Hoje incitaram-me a falar de amizades virtuais.
Eu, qual enguia (fina ou grossa) escapuli-me à questão mas fiquei a matutar. E quando se matuta, mais vale escrever. Mas depois de puxar pela cabeça, a única coisa que me ocorreu foi:
Fosga-se, man! E agora o que é que eu digo?
E desisti. Mas como ele há gente cínica e arrogante como eu mesma por aí, decidi que tinha que arranjar uma ponta por onde começar a deslindar o novelo deste tema. Confesso que não conheci muita gente por este meio. Porque no fundo talvez seja tímida ou porque no fundo talvez todos nós usemos a net como a nossa fogueira de vaidades. Onde nos pavoneamos e alardeamos mas quando chega a hora do vamos a ver, todas as nossas inseguranças venham ao de cima.
Vamos vamos tentar sistematizar isto, senão não nos entendemos.
Quando vim viver para aqui, estive hospedada na quinta de uma velhota, inglesa, que me tratava como sua neta fosse. Um dos passatempos dela era arranjar-me blind dates. Eu ficava chocadíssima com aquilo. Ela ria do alto dos seus 80 anos e gozava-me. Dizia-me que o importante não é como se conhecem as pessoas, mas as pessoas que se conhecem, enquanto me arranjava salada de tomate com queijo cheddar que ela achava que eu adorava e eu nem por isso. Explicava-me que as pessoas são demasiado preconceituosas porque aceitam de bom grado ser apresentadas a um homicida por um amigo, mas recusam-se a falar a um Santo (sem conotações) desconhecido num bar. Hoje, quase 10 anos depois, eu entendo o que ela me tentava explicar.
Nós queremos a segurança de ter um intermediário de confiança. Nós queremos poder dizer nem que seja que “aquele é fulano, amigo que cicrano que é irmão da senhora que corta o fiambre no Continente”. E aqui não podemos. Aqui estamos por nossa conta e risco. Aqui é a verdadeira selva. Aqui todos os instintos têm que ser usados porque quem sabe não depende disso a nossa sobrevivência (ok, se calhar estou a exagerar um bocado mas já sabem como eu sou…). Aqui somos nós que fazemos as escolhas e não podemos culpar ninguém por elas. Aqui não o existe o “maldita a hora em que o Diogo me apresentou o Zé Manel”. Mas por outro o lado também não há obrigações sociais nem morais (tenho que ser simpático com ele porque é primo do gaijo que muda os pneus ao meu patrão…).
E se por um lado, eu não faço a mínima ideia do que nos leva a sentir empatia ou a gostar mais da Star que da Estrela, uma coisa eu sei e já vi: chega a um ponto em que não há nada de virtual. Existem pessoas, existem amigos e é igual à vida real; ao dia-a-dia de todos nós. E isto acontece mesmo que nós nunca vejamos essa pessoa. Mesmo que nunca a conheçamos pessoalmente. Ora digam-me lá honestamente, se muitas vezes não prestam mais atenção ao estado de espírito de alguém cujo o blog acompanham do que ao de um amigo próximo? Daí que eu defenda que há um momento em que o virtual acaba.
A minha preocupação com a Abelha, que foi operada hoje a um cancro na tiróide aos 37 anos e a quem eu só vi duas vezes na vida embora falemos todos os santos dias, não foi virtual.
Quando ela e a Bond apareceram no funeral do meu pai, ninguém disse: “Olha as amigas virtuais da Mente!”. Nem tu (sim tu, escusas de estar a pôr ar de santo), tinhas uma @ na testa quando apareceste no velório.
Acho que foi o Shark que disse que é tudo HTML (corrijam-me se estiver errada), mas eu discordo. Acho que tudo começa em HTML. O HTML tem a capacidade de nos reduzir a iguais; não há hierarquias, não há escalão social, não há nada. Senão vejamos, eu e a Tereza, por exemplo, provavelmente nunca seríamos amigas se tivéssemos sido apresentadas pelo antigo colega (patrão?) dela de escritório, pelo simples motivo que eu seria sempre a aluna dele e ela seria a Srª Drª que trabalhava com o meu professor. Não estaríamos automaticamente horas a falar e à 3ª vez que a visse não estaria a pintar-lhe a unhaca de vermelho. Porque existiria uma barreira social. Ou se tivéssemos sido apresentadas pela Fátima (da qual nenhuma de nós se lembra do último nome) porque eu seria a amiga da Srª Drª a quem ela estará sempre grata e ainda que ficássemos amigas algum tempo depois não seria algo tão imediato porque todos nós usamos máscaras na nossa vida social.
E no HTML não?
Também. Digo eu.
Mas ao mesmo tempo que envergamos a máscara, damos mais a conhecer do que damos no nosso quotidiano. Usamos, por exemplo, o blogger como muro de lamentações, abrindo assim brechas para o nosso interior que os outros vêem, ou não. E aí entram as tais das empatias. A faculdades que temos de ‘ler’ a pessoa por trás das palavras. Se está bem, se está mal.
E depois?
Depois há aquela ténue linha, aquela barreira invisível, que nós atravessamos ou não. Aquele ponto em que o HTML se dissolve e ficam as pessoas. O momento exacto em que o virtual deixa de o ser. Nem toda a gente atravessa essa barreira porque esse é o momento em que a ilusão se perde, em que a magia se desvanece. Existem pessoas, também, com quem nós nunca sonharíamos quebrar essa barreira.
Se há más experiências?
Há, claro que há. Mas também as há com pessoas que conhecemos numa festa, num bar, no trabalho…
Se podemos ser enganados?
Claro que sim. Mas se não houvesse esse risco, não existiria também este debate, não é? Mas não podemos ser também enganados todos os dias quando saímos de casa?
O que eu estou a tentar dizer é que quando se decide atravessar a barreira, acabou. Tal como na nossa vida, há pessoas com quem é mais fácil lidar, outras que é menos. O facto de ser ‘virtual’ não significa que seja melhor ou pior que a minha amiga de há 15 anos, dos tempos da faculdade. Depois de atravessar a barreira, entramos no campo dos adjectivos “de infância”, “da faculdade”, “do trabalho”, “do ginásio”, “da net”, “virtual”.
Entramos no campo dos nomes e todos nós sabemos o que já Shakespeare dizia sobre isso…
"What's in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet."
42 comentários:
Vem uma gaija preparada para passar 3 horas a ler uma posta e afinal era só isto?
(mas é isso mesmo...)
eu cheguei. dá-me os parabens.
já todos nos colocamos a questão e a conclusão foi exactamente a mesma! concordo quando dizes que aqui, apesar dos nicks e respectivas máscaras, nos desarmamos com mais facilidade e rapidez do que lá fora, no chamado mundo real. quem escreve expõe-se e cedo ou tarde acaba por se desmascarar.
já te disse hoje que gosto de ti?
Deves achar que eu não tenho mais nada que fazer, CJ...
Parabéns, SSV! Menina linda!
Exactamente como eu gosto de ti, Gaija Peixa - Peixa Gaija
Já comento. juro que li até ao fim mas estou a acabar de jantar...
o santo não trazia @ na testa?
(onde é que esse gaijo trará a arroba...?)
Eu acho que não quero saber onde o santo tem a @...
(Olá, Elle!)
não terá ficado no cesto da roupa suja? tu procura.
é que um gaijo sem @...
(olá peixita linda)
Nada mal, Mente. Nada mal, para começo de conversa. Mas, lá está, isto é só o começo de conversa.
(Cínico e arrogente? Parece-me que se esqueceu do "pedante"...)
Mas só eu é que falo, Visconde?
(esqueci-me do pedante e de muitas outras coisas e nem todas são desagradáveis, lamento desapontá-lo...)
Lá iremos, Mente. Lá iremos...
(tranquila...)
Vamos adonde, Sô Visconde? Então não é para falar aqui?
É. Em (eu) tendo tempo, lá está...
Oh Chefa, eu tenho despesas de representação?
Precisava de uns trocos para comprar um caderninho para anotar as coisas que o Visconde fica de (me) dizer...
Ainda bem que eu sou uma pessoa tranquila e confiante, Visconde.
E eu sei que um dia vai partilhar a sua experiência e sabedoria comigo.
Em tendo tempo, claro...
Hoje seria um mau dia, Mente.
(atingi níveis históricos de má disposição, sabe?)
Esses são os melhores dias para conversas profundas. O lado mal disposto liberta a tensão e o outro lado, ouve uma opinião sincera.
Mas isto sou eu que sou kamikaze...
E nunca é um mau dia para falar consigo (tá a ver como sou querida?).
Mente, tenho acessos de extrema má disposição a cada três anos, mais coisa menos coisa. Não é bonito de se ver.
(volto quando recuperar o modo controlado)
(durma bem)
(...e obrigado)
Até amanhã, Visconde. Bom descanso.
Ups, Visconde. que lhe aconteceu?
Peixa, continuo sem me lembrar do sobrenome da Fátima mas deixa que ainda vamos descobrir que nos cruzámos mais vezes nesta vida. Ou na outra. Ou na outra que é esta e esta que é a outra.
Acho que sim, Tereza... Acho mesmo.
(E eu que pensava que tinha...)
Chiça Mente! Vou pôr isto nos favoritos! :)
(Que tinhas o quê, Cy?)
Assim fico corada!!!
Escrito alguma coisa de jeito sobre o assunto...
Corado fiquei eu, que nem sei se vá lá ao "Outra" apagar aquela miséria... :)))
Tu não sejas parvo!!!!!
São apenas estilos diferentes. E maneiras dispares de abordar a questão e eu gostei muito do teu texto.
Epá, tenho dito tanta vez isso à malta, que as coisas que admiramos dos outros soam tanto melhor que as nossas. Mas digo... digo... mas depois lê-se uma coisa destas e cai-se na realidade!
Mas obrigado pela força, para a próxima tenho que me esforçar mais.
:)
Queres que eu me zangue e tire o post?
Ai, ai, ai, ai o menino...
NEM PENSES! Até porque o que lá pus agora é um desafio grande para ti (não foste à tropa, não?)... :)))
Quando o Shark (sim, o Shark, citando João Pedro da Costa) refere que é tudo html ele tá a falar de coisas tão simples de blogues que se apagam à bruta com todos os registos da vida que lá aconteceu, ou das muitas amizades da tanga que soçobram precisamente quando o html prevalece sobre a imagem verídica dos nicks em causa, coisas assim.
Além disso, se um gajo me insultar em html eu não posso aviar-lhe uma cabeçada nas ventas, tal como o facto de uma gaja dizer em html que tá doida pra ir comigo prá cama não implique necessariamente (trust me) que isso esteja mesmo nos seus planos para o futuro próximo.
O html em si é só isso: o culto do efémero.
Depois há é pessoas que se revelam por detrás do dito código bem mais sólidas e consistentes do que no próprio html deixam transparecer.
Mas claro que isto é discurso de veterano da cena, cof cof...
Outra posta magnífica, Peixa.
Ena pá! Isto hoje está tão GRANDE para mim! Eu sabia que havia uma razão para te ter escolhido essa frase, pá!
:)))
(Ainda me levam numa camisa de forças!!!)
Preferias que te levassem numa camisa de outro tipo, meu malandrão? Eu topo-te, manjerico...
:)
Epá, vocês têm que perceber que não é todos os dias que um gajo chega aqui e vê um tema apreciado elaborado com esta mestria, e ainda uma frase de referência explicada pelo autor. É muito para um dia só!...
E amanhã, se voltares, vamos ter scones ingleses e 'cháses' de Marrocos a esta hora.
;o)
Obrigada, Bruce.
E é um discurso fantástico.
Mais que certo! Sabes que posso falhar as horas todas (com pena...) mas a esta hora, não falho! :)
E agora vou dormir que já nem posso com uma gata pelo rabo.
bjs
Bem mereces!
bjs
Sleep tight, Peixa.
Hoje o teu html esteve five stars.
Clap, clap, clap!!
Eu cheguei ao fim..e sem nenhum esforço :) MUITO bom texto miúda! Concordo plenamente :)
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