Não Elis, já não é “como nossos pais”

Quando me telefonaram o frango já estava cozinhado e as batatas quase prontas, mas não foi precisa grande insistência para eu desligar o fogão e sair porta fora. Peguei nas miúdas, metemos-nos no carro, passei pela tasca que ainda estava aberta, comprei duas garrafas de vinho e acabámos na churrascada que não estava prevista. Pelo caminho ia pensando cá para mim como sou tão diferente dos meus pais. Não sei como seriam os vossos mas os meus, tenho a certeza certezinha, nunca telefonariam a quem quer que fosse às nove da noite para convidar para o churrasco que já estava feito e, muito menos, sairiam porta fora de crianças atreladas deixando o jantar guardado para outras núpcias.

Se alguma coisa tenho vindo a anotar no meu diário interno é como a vida tem vindo a uniformizar-nos. No que comemos, no que vestimos, no que lemos, fazemos, ouvimos, dizemos, sabemos. E, sobretudo, na idade que temos. Digam o que disserem, os fossos geracionais já não passam de pocinhas de chuva e as diferenças entre nós e os nossos filhos são muito menores que as que tínhamos e temos com os nossos pais.

Ouvimos as mesmas músicas, vamos aos mesmos concertos, vemos os mesmos filmes, dividimos com eles o computador lá de casa e, com um bocadinho de sorte, até nos emprestam aquela t-shirt que nos fica a matar. Falamos com eles quando precisamos de uma opinião sensata e, estranho!…, ouvimos o que eles têm para nos dizer. Carregamos mais lastro e sabemos mais umas coisas mas muitas das que sabemos qualquer google lhes diz e nas outras, nas que interessam, nas que nos fazem viver melhor ou pior, eles aprendem numa hora o que nós demorámos anos a perceber e o facto de lhes comprarmos um telefone novo e eles começarem de imediato a funcionar com ele sem precisarem de ler uma única instrução nem é o mais importante. O que me deixa aqui às voltas é sentir que  acabámos por criar um mundo onde, apesar de fingirmos que não, eles se movimentam muito mais à vontade que nós e são, apesar de tudo, cidadãos mais responsáveis.

Já lá vai o tempo em que a idade adulta precisava de rituais de iniciação, em que os pais armavam os filhos cavaleiros e as mães tinham conversas com as filhas nas vésperas do casamento. Hoje vamos usando a espada a meias e são as nossas filhas que falam connosco quando o nosso namorado novo lhes entra porta adentro. Nós infantilizámos-nos e eles adultificaram. Estamos quase quase da mesma idade e por isso não me faz sentido, não me faz qualquer sentido, a discussão que para aí vai. Os pais acham que têm de dar autorização a um filho de 16 anos para ele fazer um teste de despiste de SIDA? Os juristas embrulham-se em leis sem saberem se pode ou não pode? A igreja vem dar bitaites? Os médicos dizem que sim, não talvez, nunca se sabe?

E eles? Eles dizem o quê? Eles, os grandes interessados, se lhes perguntássemos, talvez os ouvíssemos dizer o mesmo que a minha filha, com oito anos, disse quando se discutia o aborto na altura do referendo – esta lei é para mim, é o meu futuro que está a ser discutido e não é já o vosso, não percebo porque não posso votar.

Neste caso, no da SIDA, não é só o futuro deles que está a ser discutido, é o presente também. Ou será que ainda achamos que eles acreditam na história dos passarinhos e das borboletas? E se os nossos filhos, sensatamente, quiserem fazer análises antes de decidirem, juntamente com o namorado ou a namorada, ter sexo não seguro? Será justo ouvirem como resposta que precisam de pedir à mamã e ao papá o papelinho?

Tenhamos juízo. Eles, parece-me, já têm. Por nós e por eles. E é inútil tentarmos, agora, armarmos-nos em nossos pais. Não somos. E eles, melhor que nós, sabem disso.

3 comentários:

calamity jane disse...

Mais: penso que eles deveriam poder fazê-lo assim que iniciem a sua vida sexual, tal como têm direito a consultas de planeamento familiar sem autorização dos pais - que eu saiba! Mas,claro, devem poder fazê-lo de uma forma minimamente acompanhada: em caso de teste positivo, a notícia não pode ser dada de qualquer maneira...

Mente Quase Perigosa disse...

Isto é mais um dos casos em que se pretende ser mais papista que o papa. E nem entendo qual é a dúvida da comunidade médica. Se as consultas de psicologia se fazem sem acompanhamento parental e, no nem estou a ver que com 16 anos eles precisem de autorização dos pais para consultar que médico for ou fazer que análises forem, qual é o motivo que leva a esta proibição?

Wolve disse...

Pois, mas já estamos todos fartos de saber que o progresso tem que ser talhado a machado, porque os burocratas e os idiotas nunca deixarão de existir. Lembro-me de ouvir o Nicolau Breiner, que muito admiro, dizer na mesma frase "sou assumidamente católico" e "a compaginação entre homens e mulheres no casamento é impossivel".

Cabe-vos a vós, mães e pais com mentes abertas ser o contrapeso destas parvoices burocráticas. "mãe... quero fazer o teste. Assina aí." E voces - eu ainda não, que ainda não sou pai, mas a seu tempo me juntarei ao grupo - "ora, toma lá e n se fala mais nisso."
Simples.