E eu disse-lhe, filho nunca me meti na tua vida mas tu vais ter de pensar bem olha que ela está habituada a ter jóias muito caras e tu não vais poder dar-lhe presentes desses.
Confesso que já imaginei muita gente a dizer muitas coisas sobre mim mas uma frase destas nunca fez parte dos meus scripts privados. Talvez tenha sonhado com ela uma vez ou duas mas era num daqueles sonhos inconfessáveis onde nós somos capas de revista e temos mordomos de libré e pedimos Ferrero Rocher aos motoristas e que nem às melhores amigas contamos que ninguém se sujeita voluntariamente a revirares de olhos e gargalhadas de escárnio.
Teria vinte anos? Por aí, talvez menos, era só fazer as contas, mas isto é um post de novela e nas novelas não se fazem contas.
E quando eu tinha vinte anos, ou mais ou menos, havia um gajo que era giro e de quem eu gostava, mas esse não sei se gostava de alguém e de mim também não me parecia que gostasse e havia o amigo dele que era feio mas gostava de mim e havia a minha amiga que gostava dele. E eu, cansada de perder tempo com o gajo que não sabia de quem gostava mas de quem eu sabia que gostava, atirei-me ao amigo que gostava de mim mas de quem eu não gostava e arranjei um sarilho com a minha amiga que gostava dele e gostava de mim. E eu gostava dela e não gostava dele mas ele era amigo do outro e dava mais jeito para as voltas e nessas alturas uma gaija não pode hesitar que com a outra gaija havemos de nos entender. E o que gostava de mim viu o céu na terra e começou a chamar-me namorada e deu-me uma aliança no dia do meu aniversário ou no dia dos namorados que comigo as coisas misturam-se e nunca sei o que é o quê. E eu apanhei um susto porque na altura ainda não sabia que gajo apaixonado é animal perigoso e guardei a aliança na caixa da aliança e dei meia volta e fui ter com o outro que era giro e de quem eu gostava e que até já gostava também porque gajo que é gajo não gosta de perder nem para o melhor amigo. E era Carnaval mas não sei porquê o da aliança levou a mal e eu nunca mais o vi.
Mas como a vida são só dois dias e o Carnaval um bocadinho mais joguei ao entrudo até chegarem as cinzas e a seguir tirei a aliança da caixa e troquei-a por um anel de pêlo de rabo de elefante que tinha a minha amiga que já não estava chateada comigo porque já nos tinhamos entendido mas estava chateada com ele porque gostava dele e ele gostava de mim e gaija que é gaija sabe que se alguém tem culpa de alguma coisa são sempre os gajos. E eu fiquei com o pêlo do rabo do elefante e ela ficou com a aliança e eu ainda tenho o anel e ela ainda deve ter a aliança e o mundo voltou a estar equilibrado e passaram-se mais de vinte anos.
E voltei a encontrá-lo.
Ele ainda não se tinha esquecido da aliança mas eu mostrei-lhe o anel que era muito mais bonito. E ele disse que não tinha passado um dia sem pensar em mim e eu tive pena de não ter sido tão cabra mais vezes porque, como sabemos mas esquecemos, os gajos gostam e dizem que gostam. E ele contou-me que a mãe dele e a minha mãe sonhavam com o nosso casamento e eu fiquei a pensar que afinal havia outra porque ele não devia estar mesmo a falar da minha mãe.
E eu, que agora gosto muito dele porque até é boa pessoa e porque só podemos gostar de quem tanto gostou de nós e porque, gaija que é gaija e cabra ainda por cima, gosta de saber que algures pelo mundo há gajos que dormem a pensar em nós, perdoei-lhe a afronta da aliança e convido-o para jantar de vez em quando.
Mas ontem, a minha amiga que ainda é minha amiga e que até gostava dele e agora já não gosta, telefonou-me para me contar que tinha estado a conversar com a mãe dele que não gostava dela mas agora já gosta. E soube mais uns pormenores deliciosos desta minha história.
Soube que eu, afinal, estive durante toda a minha vida apaixonada pelo filho, o meu grande amor, aquele que quando me deixou me levou a escolher uma vida de solidão e celibato mas ela, mãe atenta, era afinal a responsável pela nossa separação.
Jóias. O problema tinham sido as jóias. O raio da aliança, penso de imediato eu que depois destes anos todos ainda tenho a consciência pesada, porque mesmo sendo cabra tenho uns arremedos disso. Mas não, a aliança não era para aqui chamada, a culpa foi do meu colar de pérolas.
Nesse meu aniversário, e Carnaval pois claro, e dia dos namorados, mas para aqui isso não conta, o meu pai ofereceu-me um colar de pérolas. Comprado, isto é uma novela, ainda se lembram?, na joalharia do genro da senhora. Ora, mãe que é mãe está a par desses pequenos pormenores e nem eu, que também sou mãe, lhe perdoaria se não tivesse tido uma conversa com o filho. É que, estava-se mesmo a ver, eu era gaija para lhe fazer muita despesa, porque as jóias meu filho, as jóias a que está habituada...
E eu estou desde ontem a olhar para o meu velho colar de pérolas, o colar que tanto usei que já não posso usar mais por tão gasto ter ficado mas que continuo a gurdar religiosamente, e penso como a nossa vida é estranha e bonita e surpreendente e cheia de histórias que nos deixam de sorriso nos lábios. E penso que aquele colar que esteve comigo em tanto sítio, que viu tanta coisa, que guarda tantos segredos, que se foi desfazendo por roçar a minha pele, tinha afinal um segredo que eu não sabia. Ele sabia que eu não tinha sido uma cabra, que eu era uma menina de bem habituada a uma vida de luxo. E, de repente, vejo-me na frente de um espelho desconhecido e não reconheço a pessoa que me olha. Eu sou, portanto, a gaja das jóias, e um sonho, um velho sonho cheio de Ferrero Rocher acaba de se concretizar...
6 comentários:
É por estas e por outras que eu sou fã de espelhos.
Uma das coisas mais mágicas que existem...
Eu estou aqui, sossegada, a tentar resolver problemas, não me tentem...
É o que eu digo, desde que ela ensinou que dormir resolve a vida, anda tudo agarrado à almofada.
(ora bem, perante um lençol destes não me parece de bom tom falar em dormir, sô dona peixa...)
(chefa, amanhã leio, tá bem? hoje a hora está um bocadito adiantada...)
:o)) Mto bonita esta tua posta! Posta de Cabra é o que te digo! (mas Cabra de Luxo!)
Isso era a minha ambição, Ana mas pelo que parece tenho só a fama que proveito nada...
Postar um comentário