais e quisessem adoptar crianças cedo deixaria de haver crianças para adoptar. Depois percebi a falácia do raciocínio e deixei-me de tentar generalizar o que, felizmente, não é generalizável - é a excepção e não a regra. Não, não estou a falar da homossexualidade, estou a falar da adopção. Derrubada a lógica ilógica fiquei cara a cara com a decisão e, para começo de conversa comigo, aos costumes disse nada porque nada havia para dizer. Não me socorri de estudos, estatísticas, teses de doutoramento, mas da mais elementar razoabilidade. Seria para mim razoável, eu que há 14 anos crio duas crianças sozinha, impedir a adopção a pessoas solteiras? Está vista a resposta, não está? Sendo essa adopção possível, como é, passa pela minha cabeça que se faça depender da orientação sexual do candidato? Estou mesmo a ver a assistente social, senhora composta com twin set e pérola, a perguntar à futura mãe ou pai e olhe lá, aqui entre nós, é homossexual ou hetero? Ai é gay??? Tss tsss, mas é só em pensamentos ou pratica mesmo? Pratica? Lá em casa???? Na cama onde a criança, quando está assustada à noite, lhe vai pedir para dormir? Não! Olhe lá, não acha melhor deixar-se disso e jurar castidade? É que se for assim eu ainda posso fazer qualquer coisa.
Claro que esta conversa poderia descambar para onde quiséssemos. Abertas as portas, e as janelas, sabe-se lá se a senhora, tal como eu, não acharia que iscas é algo absolutamente intragável e não faria jurar, a pés juntos, que aquele miúdo nunca teria de se defrontar com um prato delas. Ou que não teria Saramago nas estantes. Ou um computador Magalhães para ver gajas nuas. Ou que iria ser ensinado a votar no Sr. Marques lá da Junta que pagou, do seu bolso, a festa de Natal da instituição. Ou... Ou... Ou...
E é aqui que a porca, a minha, torce o rabo. Então se não consigo conceber que no meu mundo se faça depender um direito da orientação sexual, das quecas que damos e com quem as damos, então porque raio isso se aplica a um e não a dois? Há aqui qualquer coisa que não bate certo, não há? O senhor Silva Marques, se enfiar o namorado no roupeiro lá do quarto e mentir com quantos dentes tem na boca quando lhe perguntarem se vive sozinho, pode adoptar uma criança e toda a gente fica satisfeita, então porque não o poderá fazer se se tiver casado com o tipo, seja isso do casamento o que for? Porque temos medo de ver o que nasce para estar escondido? Porque nos seguramos numa lógica de bons costumes e tememos dar os outros passinhos que o raciocínio nos diz que devíamos dar mas que deitariam por terra um mundo perfeito onde o Sol, o nosso Sol, se põe e se deita e nós permanecemos quietinhos nesta Terra estática? Porque invocamos o "interesse" das crianças com a mesma desfaçatez com que defendíamos a tal vida a que a Clara, a minha Clara, não tinha assim tanto direito?
É que esta discussão lembra-me o referendo do aborto e a posição pró-vida. Que defendiam? Defendiam que, em nome do direito à vida, a lei que já existia não fosse alterada. Em nome de quê? Da vida????? Ora porra, para não dizer pior. Sabem o que isto implicava? Implicava que a Clara, a minha Clara, era menos vida que a vida que estes senhores diziam defender. Criancinhas deficientes? Coitadinhas, temos pena, muita pena, é pecado na mesma, mas percebemos que a lei permita que as mães as matem. Agora as outras, as normais, é crime e assim deverá continuar a ser. Vidas de primeira e vidas de segunda. Valores elásticos que cobrem o que nos dá jeito estribados na arrogância da certeza absoluta.
Já me ouviram dizer Foda-se por aqui? Ouvem agora. É que gosto, gosto muito, quando em nome dos mais altos valores se patina em gelo fino querendo fazer crer que aquele gracioso deslizar em linha recta não é mais que a única forma de não se mergulhar em águas mortíferas. Porque se se pára, ou se trava, ou se dá uma curva mais apertada, acaba-se o espectáculo e o artista desaparece como por magia na fenda que se abriu, o engoliu, e se fechou a seguir.
Resumindo, que isto vai longo - os maricas e as fufas, legalmente casados, não podem adoptar porque a criança bádádi-bádádá? Muito bem, mas então tenham a coragem de dizer, alto e bom som, que se estiverem sozinhos e sozinhas também não o podem fazer porque toda a gente sabe que a paneleirice é devassa por natureza e nunca gente dessa conseguirá ser casta e a criancinha, mais tarde ou mais cedo, vai perceber que algo de estranho, muito estranho, se passa naquela casa para onde o infortúnio do destino a mandou. Solução? Só vejo mesmo uma – acabe-se com essa pouca vergonha das adopções, contra natura claro que quem quiser filhos que os faça, porque nada garante que os hoje casados não sejam amanhã divorciados e as crianças conheçam a nova namorada da mãe, ou que aquele senhor tão devoto a quem o Estado entregou o Zézinho não conheça um padre rui qualquer acabado de descobrir o amor. Seja esse amor da cor que for.
Já agora, e seguindo a tal lógica que é sempre bonita de seguir, acabe-se com os filhos e pronto. Sabe-se lá, nos dias que correm, como é que não irão acabar as inocentes criancinhas.
Caramba, esta lógica está muito complicada, não está? E que tal se aprendêssemos com os putos de quem se fala e seguíssemos o coração? Não sei porquê, cheira-me só, mas eles são muito mais práticos que nós e estão-se nas tintas para pronomes e quejandos porque o que lhes interessa mesmo, neste momento, é saber onde passam o Natal.
Há 2 anos
17 comentários:
tu não gostas de iscas?!? :|
é isto mesmo, talvez de um modo + sintetico, como alias refere no texto.
e ponto paragrafo, que há questões outras prementes,
a não deixar que sejam resolvidas pelos impotentes e cabrões da politica reaccionaria e revanchista desta nossa tugolandia
abraço
Tereza, é dos meus olhos ou você escreveu a palavra "Foda-se"?
em qq dos casos sao os filhos de relacoes hetero que terminam em homo. por isso a decisao e mto dificil.
Visconde, tenho andado a aprender consigo.
Aires, desculpe mas acho que um impotente não é um cabrão já que o seu infortúnio está perfeitamente justificado.
abraço
SSV, quando eu e os meus irmãos éramos miúdos tínhamos direito, cada um de nós, a não gostar de um alimento (para além daqueles que por serem consensuais e fazerem o pleno, como miolos, nenhum de nós comia). A minha irmã não gostava de sardinhas, o meu irmão de massas e eu de fígado. Com o correr dos anos o meu irmão passou a ser um expert em pastas e a minha irmã organiza a sardinhada anual lá do bairro. Eu, que não gosto de me sentir limitada, tentei de todas as formas aprender a apreciar aquela coisa castanha que se desfaz na boca e tem um sabor amargo. O mais perto que consegui chegar no domínio do palato foi com fígados de galinha encharcados com limão e esturrados na lareira, mas mesmo isso não desce muito bem. Continuo a ser incapaz de comer fígado, e inclui nisso toda a espécie de patés, e se por desgraça um átomo de fígado cai na minha colher de canja detecto-o imediatamente.
Acho que, tantos anos depois, já se deve poder considerar que isto não é bem uma embirração mas uma impossibilidade física das minhas papilas gustativas apreciarem aquela nojice...
Santo, conheces aquelas pinturas renascentistas onde um menino Jesus gorducho aparece sentado ao colo de sua mãe? Então repara bem, muito bem. nos olhos do Menino. Estranhos, não são? Um bocadito mais pequenos e mais afastados que o normal, não parece?
Pois é, sabes que na Renascença muitos pintores usaram como modelo para pintar Jesus crianças com trissomia 21? A justificação era simples, é que muitos dos meninos jesus imortalizados em enormes telas tinham crescido e virado ladrões, assassinos ou, pior que isso, hereges. Assim, e para não correr riscos, usavam crianças que já se sabia que dificilmente cresceriam e seriam criminosas.
O que tem isto a ver com o resto? Pois não sei mas talvez possamos perceber que os truques de pintor não se podem aplicar no quadro da vida porque a diferença entre a bondade e a maldade nem sempre se vê na distância entre os olhos.
Tereza: creio que disse impotentes E cabrões,
e de qualquer modo falava, ou pelo menos tentava, em sentido figurado
de muitos infelizmente agentes da nossa politica interna
Nunca falaria de tais relativas "infelicidades pessoais", em sentido literal
não é meu conjunto de valores nem estilo
abraço amigo eobrigado por poder esclarecer minhas bocas...
Pois é, aires, eu não percebi se o impotentes e cabrões se aplicava ao conjunto, sendo que assim teríamos uns elementos impotentes e outros cabrões ou se qualificava todo e qualquer um dos seus elementos e, nesse caso, considero que está mal aplicado já que, como disse, um impotente não deverá ser apodado de cabrão. E esta sim, é uma questão premente.
(quanto ao resto, e se esquecermos os tais números transnaturais do Z e que me foram explicados pelo Santo- que acho que estava só a tentar prevenir-se justificando a justeza de uma eventual e futura desigualdade na partilha do euromilhões que tínhamos jogado em sociedade, já que a história de todos os pontos de uma recta grande corresponderem a um e só a um ponto de uma recta mais pequena o que torna as duas rectas do mesmo tamanho, me parecer um bocado treta - podemos sintetizar assim: 1+1=2 e pronto.)
podemos...
mas como 1 = sin^2x + cos^2x
e 1 = log e
entao temos que
sin^2x + cos^2x + log e = 2
como e = (1 + 1/n)^n
temos.... etc
simples (eu divido o euromilhoes ok??)
isso parece-me uma peixotice...
ora aqui está um sonoro "foda-se" muito bem empregue!
está tudo dito, pelo menos eu não preciso que faça um desenho Tereza, percebi na integra e à primeira, veja lá
mas prepare-se que há muito filho (homo ou hetero...?) de muito boa mãe (homo ou hetero...) que desconfio vai precisar que lhe faça o tal desenho mas em tamanho gigante (e mesmo assim... olhe lá... é capaz de ser tão inteligente - inteligente não é a palavra certa mas recuso-me a escrever 2 palavrões no mesmo comentário - que nem com desenho lá vá...)
abençoada Clarinha que tem uma mãe (homo ou hetero? bhaaa que se f.... o que é que isso interessa à Clarinha?!)
Santo, divides o euromilhões com quem, meu amor?
Qual euromilhões?
Tu jogaste??????
Peixa, tss tss, não percebes nada, achas que eu, que registei o Euromilhões, ia dar ao Santo o boletim premiado?? 'Tás maluca? O papelito que ele tinha no bolso e que te deu para guardar só tinha um reles número certo porque o outro, o a sério, aquele que eu sabia que ia ter os 29 milhões, nunca saiu da minha carteira.
e sabem pq vcs ficaram com isso?
visao de futuro...
ui, agora é que eu vi isto! O santo enganou-te minha linda todos os pontos de uma recta enorme podem ser compactados num intervalo muito pequenino e vice-versa mas nunca num ponto só. A correspondência bijectiva no caso é entre intervalos reais um até pode ser infinito e o outro mínimo, mas intervalos.
e os números não são transnaturais mas sim transfinitos, mas essa tem piada.
agora não consigo dizer mais nada que mesmo isto já foi pisco e com cigarro a esticar as serotoninas. E já agora é assim porque o infinito tem costas largas que fez muita natação.
aproveitando ainda a passa, o problema com os filhos é o verbo 'ter', são filhos mas não se tem filhos,
amai-vos uns aos outros como a vós próprios ainda é o melhor que se consegue dizer, acho. Um gajo porreiro, Jesus.
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